Tema 1234: ministros e especialistas debatem a nova arquitetura da judicialização da saúde no Brasil

10 de abril de 2025

Da Redação

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A mesa de abertura do Congresso contou com a presença (da esquerda para a direita): da desembargadora federal Carmen Silvia (TRF-2), do ministro Antonio Saldanha Palheiro (STJ), do vice-presidente do STJ, ministro Luis Felipe Salomão, do presidente do TRF-2, desembargador federal Guilherme Calmon, do diretor-geral da Enfam, ministro Benedito Gonçalves, do ministro Messod Azulay (STJ) e da conselheira Daiane de Lira (CNJ).

Primeira edição do Congresso reuniu magistrados, especialistas em Direito da Saúde e integrantes do sistema de Justiça para discutir os impactos do julgamento do Tema 1234 do STF

Nos dias 20 e 21 de fevereiro de 2025, o Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF), no Rio de Janeiro, sediou o “I Congresso Nova Arquitetura da Judicialização da Saúde: Impactos do Tema 1234”. O evento reuniu ministros, magistrados, procuradores, defensores públicos, acadêmicos e profissionais da saúde, com o objetivo de discutir os desdobramentos da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o Tema 1234, que estabelece diretrizes para a concessão judicial de medicamentos e tratamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

O vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e diretor do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF), ministro Luis Felipe Salomão, coordenou o evento e falou sobre a importância da participação dos magistrados nas oficinas do Congresso para a produção de enunciados e de políticas públicas relacionadas à judicialização da saúde.

“Esse congresso tem uma dinâmica muito especial, porque ele proporciona a participação dos integrantes para além dos painéis em que vamos discutir os aspectos jurídicos. Temos também oficinas em que, em paralelo, serão discutidas elaborações e políticas públicas sobre esse tema paradigmático que o STF acabou de apreciar.”

Na abertura, o presidente do Tribunal Regional Federal da 2a Região (TRF-2), desembargador federal Guilherme Calmon, disse que o evento busca incentivar o debate de ideias sobre o direito à saúde. “É uma grande oportunidade para que todos possam debater e encaminhar soluções positivas e sugestões para aperfeiçoar o Tema 1234.”

Na sequência, a supervisora do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde (Fonajus), conselheira Daiane Nogueira de Lira, destacou a força do diálogo e da cooperação interinstitucional entre o Poder Judiciário e o sistema de saúde para racionalizar e equalizar a garantia do acesso à saúde pela população brasileira. “Temos um pouco mais de cinco meses da emissão do julgamento dos Temas 6 e 1234 do STF. Esse é o momento de dialogar, debater e tirar reflexões para que a gente possa, de fato, qualificar as ações judiciais de saúde.”

A coordenadora científica do Congresso, desembargadora federal Carmen Silvia do TRF-2, lembrou da importância de debater os impactos do Tema 1234 e afirmou que o juiz precisa ter deferência pela medicina. “Nosso papel é aprender com os profissionais da saúde, mas também lembrar que a nossa ciência é outra. O nosso dever é garantir a efetividade dos direitos fundamentais, entre eles o direito à saúde. Essa é a nossa função.”

O diretor-geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), ministro Benedito Gonçalves, afirmou que o julgamento do Tema 1234 trouxe consequências importantes para a garantia da sustentabilidade do sistema público de saúde brasileiro. “O julgamento reforça a necessidade de equilíbrio entre o reconhecimento dos direitos individuais e a manutenção das políticas públicas que devem atender ao coletivo de forma eficaz e responsável. A conclusão do Tema 1234 buscou promover maior uniformidade no julgamento dessas ações e centralizar demandas de alto custo nesse campo do Judiciário.”

Conferência O ministro do STJ Antonio Saldanha Palheiro realizou a conferência de abertura do Congresso e abordou o trabalho de mediação realizado pelo STF no julgamento do Tema 1234, dialogando com diferentes atores do sistema de saúde para construir um sistema negociado. Segundo o ministro, o julgamento foi fundamental para estruturar e diferenciar as responsabilidades dos três entes federativos, a partir da consolidação de critérios sedimentados para a concessão de medicamentos pelo Poder Judiciário.

“Como a saúde é essencial, o magistrado se via na contingência de conceder medicamentos sem uma estruturação técnica sobre o ente responsável pelo custeio. Apesar da grandeza de conceder saúde a quem precisa, o sistema não suporta.”

O ministro destacou, ainda, outro ponto do Tema 1234: a disponibilização de medicamentos não incorporados na política pública do SUS. Para Saldanha, o principal debate relacionado a essa questão é a demora irrazoável do registro na Anvisa. “Essa é a base da discussão dos medicamentos não incorporados. Porque a Anvisa demora tanto tempo para deliberar se vai incorporar ou não? É sim ou não,” disse.

Nesses casos, o magistrado explicou que o STF decidiu que será preciso o preenchimento de três requisitos para a concessão do medicamento: o pedido de registro, a existência de registro do medicamento em agências de regulação internacionais de alta credibilidade como dos EUA, da União Europeia e do Japão e a inexistência de substituto terapêutico registrado na Anvisa.

Saldanha falou, também, sobre a implementação da Plataforma Nacional de demandas envolvendo o acesso e a aquisição de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que tem como objetivo a centralização das demandas administrativas e judiciais, a identificação do ente responsável pelo fornecimento do medicamento, a orientação e o compartilhamento de informações.

“A Plataforma Nacional é uma medida fantástica. Ela visa ser o grande centro de informações sobre a saúde. Será como um Portal da Transparência exclusivo para o setor. Quando a plataforma estiver implantada, o magistrado terá todas as informações necessárias para viabilizar a utilização do Tema 1234 no dia a dia da atividade jurisdicional.”

Diálogo e especialização A supervisora do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde (Fonajus), conselheira Daiane Nogueira de Lira, falou sobre o papel do CNJ de levar para a magistratura brasileira os requisitos presentes no Tema 1234. Ela ressaltou, ainda, a importância da especialização dos magistrados e dos servidores em Direito da Saúde na Justiça Federal e Estadual.

“O Fonajus tem atuado no diálogo com os magistrados, pois sabemos que julgar ações em saúde não é fácil e se torna cada vez mais complexo. Os magistrados estão tendo que aprender e se especializar nas políticas públicas de saúde de forma muito pormenorizada. Cabe a nós como Fonajus e como CNJ auxiliar a nossa magistratura.”

A conselheira também apresentou o panorama da judicialização de 2024, que, segundo ela, já apresenta impactos positivos após o julgamento do Tema 1234, com a redução no número de processos relacionados à saúde pública.

“Vamos continuar acompanhando mês a mês a evolução desses números para identificarmos o impacto. É importante esse acompanhamento, pois o Tema 1234 não se direciona apenas para a magistratura. Para que ele funcione, é necessário que a administração pública também cumpra com a sua parte nos acordos e na função de incorporação dos medicamentos.”

Fluxos de cumprimento de decisão No encerramento do primeiro dia do seminário, o juiz auxiliar do STF Diego Veras explicou que foram realizadas 23 reuniões no Supremo com  objetivo de elaborar o acordo que foi homologado no voto do ministro Gilmar Mendes no julgamento do Tema. Segundo Veras, a primeira etapa baseou-se na padronização dos conceitos e na coleta de dados sobre os gastos com medicamentos tanto na esfera judicial, quanto nos estados e municípios. O juiz federal destacou, também, a importância da governança judicial colaborativa.

“Essa é uma nova forma de enfrentar os problemas, pactuando com as partes e com os entes federativos. O Tema 1234 está em constante adaptação e, se houver necessidade de aprimoramento, os entes voltarão ao STF para possível correção de rumo. A governança colaborativa vai permitir que dentro dos próprios autos possam ser feitos aperfeiçoamentos, sem precisar abrir um novo Tema.”

Veras também afirmou que, com o Tema 1234, relatórios médicos não servirão mais para a concessão de medicamentos não incorporados. Segundo Veras, será obrigatória a análise do NatJus. “Se os magistrados não fizerem a consulta ao NatJus, a decisão será cassada pelo STF.”

A mesa de abertura também contou com a participação do ministro Messod Azulay Neto do STJ, da conselheira Daniela Madeira do CNJ, da coordenadora científica do Congresso juíza federal Vânila Cardoso e da diretora-geral do CCJF, desembargadora federal Simone Schreiber.

Encerramento No segundo dia do Congresso, o ministro Gilmar Mendes proferiu a conferência de encerramento. O decano do STF também destacou a criação da Plataforma Nacional como uma das maiores inovações do julgamento do Tema 1234, com o objetivo de unificar os dados dos custos com aquisição de medicamentos e do fluxo de entrega dos fármacos pela via administrativa e judicial.

“A tomada de decisão não ocorria a partir de dados consolidados. Com o acordo, a Plataforma centralizará todas as informações de fácil consulta pelo cidadão e permitirá a consulta on-line, facilitando o acompanhamento da eficácia dos tratamentos e da eficiência do gasto público.”

O ministro também falou sobre a importância da definição de competência para decidir sobre o fornecimento de medicamentos. Segundo ele, o acordo contribui para a redução do conflito de competências entre a Justiça Federal e a Estadual. 

“Esse é um passo realmente importante do Tema 1234. Antes, as demandas eram analisadas sem critério definido, gerando conflitos de competência e grandes atrasos. Agora, a Justiça Federal e a Justiça Estadual possuem competências bem definidas no caso de medicamentos incorporados. Em relação aos medicamentos não incorporados, se for igual ou superior a dez salários mínimos, a competência é da Justiça Federal. Já as ações com valor inferior a esse patamar devem tramitar na Justiça Estadual, devendo a União ressarcir estados e municípios com repasses fundo a fundo.” 

Outro aspecto importante destacado pelo ministro Gilmar Mendes foi a definição de regras para o limite de preços de medicamentos disponibilizados por ordem judicial. Segundo o ministro, os magistrados deverão determinar que o valor de venda do medicamento seja limitado ao preço com desconto proposto no processo de incorporação da Conitec ou pelo preço já praticado em compra pública, priorizando o menor valor. “Essa mudança agrega justiça e responsabilidade. O Judiciário não pode substituir a decisão administrativa, mas deve avaliar se a decisão está em conformidade com a legislação e com as políticas públicas.”

Para o decano do STF, a implementação do Tema 1234 e o fortalecimento do SUS ainda exigirão esforço e dedicação de todos. “Mas o avanço já conquistado evidencia que é possível construir uma sociedade efetivamente justa, livre, solidária e capaz de prover a todos os cidadãos saúde e dignidade”, concluiu Mendes. 

A pneumologista da Fiocruz Margareth Dalcolmo também participou do encerramento do Congresso e defendeu que a classe médica auxilie a magistratura na redução da judicialização. “Da mesma maneira que nós contamos com o papel fundamental que a Justiça tem feito para nos ajudar, acredito que nós, médicos e pesquisadores da saúde, devemos colaborar com os magistrados.”

O I Congresso “Nova Arquitetura da Judicialização da Saúde: Impactos do Tema 1234” foi realizado pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF), pelo Tribunal Regional Federal da 2a Região, pela Escola da Magistratura Regional Federal da 2a Região e pelo Centro Cultural Justiça Federal, com o apoio da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).

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