Edição

Cartórios digitais

16 de abril de 2020

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“Rompido o paradigma, voltaremos atrás?”

Em ritmo acelerado, a sociedade se apropria de todas as ferramentas digitais disponíveis para manter em funcionamento os serviços essenciais durante a pandemia. No sistema de Justiça, uma das respostas ao novo coronavírus veio na forma do Provimento 95, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que autoriza o funcionamento digital dos cartórios enquanto durarem as medidas de quarentena em todo o País. 

Assinado em 1º de abril pelo Presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, Ministro José Antonio Dias Toffoli, o Provimento permite a lavratura de atos notariais digitais considerando que o funcionamento dos cartórios é essencial “para o exercício da cidadania, a circulação da propriedade, a obtenção de crédito com garantia real, a prova do inadimplemento de títulos e outros documentos de dívida com a chancela da fé pública, entre outros direitos”.

Os cartórios rapidamente começaram a se adaptar. A primeira procuração 100% digital do Brasil foi emitida menos de uma semana depois, em 6 de abril, pelo 15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro, e possibilitou a venda de imóvel, em Copacabana, cuja proprietária brasileira reside na Itália.

Para debater todas as implicações do funcionamento digital dos cartórios, a Revista Justiça & Cidadania e o 15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro realizaram em 9 de abril mais uma edição do Projeto Conversa com o Judiciário, desta vez em formato de webinário. Com coordenação acadêmica do Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Antonio Saldanha Palheiro, o seminário digital contou com a participação do Juiz Auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça Alexandre Chini, do Juiz Auxiliar da Presidência do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Fábio Porto, do Superintendente de Habitação da Caixa, Cláudio Martins, da Tabeliã do 15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro, Fernanda Leitão, e do Presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi-Rio), Cláudio Hermolin.

Apresentado pelo Editor-Executivo da Revista, Tiago Salles, o debate foi acompanhado por mais de mil web espectadores, que puderam esclarecer dúvidas sobre a utilização dos recursos digitais, os sistemas de certificação e as tecnologias utilizadas.

Resposta natural – Em sua participação, o Ministro Saldanha avaliou que as normas do Provimento 95 e de enunciados anteriores do CNJ trouxeram referências que tendem a se perpetuar para além do momento de crise. O magistrado ressaltou, contudo, que a utilização dos meios digitais deve obedecer aos princípios da atividade judicial como publicidade, previsibilidade e transparência, e atentou para a necessária normatização da territorialidade dos cartórios. “A história anda para frente. A atuação remota está enraizada no cenário mundial, e a Justiça não poderia ficar de fora. Isso veio para ficar e vai se incorporar de forma lastreada em nosso ordenamento jurídico. (…) Iniciativas como a desse webinário ajudam a dar mais esse passo em direção ao futuro”, comentou o Ministro.

O Juiz Alexandre Chini, que na Corregedoria Nacional de Justiça participou ativamente da criação do Provimento 95, apresentou uma retrospectiva de todos os atos normativos editados durante a pandemia relacionados às serventias extrajudiciais (Recomendação 45 e provimentos 91,92,93,94 e 95). Ele explicou que os cartórios estão autorizados a aceitar documentos com certificados validados pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), ou que utilizem outra tecnologia, desde que admitida como válida pelas partes.

Ao comentar que o mundo há algum tempo já vinha se transformando digitalmente, o Juiz Fábio Porto considerou a regulamentação do funcionamento digital dos cartórios como uma resposta natural do sistema de Justiça à pandemia. “Estamos caminhando para uma realidade em que os serviços e também o Judiciário vão estar na palma da mão”, comentou o magistrado, que acrescentou por fim um questionamento compartilhado por outros participantes espectadores: “Depois de rompido o paradigma, vamos conseguir voltar atrás?”

Resposta natural – A Tabeliã Fernanda Leitão lembrou que a atividade notarial remonta há mais de três mil anos, com o registro de negócios jurídicos em pedras, em tábuas e em papel. A utilização dos meios digitais, para ela, seria apenas o mais recente passo dessa evolução histórica. A pedido dos magistrados participantes, ela narrou todo como foi o processo do primeiro documento digital lavrado pelo 15º Ofício, que incluiu videoconferências e a utilização do sistema blockchain. Em sua avaliação, a novidade trará ganhos para a sociedade: “Era uma questão que viria naturalmente, mas que agora foi acelerada. Vamos aliar a tecnologia com a segurança jurídica conferida pela fé pública do tabelião”.

De acordo com o empresário Cláudio Hermolin, o funcionamento digital dos cartórios também é muito bem-vindo pelo mercado imobiliário. Segundo ele, as construtoras e incorporadoras imobiliárias já vêm realizando feirões de imóveis totalmente digitais, com o uso de ferramentas que dispensam a presença física. “O que faltava era realmente a entrada dos cartórios no cenário digital. Espero que essa possibilidade se estenda para sempre, para que a partir de agora toda a jornada de compra, venda, locação e crédito do mercado imobiliário possa ser feita digitalmente”, opinou o Presidente da Ademi-Rio.

Por fim, o Superintendente Cláudio Martins ressaltou que, em geral, as grandes evoluções ocorrem justamente nos momentos de crise. Utilizou como exemplo o aplicativo digital da Caixa para o pagamento do auxílio emergencial aos trabalhadores autônomos, desempregados e microempreendedores individuais, resposta tecnológica desenvolvida em uma semana e que, apenas nas duas primeiras horas de uso, registrou nove milhões de acessos. “Algo que não seria possível em condições normais de temperatura e pressão”, comentou.   

Assista a gravação do debate em nosso site editorajc.com.br