Edição 297
Questões (negativas) da utilização da IA na Justiça do Trabalho
2 de maio de 2025
Paulo Maltz Membro do Conselho Superior do IAB

Muito se fala sobre o uso da Inteligência Artificial nas diversas áreas da sociedade. As empresas organizadas têm vários softwares que otimizam a produção, o controle de estoque, as vendas e outras atividades antes realizadas manualmente. Não poderia ser diferente na advocacia.
Contando com a ajuda do Dr. Rui Santos Reis, elaboramos o presente artigo, que servirá apenas para alimentar o debate sobre o tema.
Startups dedicam-se a criar sistemas revolucionários para prever julgamentos, identificar e classificar movimentações processuais, analisar documentos e petições, identificar padrões e teses, sugerir documentos e testes, revisar contratos, identificar informações relevantes, elaborar minutas de peças jurídicas, coletar evidências, fazer análise preditiva de decisões judiciais, dentre outras atividades.
Com o olhar atento para a realidade, a OAB referendou a prática, com ressalvas, mediante a Recomendação no 001/2024 do Conselho Federal. Os destaques da recomendação da OAB são respeito à confidencialidade e ética com sugestão de informação ao cliente quando do uso da tecnologia. Partindo dessas premissas, fizemos análise preliminar da IA, especificamente na Justiça do Trabalho.
Diferente de outras áreas do Direito, a grande maioria das lides que tramitam na especializada laboral tem caráter individual. O exame caso a caso, cada um com a sua especificidade, é rotina nos Tribunais do Trabalho. Eis o aspecto mais sensível do debate. Encantados com as facilidades oferecidas, muitos advogados têm utilizado, indiscriminadamente, recursos como o ChatGPT para elaboração de iniciais que não se encaixam com o verdadeiro direito do cliente.
O fato ainda é mais grave quando o cliente encontra o advogado pela internet e nem o conhece pessoalmente. Muitos são de outras unidades da Federação. O peticionamento eletrônico permite ao advogado atuar em todos os estados sem conhecer profundamente o caso concreto.
Aliando-se a uma entrevista sumária com o cliente – em geral feita por Bot (programa de computador que executa tarefas de forma automática, imitando ou substituindo o comportamento humano) –, com iniciais redigidas por meio de ChatGPT, o resultado é catastrófico. Uma tempestade de ações rasas, sem a exposição correta dos fatos e normalmente carentes de fundamento adequado. Tratam-se de verdadeiras “pescarias”. A IA é incapaz de entender as necessidades específicas de cada cliente, tornando as iniciais genéricas e inconclusivas. Diante de ações nesse formato, as contestações têm que vir igualmente genéricas ou elaboradas por divinação.
No momento da produção da prova, o julgador tem dificuldade de especificar os pontos controvertidos e, premido pela possibilidade de nulidade da sentença por cerceamento do direito de prova, opta por deferir todos os requerimentos formulados, inclusive perícias desnecessárias.
Durante a produção da prova oral – utilizada robustamente na Justiça do Trabalho –, o depoimento do autor, normalmente, não se coaduna com os fatos trazidos na inicial. Pior ainda quando são ouvidas testemunhas.
A sentença que sobrevém revela-se recheada de impressões pessoais do julgador, que acaba por intuir o que queria o reclamante. Quanto menos técnica a inicial, pior será a defesa, e o julgador cairá na armadilha de ter de dar uma sentença sem que haja sequer pedido e fundamentos. O Judiciário se transforma em verdadeiro advogado da parte, pois interpreta o pedido da forma que acha melhor e julga pedidos sem fundamento, aplicando direito a fatos inexistentes.
Alguns juízes de primeira instância estão atentos para o fato e, por vezes, extinguem processos liminarmente por inépcia ou identificam a ocorrência de lide predatória. Ao que percebemos, os Tribunais ainda são mais cautelosos na classificação de lide temerária e, em geral, permitem prosseguir a demanda para a análise meritória que, certamente, será mal apreciada. Nada obstante, o resultado é a sobrecarga do Judiciário com ações e mais ações desfundamentadas e a rejeição de pedidos que, se bem postulados, poderiam ser procedentes.
Propõe-se, pois, a conscientização dos advogados para o uso moderado dos recursos de tecnologia. Fazer sempre uma entrevista completa com o cliente, para a elaboração de inicial adequada ao caso concreto. Para o Judiciário, pugna-se pelo rigor nas penalidades existentes em lei – tal como o instituto da litigância de má-fé – quando identificado o uso desatinado da tecnologia. No extremo, há de se condenar o advogado – mentor da má-fé – solidariamente.
E, no âmbito da OAB, deseja-se mais atitude dos dirigentes e a conscientização dos advogados, para evitar punições quando ferida a ética necessária no exercício da advocacia. Ainda no âmbito das OABs, impõe-se, urgentemente, a exigência de respeito ao Estatuto, que determina a obrigação de inscrição suplementar para o advogado atuar em mais de cinco processos por ano em Seccional distinta daquela de origem. Um simples convênio com os Tribunais poderia resolver essa questão, pois estes informariam às OABs quando um advogado tivesse mais de cinco processos.
Nessa toada, nosso posicionamento é favorável, em parte, ao uso da IA, desde que sem substituir o trabalho intelectual do advogado porque, em última análise, a profissão seria extinta, já que robôs fariam seu trabalho. Como ferramenta para uma advocacia mais técnica e fundamentada, perfeito. Como meio de abarrotar os Tribunais com ações erradas, repetitivas e rasas de fatos e fundamentos, jamais.
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