Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais

8 de março de 2021

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No mês passado foi Instituída a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais – PNSA (Lei nº 14.119/2021), que consagra nacionalmente o que se entende por serviços ecossistêmicos e suas modalidades – provisão, suporte, regulação e cultural – todos conceitos já consolidados em mais de uma dezena de leis e decretos estaduais.  Além disso, estabelece a diferença entre serviços ecossistêmicos e serviços ambientais – até então utilizados como sinônimos doutrinariamente. A diferença principal entre os serviços ecossistêmicos e os ambientais está justamente na intervenção individual ou coletiva que favorece a recuperação, manutenção ou melhoria do ecossistema indicada com o termo serviços ambientais que fica evidente no §6º do art. 6º da lei, onde consta “no âmbito do PFPSA, o pagamento por serviços ambientais depende de verificação e comprovação das ações de manutenção, de recuperação ou de melhoria da área objeto de contratação, conforme regulamento”.

Já os serviços ecossistêmicos são os prestados pela própria natureza sem a intervenção humana, ou seja, benefícios relevantes para a sociedade gerados pelos ecossistemas, em termos de manutenção, recuperação ou melhoria das condições ambientais (art. 2º, II), muitos dos quais a humanidade depende para a sua própria sobrevivência.

É de se destacar que a lei federal traz preocupações que não constam expressamente em diversas leis estaduais como, por exemplo, o reconhecimento da proteção ao patrimônio genético e da biodiversidade como serviços de suporte; dentro dos serviços de regulação as atividades relacionadas ao sequestro de carbono e combate aos eventos climáticos extremos e no grupo de serviços culturais os benefícios para o desenvolvimento intelectual – conforme dispõe o art. 2º, II da PNSA.

A Lei nº 14.119/2021 aproxima os atores provedores de serviços ambientais, que contribuem para uma ou algumas das modalidades de serviços ecossistêmicos, com os pagadores por esses serviços, que foram substancialmente ampliados conforme art. 2º, “V – Poder Público, organização da sociedade civil ou agente privado, pessoa física ou jurídica, de âmbito nacional ou internacional, que provê o pagamento dos serviços ambientais”.

As maiores dificuldades encontradas nas legislações estaduais – que estabelecem suas políticas de pagamentos por serviços ambientais – estão: i) na falta de instrumentalização e indicação de fontes de financiamento para PSA; ii) na centralização no Poder Público (governo estadual) das atividades de identificação/reconhecimento das áreas elegíveis para receber o benefício financeiro e o respectivo repasse, e; iii) na ausência de definição de métricas para a valoração dos serviços ambientais e respectivos pagamentos.

A PNPSA, por meio do Programa Federal de Pagamento Por Serviços Ambientais (PFPSA) também optou pela centralização das atividades, inclusive reconhecendo o instrumento como um dos de controle e comando relacionados à conservação ambiental (art. 5º, IV) em que pese não impedir a participação privada em caráter complementar de mercados voluntários, ou seja, o “reconhecimento do setor privado, das Oscips e de outras organizações não governamentais como organizadores, financiadores e gestores de projetos de pagamento por serviços ambientais, paralelamente ao setor público e como indutores de mercados voluntários (art. 5º, VII)”.

Diferentemente das políticas estaduais de pagamento por serviços ambientais, a PNPSA indica a possibilidade de que a receita originada da cobrança pelo uso dos recursos hídricos possa ser destinada a ações de PSA, desde que relacionadas à conservação e melhoria da quantidade e da qualidade dos recursos hídricos (art. 21). Para os demais objetivos (art. 4º), por exemplo: evitar a perda de vegetação nativa, a fragmentação de habitats, a desertificação e outros processos de degradação dos ecossistemas nativos e fomentar a conservação sistêmica da paisagem; reconhecer as iniciativas individuais ou coletivas que favoreçam a manutenção, a recuperação ou a melhoria dos serviços ecossistêmicos, por meio de retribuição monetária ou não monetária, prestação de serviços ou outra forma de recompensa, como o fornecimento de produtos ou equipamentos; estimular a pesquisa científica relativa à valoração dos serviços ecossistêmicos e ao desenvolvimento de metodologias de execução, de monitoramento, de verificação e de certificação de projetos de pagamento por serviços ambientais, ou; fomentar o desenvolvimento sustentável; não há indicação de fontes de financiamento ou incentivos.

Somente a possibilidade de que os recursos poderão ser captados de pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, agências multilaterais e bilaterais de cooperação internacional, preferencialmente sob a forma de doações ou sem ônus para o Tesouro Nacional, exceto nos casos de contrapartidas de interesse das partes, conforme indicado no art. 6º.

Mantem-se a necessidade do desenvolvimento de indicadores e métricas passiveis de utilização para a valoração, validação e monitoramento das certificações dos serviços ambientais, assim como, do órgão ou organização responsável por tais métricas. O lado positivo é a permissão de que “os serviços ambientais prestados podem ser submetidos à validação ou à certificação por entidade técnico-científica independente” (conforme art. 14, parágrafo único), pendente de regulamentação.

Ao mesmo tempo, identifica-se: i) um incentivo à participação privada no financiamento das atividades de PSA, conforme o art. 2º, V, no qual se reconhece como pagador por serviços ambientais o “Poder Público, organização da sociedade civil ou agente privado, pessoa física ou jurídica, de âmbito nacional ou internacional, que provê o pagamento dos serviços ambientais”, e; que ii) os recursos para o financiamento de atividades relacionadas aos serviços ambientais não estão vinculadas estritamente aos Fundos Públicos, já que a lei prevê outras modalidades de repasses para PSA que independem da adesão ao PFPSA, como: pagamento direto, monetário ou não monetário; prestação de melhorias sociais a comunidades rurais e urbanas; compensação vinculada a certificado de redução de emissões por desmatamento e degradação; títulos verdes (green bonds); comodato, e; Cota de Reserva Ambiental (CRA).

A opção pela forma de pagamento deverá ser estabelecida entre provedores e pagadores de PSA (conforme o art. 3º). O que dispensaria a necessidade de repasse em forma de doações para o PFPSA, contudo, sem a possibilidade de incentivos tributários para os doadores ou financiadores do referido programa, o que pode constituir um obstáculo para a captação de recursos privados para a iniciativa de PSA ( o Capítulo VI – Dos incentivos, foi vetado).

Pontos positivos na PNPSA podem ser identificados com a inclusão das terras indígenas, unidades de conservação com destaque para as reservas extrativistas e de desenvolvimento sustentável, áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade, sem, contudo, excluir imóveis privados representados por reservas particulares do patrimônio natural, áreas de preservação permanente e reservas legais.

Notas_____________________________

1 ROSA, L. A. da; WANDSCHEER, C. B.. Mapear as legislações nacional e estaduais existentes sobre Serviços Ambientais como forma de proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade conforme o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS15). Relatório de Pesquisa referente ao Ciclo de Iniciação Científica 2018-2019. Universidade Positivo. Curitiba, 2019.

2 MILLENNIUM ECOSYSTEM ASSESMENT. “Relatório-Síntese da Avaliação Ecossistêmica do Milênio”. 2005. Disponível em: https://www.millenniumassessment.org/documents/document.446.aspx.pdf. Acesso: 14/10/2019.

3 WANDSCHEER, C. B.; ROSA, L. A. da. “Pagamento por Serviços Ambientais no Brasil: Uma perspectiva Estadual e Implicações na Agenda 2030”, in Revista Direito ambiental e Sociedade: Caxias do Sul – UCs. (prelo).