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São Paulo aplaude a Confraria Dom Quixote

19 de junho de 2013

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A confraria Dom Quixote, criada por nosso diretor-editor Orpheu Santos Salles, se reuniu em São Paulo no dia 14 de março passado para, numa magnífica solenidade realizada no auditório do Tribunal Regional Federal da 3º Região, entregar o troféu Dom Quixote a vários de seus colaboradores dos setores da magistratura, da política, do jornalismo e dos meios jurídicos.

“Fazemos esta festa para retribuir ao que temos recebido de apoio e colaboração através de matérias para a revista Justiça & Cidadania. Cada um dos senhores e senhoras estão recebendo o Quixote como prêmio por fazerem o bem, por distribuirem justiça, por lutarem pela cultura e pelo bem deste país que tanto precisa daqueles que têm boa vontade como todos os que estão aqui presentes”, disse nosso diretor durante a entrega dos troféus.

Figuras representativas da capital paulista compareceram à solenidade para prestigiar os homenageados e a direção da revista Justiça & Cidadania por mais esse evento.

São os seguintes homenageados:

Anna Maria Pimentel, Presidente do TRF-3

Armando Laudório, Diretor da CEG

Cláudio Lembo, Vice-Governador de São Paulo

Diva Malerbi, Vice-Presidente do TRF-3

Francisco Viana, Jornalista

Ives Gandra Martins, Presidente da Academia Paulista de Letras

Jorge Mattoso, Presidente da Caixa Econômica Federal

José Kallás, Desembargador Federal Aposentado

José Mindlin, membro da Academia Paulista de Letras

Marcio Moraes, Desembargador Federal

Miguel Reale, membro da Academia Paulista de Letras

Newton de Lucca, Desembargador Federal

Paulo Pereira Baptista, Corregedor-Geral da Justiça Federal

Saulo Ramos, ex-Ministro da Justiça

Zulaiê Cobra, Deputada Federal.

Transcrevemos a seguir trechos de alguns discursos das personalidades homenageadas pela revista Justiça & Cidadania com a entrega do troféu Dom Quixote.

Ministro Francisco Peçanha Martins

Não é a primeira vez que compareço a uma solenidade de premiação desta confraria, que tem o nome do grande herói Dom Quixote, ficção criada pelo gênio de Cervantes nos idos da Santa Inquisição e que se valeu do insano Alonso de Quijano para traçar, com letras e tintas admiráveis, todos os tipos humanos da sociedade de então. Por isso mesmo, hoje se apresenta Cervantes como autor do maior dos livros que já se escreveu, norte mesmo da literatura do mundo. Cervantes, porém, foi sobretudo um herege, homem que não se submeteu às regras rígidas traçadas pela Inquisição e procurou da forma mais inteligente possível afirmar suas idéias e o fez com o brilho que todos conhecemos já que desde cedo sempre tivemos às mãos um exemplar do Dom Quixote. Ao longo dos anos que se seguiram, apesar de talvez não termos tido traduções perfeitas e não termos tido a sorte de poder ler seu original, a leitura deste livro marcou aquelas personalidades que não se conformam com o status quo dominante e que pretendem inovar, tanto quanto possível e sempre, na defesa das liberdades humanas. Aqui hoje, para minha felicidade, vamos entregar o prêmio em boa hora instituído por um desses Quixotes que conhecemos, o nosso Orpheu Santos Salles, idealizador da revista Justiça & Cidadania, e ele sim o criador  do prêmio e da confraria Dom Quixote.

Esta confraria se sente engrandecida pela presença de todos, mas sobretudo pelo número de confrades ilustres e, mais do que isso, sábios que passam a integrá-la. Tenho na pessoa do eminente professor e filósofo do Direito, Miguel Reale, uma figura excepcional que quero, embora no crepúsculo, continue a nos oferecer alvoradas.

A primeira publicação do Quixote ocorre nos idos primeiros do século XVII quando a Lei Crowell, em sua revolução, deu os primeiros passos em defesa da igualdade dos homens, antecedendo em cem anos a Revolução Francesa. Devemos também a Shakespeare palavras imorredouras, dísticos insubstituíveis na defesa da liberdade que desde cedo festejei pelos amigos que tive, ilustres e mestres, como os irmãos Mangabeira, que relatavam alguns dos sofrimentos a que haviam sido submetidos nas prisões e sobretudo no exílio. Disse em uma dessas reuniões da confraria que seu professor, mestre de nós todos nas lições imorredouras do direito e da política, Rui Barbosa, era para mim o símbolo ou a encarnação do Quixote no Brasil. Este grande mestre foi um combatente durante toda sua vida e esteve sempre a serviço da liberdade. Por isso mesmo, hoje o maior galardão que a Ordem confere aos seus membros tem seu nome: a Medalha Rui Barbosa. A liberdade por certo veio no sopro desmistificador de Deus ao criar o homem e dotá-lo de livre arbítrio como que lhe conferindo o bem maior. Estejam todos certos que os confrades reunidos em boa hora pelo espírito quixotesco de Orpheu Santos Salles estarão sempre de braços dados na defesa desse bem maior.

Orpheu Santos Salles

Quem merece todas as homenagens hoje são os magistrados e a Justiça porque o Quixote foi lembrado como forma de homenagear e retribuir a eles. Não conheço além de tudo que representa a obra de Cervantes nada que se coadune mais, pelo espírito de amor, de renúncia, de trabalho, de coragem e de justiça, com a própria história de vida dos magistrados. Só o magistrado tem aquele dom que só Deus tem que é o de julgar os homens, seus semelhantes. Porém, o que é o Quixote para todos nós? Ele é aquela figura caricata que de repente se transforma em um sonhador, em algo quase sublime pelo amor, pela renúncia, pela determinação, pela aventura, por tudo aquilo que todos sonhamos atingir que é o magnífico, o bom, o verdadeiro e o agradável. Dom Quixote tem por Dulcinéia um amor espiritual, não o amor carnal, que dignifica a mulher porque ela representa o que de melhor há em todos nós.

Dom Quixote é aventureiro, mas sofredor. Buscou seu servo e escudeiro, Sancho Pança, e encontrou a fidelidade. Ofereceram-lhe o governo de uma ilha para que renegasse  seu mestre. Sancho, por sua vez, disse que preferia ser enterrado a abandoná-lo.

Quixote, em toda a imensidão de páginas que lemos na obra de Cervantes, além de aventureiro é sempre aquele que acredita no bem, em defender os injustiçados e indefesos; aquele que nos transmite uma lição de purificação do mundo pelo heroísmo, feito de fé intangível e de pureza perfeita.

Quando fala de justiça é para defender os Magistrados, realçando o valor e a importância da efetivação daquela. Sem ela e sem o Direito não há nada que se iguale ao bem que todos desejamos. Quantos dos Magistrados aqui presentes ao se debruçarem em processos para julgar seus semelhantes e decidir a favor daquilo que é o certo, que é o Direito e a Justiça, não sentirão o peso de um manto como que divino? Por isso resolvemos usar a figura de Dom Quixote, que representa tudo aquilo que almejamos, na retribuição aos juízes, aos homens públicos que se dedicam à política, como a ilustre representante do Congresso Nacional, deputada Zulaiê Cobra, que já foi relatora do projeto da reforma do Judiciário, e a todos esses que se dedicam com amor e fé ao nosso país. É um prazer constatar que existe um cidadão, nosso amigo José Mindlin, que nos reconforta com o que faz  porque com sua idade avançada ainda consegue ajudar a cultura deste país e estimula a sede de nosso povo pelas coisas boas que temos. Há à mesa figuras que são propriamente Quixotes andantes, como a maior figura da justiça brasileira, nosso maior jurista, Miguel Reale, e outra grande figura, o ex-ministro Saulo Ramos. Temos ainda nossa anfitriã, a ilustre desembargadora Anna Maria Pimentel, Ives Gandra Martins, Cláudio Lembo, Jorge Mattoso e o ministro Peçanha Martins, que representa nesta solenidade o seu colega ministro Edson Vidigal, presidente do Superior Tribunal de Justiça e igualmente presidente da confraria Dom Quixote.

Miguel Reale

Cabe-me falar sobre Cervantes e Dom Quixote. Passaram-se dezenas, centenas de anos e até hoje não se penetrou no mistério que mantém essa obra de maneira tão permanente na vanguarda dos romances da humanidade. Para mim, Cervantes é o mestre da ironia, e o que é ela? A ironia é a razão, a busca de si mesma que não se encontra ali. É procurar defender-se e ver que é impossível; olhar para tudo que existe e verificar que o mais belo não se alcança; olhar para a experiência humana ao longo dos anos e indagar a verdade reconhecendo que é impossível assegurar-se dela. Esta, a ironia, é a razão que se julga senhora de tudo e que na realidade a si mesma não se encontra. É por esta razão que considero Cervantes um dos símbolos da criação cultural.

Ao longo dos séculos vamos fixando determinados valores fundamentais. Assim como há valores imortais, há homens imortais que personificam o próprio valor. Este é o caso de Cervantes e Dom Quixote representando a ironia. O momento mais alto da ironia cervantina foi quando os fidalgos pensaram em poder tirar proveito do ridículo Sancho Pança e lhe deram uma ilha, ao que ele lhes deu uma lição extraordinária. Se lermos com atenção e cuidado as regras estabelecidas por Sancho para administração da ilha, verificamos que se trata de um espelho maravilhoso de abertura para a compreensão da capacidade que o homem tem de estabelecer seu próprio regulamento. Sancho Pança e sua lei, Sancho Pança e o exemplo do regulamento, Sancho Pança e uma lição eterna de humildade e de compreensão.

Tudo isto é ironia que deve ser a guia nossa por que é através dela que reconhecemos a nossa própria felicidade.

Jorge Mattoso

Estamos a quatro séculos após a publicação da primeira parte da belíssima obra de Miguel de Cervantes, que depois de todo esse tempo é claramente reconhecida como a obra iniciadora do moderno romance. Mais do que isso o personagem, o Cavaleiro da Triste Figura, Dom Quixote leva dentro dele sentimentos tão díspares quanto a ingenuidade e a convicção, quanto o sonho e a realidade e quanto a sensatez e a ousadia ou até a loucura. Esses valores contraditórios ou aparentemente contraditórios representam e são reflexos da condição humana e sobre tudo daqueles que vêem o mundo não apenas como um local de passagem, mas como um local para ser vivido e sobretudo para ser vivido buscando a transformação. Para mim, o Dom Quixote tem um peso especial, pois na operação Bandeirantes, na primeira vez que recebi a visita do meu pai, vinte dias depois de preso, ele me levou dois livros: um deles era “Casa Grande e Senzala” de Gilberto Freire e o outro era “Dom Quixote” de Miguel de Cervantes. Esses dois livros ficaram na memória não somente pelo momento sui generis da sua leitura, mas sobretudo por  alguns significados que eles puderam me dar. A Caixa Econômica Federal e eu nos sentimos honrados de fazer parte da confraria Dom Quixote, recebendo este prêmio. A Caixa é uma empresa pública singular que tem 144 anos e suas ações são tão complexas e múltiplas como complexo é o nosso país.  É uma instituição que vê o Brasil, que participa das mudanças de seu tempo e continua lutando por um país melhor. Nesse sentido é que nos sentimos honrados por estarmos juntos com todos os senhores.

Ives Gandra Martins

Aproveitando a expressão do meu colega de turma Cláudio Lembo que retirou da obra de Cervantes e de sua biografia texto para falar da compreensão de Cervantes sobre a liberdade, a cidadania e a democracia, que representam, de rigor, a razão de ser da Revista Justiça & Cidadania, e da luta que efetivamente trava, no momento atual em prol do Brasil, nós acreditamos e batalhamos por ideais. Indiscutivelmente o maior dom que existe, na democracia, é a liberdade. Lembro-me da obra de Kant, onde declarava que apesar da França viver o maior banho de sangue da sua historia, durante a revolução francesa, o simples fato de os pensadores que levaram à eclosão do movimento, terem lançado os princípios da liberdade, igualdade e fraternidade, aqueles princípios permaneceriam no tempo, muito além dos homens que fizeram a revolução, e que não imaginavam a extensão das idéias que defenderam.

Kant era contemporâneo da revolução francesa e considerava a liberdade de tal envergadura, a ponto de, na defesa da “paz perpetua”, pretender que, no dia que todos os países fossem repúblicas, lutando contra as monarquias absolutas, nos teríamos a autêntica democracia, e Kant falava em República como sinônimo de Democracia. A busca da liberdade exteriorizaria, então, o verdadeiro sentido de integração dos povos, que lutassem e conseguissem governos republicanos, não conheceriam mais, nem a injustiça, nem as guerras, pois dizia Kant, nenhum povo deseja guerra, nenhum povo deseja injustiça e no dia em que o povo dominar os governos e os governos forem repúblicas nos teremos a paz perpétua.

Ora, a liberdade de que Cervantes -e, aliás, muitos autores da idade média quando escreveram sobre os ideais da cavalaria- procurou mostrar, foi de que esses ideais residiam na busca de valores superiores àqueles que vivenciavam os próprios seres humanos, a época difícil da idade média. E em Cervantes, de cuja obra maior comemoramos os quatrocentos anos, o que se verificava é que está dentro do ser humano, o inconformismo com a injustiça, com a falta de liberdade, com as ditaduras, com tudo aquilo que, de certa forma, indignifica-o. Essa é a razão pela qual em todas as épocas, mesmo nos piores períodos de monarquias absolutas, de ditadura como a que vivemos no século passado, e inclusive de ditadura sanguinárias que existem em todos os momentos, alguns homens, algumas pessoas, alguns intelectuais ou idealistas que continuam lutando pelos valores maiores da humanidade, constituem o porvir de tempos melhores. E o que me impressiona em Orpheu, o fundador de nossa Confraria, que tem uma revista que cujo título representa tudo o que pretende, que é “Justiça e Cidadania”, porque não há justiça sem cidadania e nem cidadania sem justiça, e que criou uma Confraria de idealistas, a semelhança de Dom Quixote, idealistas que, muitas vezes, estão além de sua época, e, muitas vezes, vivem de utopias. Se os senhores, todavia, examinarem a história, vão verificar que aqueles que defenderam utopias são lembrados até hoje. Platão na República, Campanela, Thomas Moore o idealizador daquela cidade-ilha maravilhosa, em que os homens tinham ideais superiores aos da humanidade, a ponto de não desejarem riquezas, por que viviam outros bens morais e intelectuais maiores. Se nós analisarmos, esses todos são lembrados, enquanto aqueles que lutavam apenas pelo poder, pelo sexo, pelo dinheiro, aqueles que lutaram por valores temporais que desaparecem, estes a história desconheceu. O que nós temos, em nossa Confraria, essa extraordinária Confraria idealizada por Orpheu, é exatamente criar um núcleo de pessoas que vivem além de sua época, de pessoas que podem viver momentos difíceis, mas que não tiram os olhares das estrelas, daqueles que podem ter o pé no barro do mundo, em que o terrorismo, a incompreensão dos povos, as tentativas de retorno às ditaduras e às tiranias, a limitação de direitos fundamentais, inclusive no Brasil, são riscos evidentes, mas que não perdem a visualização das estrelas, dos espaços siderais, dos sonhos e dos ideais. Nós, nesta Confraria, temos a certeza absoluta, somos um pequeno núcleo de confreiras e confrades que, acreditam em ideais superiores e sabemos -e Orpheu é o nosso fundador, é aquele que idealizou esse momento e esse movimento- que na medida que  lutarmos e continuarmos acreditando em nossos ideais, tudo passará, menos os nossos sonhos, e mesmo que vivamos um momento de profunda perplexidade no país, em que não sabemos se os direitos continuarão a ser respeitados, quais serão as vertentes futuras, em que as medidas provisórias prevalecem sobre as leis e que somos surpreendidos a todo o momento pela superação dos órgãos representativos da sociedade por dois, três ou quatro “iluminados sem iluminação” que definem nossos destinos, nós continuamos acreditando no futuro e em nossas metas superiores. Nunca desistiremos, porque a ponte entre o presente e o futuro se faz exclusivamente por aqueles que acreditam em tais objetivos superiores, e nós, e vejo aqui meu amigo Bertelli, presidente da Academia Paulista de História, temos consciência que, muitas vezes, sentimos a aproximação de crepúsculos, mas estamos convencidos que nesta casa, como confrades, confreiras e amigos da ordem de Dom Quixote, nós, apesar dos crepúsculos, que vivemos,  seremos sempre  uns colecionadores de alvoradas.

Saulo Ramos

Em março temos essa tendência de falar dos idos… nos idos de março. Shakespeare não foi concorrente de Cervantes, e também não é pecado nenhum invocá-lo. Neste ano lembramos de Cervantes e dos quatrocentos anos da obra Dom Quixote. É uma eternidade de tempo, mas acho que a humanidade vai precisar de mais quatrocentos anos até que o trecho sobre a liberdade citado pelo professor Cláudio Lembo seja digerido pela alma de todos. Como disse uma vez um filósofo: “Defender a humanidade é fácil, difícil é defender o ser humano”.

E nos idos de março, comemoramos os cem anos do 14 Bis de Santos Dummont; os 180 anos da descoberta do processo Braile de leitura; e hoje, 14 de março, faz exatamente 20 anos que houve aquela celeuma em que o Brasil recuperou a democracia e a celeuma da posse do vice-presidente, pois o presidente estava no hospital.

Aproveito para contar uma história: na década de 60 fui incumbido de lançar um candidato a prefeito em Santos pelo presidente Jânio Quadros, de quem fui oficial de gabinete, e escolhemos o meu muito amigo Mário Covas, o Zuza; acabamos perdendo, ficando em segundo lugar. O prefeito vitorioso acabou por falecer antes da posse. Fomos então ao Judiciário discutir a respeito de outra eleição, pois o vice em nossa opinião não deveria tomar posse. Foi decidido pelo TSE que o vice tem direito autônomo, já que era eleito não só para suceder, mas para ocupar a vaga se a mesma existisse. Conformamo-nos com a lição judiciária e aprendemos, já que éramos jovens.

Então, passados 25 anos, neste dia 14 de março de 1985, estava eu em casa preparando um jantar para festejar a democracia (afinal depois de 21 anos o Brasil respirava liberdade), quando chegou o Zequinha Sarney para me buscar, pois seu pai solicitava minha ajuda já que não queriam empossá-lo porque o presidente Tancredo Neves encontrava-se no hospital. Não poderia assumir o vice porque o titular não foi empossado. E, segundo ele, quem estava sustentando isso era justamente Mário Covas. Liguei imediatamente para o Zuza e ele com aquela voz rouca: “Você me desculpa, Saulo. Sei que é amigo do Sarney, mas sem o titular assumir, o vice não pode ser empossado”. “Só é preciso lembrar…”, disse a ele, “que sou também seu amigo e já existe uma jurisprudência, inclusive sobre essa questão da posse do vice, defendida pelo TSE que garante esse direito”. Ele acabou se lembrando do fato ocorrido 25 anos antes em Santos e me disse: “Meu Deus, vou acabar com este negócio”. No dia seguinte, felizmente, o Brasil deu início aos seus, hoje 20, anos de democracia.

Hoje gostaria de fazê-los quixotescamente lembrar deste período. Participei de tudo isso na minha vida jurídica sempre como advogado de defesa, e por tal, não posso ver nenhuma acusação sem resposta. Hoje acusaram o José Mindlin duas vezes de idoso e de talvez possuir a primeira edição de Dom Quixote. Devo dizer, que aqui entre nós, na confraria Dom Quixote o mais iluminado é ele que tem todas essas alvoradas de liberdade porque é o maior bibliófilo do mundo e está na nossa confraria. Sendo assim, tenho cumprida mais uma vez minha missão de advogado de defesa.

Cláudio Lembo

É um grande privilégio receber o troféu Dom Quixote. Confesso-lhes que leio Dom Quixote, não continuadamente, mas por espaços físicos e geográficos da obra que é tão maravilhosa.

Sabem os senhores que Cervantes foi um lutador pela causa do Ocidente, pelo Cristianismo, e no entanto sofreu na batalha contra os turcos a perda até física de órgãos. Ele sabia o custo da luta e acima de tudo do cárcere porque foi preso pelos turcos e levado para Argel onde ficou durante cinco anos preso. Só foi libertado graças ao grande esforço de padres e militares que pagaram 500 escudos para sua libertação. Portanto, ele conhecia muito bem o valor da liberdade.

Há um trecho do livro, que muito me emociona, onde Sancho pergunta a Quixote, que o tem o hábito notável do diálogo, o que é a liberdade, e Dom Quixote responde com muita clareza: “Sancho, liberdade é algo que tem um valor imenso. A liberdade tem mais valor que todas as riquezas que estão debaixo da terra e debaixo do mar. Ah, Sancho, só quem perdeu a liberdade sabe o valor da liberdade”. É um trecho extremamente bonito, sensível, rico porque  demonstra exatamente as liberdades individuais, e hoje a liberdade faz parte dos direitos fundamentais, que foram pregados pelos liberais, objeto de tantas lutas. Daí, fico realmente muito feliz em receber o troféu Dom Quixote e agradeço de uma maneira muito sensível à revista Justiça & Cidadania e à confraria Dom Quixote pela beleza da escultura que recebo que representa esse homem de tantos ideais, que ao voltar no fim da vida à lucidez, vê que é melhor ser louco. Porque a vida é tão difícil e tão conflituosa que só com visões e sonhos é que podemos superá-la.

Ana Maria Pimentel

A tristeza pode uma pessoa suportá-la só, mas para estar alegre são necessárias pelo menos duas pessoas. A confraria Dom Quixote juntou muito mais que duas pessoas e entre elas seis desembargadores dessa corte que dividem conosco a distinção de receber o troféu Dom Quixote, honraria que traz ínsita a convivência entre o imaginário e o real, elementos que se harmonizam na transformação do sonho em fato. A confraria sonha e age. O Judiciário sonha em, preservando sua liberdade, agir para bem servir o povo brasileiro. Essa confraria tem identidade de pensar, mas o mesmo trecho que destaquei de Dom Quixote foi também mencionado por Claudio Lembo, Ives Gandra e Ministro Saulo Ramos: “A liberdade, Sancho, é um dos mais preciosos dons que os céus deram aos homens. Com ela não se pode igualar os tesouros que a terra encerra ou o mar encobre. Pela liberdade, assim como pela honra, pode-se e deve-se arriscar a vida.”

Estes juízes livres para desempenharem suas funções são cativos do dever de gratidão do ensinamento também de Cervantes. A pessoa agradecida aos que lhe fizeram bem dá indício de que também o será a Deus, que tantos bens lhe fez e continuamente lhe faz. Grata ao Senhor Orpheu Santos Salles, editor da revista Justiça & Cidadania por este momento. Grata a todos. Por tudo, obrigada.

Zulaiê Cobra

O professor Ives Gandra, que me conhece muitíssimo bem, sabe que nasci Dom Quixote, desde que vim ao mundo sempre fui um Dom Quixote, de saias. Gosto muito deste prêmio que me deixa fez profundamente honrada. Essa estatueta vai fazer parte da minha vida, que está no crepúsculo também. Quanto mais velho ficamos, melhores somos. O professor Miguel Reale é um baluarte eterno. Nesta mesa e nesta sala temos muitos Dons Quixotes.

Quando comecei a reforma do Judiciário na Câmara dos Deputados em 1995, enfrentei muitas dificuldades. Hoje a emenda 45, que poderia se chamar Emenda Zulaiê (o que seria muito bom),  que foi promulgada no dia 08 de dezembro de 2004 pelo Presidente da República, é para mim um orgulho muito grande. Tivemos grandes brigas, mas temos agora uma reforma possível do Judiciário; não é a melhor ainda, mas vamos chegar lá.

Sinto-me muito feliz por participar dessa confraria. Muito obrigada.