Edição 287
Participação das Associações da Magistratura como mecanismo de ampliação da democracia interna no Poder Judiciário
29 de junho de 2024
Luciana Paula Conforti Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra)

No Estado Democrático de Direito, o Poder Judiciário deve adotar uma postura mais aberta e atenta aos efeitos concretos de suas decisões e políticas, tanto no plano jurisdicional como no administrativo.
O Estado Democrático de Direito pressupõe a existência de amplo e irrestrito acesso à Justiça. Quando se fala da necessidade de ampliação do acesso à Justiça, deve-se pensar em todas as medidas judiciais ou extrajudiciais que venham facilitar esse acesso e promover a pacificação social, bem como nas possibilidades de aprimoramento dos mecanismos (internos e externos) que buscam aproximar as decisões tomadas pela cúpula do Judiciário dos seus destinatários.
Não se pode negar o protagonismo do Poder Judiciário em várias pautas de interesse de toda a sociedade e o comprometimento da Magistratura com princípios consagrados na Constituição e nas normas internacionais, com a afirmação do ser humano e da sua dignidade como elementos nucleares da interpretação jurisdicional, em todos os ramos e instâncias do Poder Judiciário.
A Democracia e consequentemente o Estado Democrático de Direito, garantem ao cidadão a proteção de direitos essenciais à pessoa humana, como os direitos fundamentais, a Justiça social e a efetiva participação nos processos internos e externos do Judiciário.
Nas últimas décadas, tem sido frequente o debate em torno da necessidade de ampliação da participação de segmentos da sociedade que representem a maioria dos jurisdicionados, como de mais mulheres e de negros no Poder Judiciário, o que gerou a construção de políticas afirmativas pelo Conselho Nacional de Justiça, com percentual mínimo de mulheres nos Tribunais e sistema de cotas nos concursos públicos.
Também tem sido bastante discutido o aumento da participação da Magistratura nas decisões administrativas ou nos atos de gestão dos Tribunais, considerando que o Judiciário, sob o ponto de vista histórico, se ressentia de efetiva democracia interna capaz de compartilhar frações de poder com os integrantes dos seus quadros.
A efetivação da democracia interna está cada vez mais presente no dia a dia dos Conselhos e dos Tribunais de nosso país. Exemplo disso é a postura do Conselho Superior da Justiça do Trabalho ao conceder regimentalmente à Associação Nacional de Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) o direito de assento e voz em suas sessões presenciais de julgamento, bem como em diversas instâncias criadas com fins específicos, como comissões, grupos de trabalho, participação em audiências públicas, construção de normas internas, entre outros.
Com a aprovação da Lei no 14.824, de 20 de março de 2024, que dispôs sobre a composição, o funcionamento e a competência do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, de iniciativa da Anamatra, houve a consolidação do direito de assento e voz à entidade, o que corrobora o quanto já foi exposto, acerca da relevância da participação democrática e colaborativa de entidade nacional da Magistratura nas matérias de competência do Conselho. Além disso, o mesmo diploma legal, garantiu à Magistratura de primeiro grau uma vaga no Conselho com direito a voto, possibilitando, assim, maior representatividade do conjunto da Magistratura.
Na mesma esteira, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) tem garantido direito de assento e voz nas sessões do Conselho da Justiça Federal (CJF), pela Lei no 11.798, de 29 de outubro de 2008.
No Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é livre a manifestação das entidades nacionais da Magistratura em qualquer procedimento sob a apreciação do órgão (art. 125, § 4o do Regimento Interno), ainda que não haja interesse direto ou indireto de associadas e de associados, justamente dentro do espírito colaborativo da atuação associativa, com efetiva contribuição para o aprimoramento das políticas que interessam a todo o Poder Judiciário.
Uma das finalidades das associações da Magistratura é promover maior aproximação, cooperação e solidariedade entre os seus associados e os respectivos segmentos de Justiça, bem como proporcionar que juízas e juízes possam expor as dificuldades enfrentadas no exercício da judicatura e apresentar suas ideias para o aperfeiçoamento das políticas judiciárias e do próprio Poder Judiciário brasileiro.
O direito ao assento e voz de entidades da Magistratura nacional nas sessões dos Conselhos, como ocorre com a Anamatra e com a Ajufe, representa extrema valorização da contribuição das associações de magistrados e decorre de louvável prestígio reconhecido na legislação, para uma condução administrativa mais democrática e colaborativa e para a construção de um Judiciário mais justo, igualitário e fraterno. O mesmo deve ser dito no tocante à participação das associações regionais de magistrados nas sessões administrativas dos respectivos Tribunais.
As associações de magistrados exercem papel relevante ao apresentarem juízo crítico-construtivo e colaborativo junto ao administrador público para a construção de políticas judiciárias, além de trazer a visão e o anseio das magistradas e dos magistrados, de primeiro e segundo graus e também de ministras e ministros, promovendo uma importante interface no âmbito do Poder Judiciário.
Nesse contexto, é de extrema importância que as associações sejam informadas de todos os assuntos que interessam à Magistratura, sobretudo das matérias que serão discutidas nos Conselhos e nos Tribunais, especialmente propostas que visem à edição, alteração ou aprimoramento de atos normativos.
O conhecimento antecipado das matérias de interesse da Magistratura e de propostas relacionadas com atos normativos pelas associações, possibilita maior participação, dá amplitude democrática e faz com que os dirigentes associativos possam exercer adequadamente seu direito de voz na defesa e na garantia das prerrogativas e direitos da Magistratura, qualificando a representação, inclusive para que possam contribuir institucionalmente com as relevantes discussões, objetos das competências dos Conselhos e dos Tribunais.
Esse conhecimento prévio evita surpresas e pode possibilitar sugestões para que os mesmos resultados sejam alcançados ou até superiores, decorrentes da própria maturação dos atos normativos, sem desgastes internos, com o aumento da capacidade de reflexão, a partir do apontamento de outra visão, permitindo que as associações possam apresentar perspectivas que não fizeram parte da idealização das normas, o que contribui com o avanço e fortalecimento das políticas judiciárias e também possibilita prever, em alto grau, as consequências de mudanças ou transformações com o poder de afetar a realidade e a rotina de trabalho de um modo geral.
A ampliação dos mecanismos internos de democracia é essencial para o desempenho pleno, adequado e qualitativo da representatividade associativa. O exercício constante e progressivo de práticas democráticas internas, é tarefa que se impõe ao Judiciário como fator indispensável à preservação da sua imagem externa, mas, sobretudo, para a sua legitimação interna.
Outra medida de democracia interna são as consultas para os cargos diretivos nos Tribunais de segundo grau. Modelo pioneiro para introduzir o debate entre os Tribunais do Trabalho, foi adotado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4a Região (RS), desde 2013, referendado em decisão, por maioria, do Plenário do CNJ, em abril de 2022. A consulta prévia está prevista no Regimento Interno do Tribunal, é realizada entre juízes e desembargadores para apurar os possíveis candidatos aos cargos diretivos e o resultado não é vinculativo, já que a eleição é realizada pelos desembargadores. A consulta é feita para os cargos de Presidente, Vice-Presidente, Diretor e Vice-Diretor da Escola Judicial, entre os desembargadores que se candidatarem.
A iniciativa da consulta partiu da Associação dos Magistrados do Trabalho da 4a Região – Amatra IV, em um movimento inédito no país e posteriormente foi aprovada pelo Pleno do Tribunal, na gestão da hoje Ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ex-presidente da Anamatra, Maria Helena Mallmann, que desde o início apoiou a ideia, por entender que a consulta aproxima os dois graus de jurisdição e traz um aperfeiçoamento da administração como um todo.
O CNJ entendeu, a partir do voto divergente apresentado pelo então Conselheiro, Ministro do TST Luiz Phillippe Vieira de Mello Filho, que o sistema adotado pelo Tribunal está no âmbito da sua autonomia, “amplia os horizontes dos elegíveis e favorece o debate entre os candidatos, porquanto fornece uma visão geral da política administrativa idealizada por todos os magistrados, medida que contribui para a boa gestão dos futuros dirigentes, que serão escolhidos exclusivamente pelo colégio eleitoral formado por desembargadores”, como previsto na Constituição.
Segundo decisão do Supremo Tribunal Federal no Mandado de Segurança 32451 (DF), sob a relatoria do Ministro Edson Fachin, o texto constitucional prestigiou a autonomia dos Tribunais na escolha dos seus cargos diretivos e com a Emenda Constitucional (EC) 45/2004, a composição da direção passou a ser ditada não apenas pela antiguidade, mas pela eleição, inexistindo impedimento para que todos os membros concorram, o que torna ilegítimas disposições regimentais que limitam a elegibilidade de todos os seus integrantes.
A democratização do Judiciário, assim, depende da existência de mecanismos internos, para ampliar a participação do conjunto da Magistratura nas matérias de interesse não só da carreira, mas de todo o Poder Judiciário e como demonstrado, o papel das associações da Magistratura é fundamental nesse processo.
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