Combate ao assédio eleitoral no trabalho

4 de outubro de 2024

Luciana Paula Conforti Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra)

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As eleições de 2022 demonstraram a relevância das ações do Ministério Público do Trabalho e

o reconhecimento, por parte da Justiça do Trabalho, do assédio eleitoral, para garantir a democracia e o livre direito de escolha política de trabalhadoras e trabalhadores, sem qualquer interferência de contratantes e empregadores. Em que pese não ser fenômeno novo no país e em outras nações, houve o aumento exponencial das denúncias a partir do citado pleito eleitoral.

Segundo noticiado, os casos de assédio eleitoral “aumentaram quase sete vezes no Brasil, em relação ao pleito eleitoral presidencial de 2018”. O Ministério Público do Trabalho “recebeu 1.435 denúncias, até o dia 25 de outubro de 2022”, poucos dias antes do segundo turno das eleições. As “regiões Sul e Sudeste concentraram 69% dos casos”. Os estados que mais apresentaram denúncias “foram Minas Gerais (374), Paraná (158), Santa Catarina (139), São Paulo (130), Rio Grande do Sul (119)”. 

A Justiça do Trabalho foi acionada pelo Ministério Público do Trabalho em todo o país para a concessão de liminares impeditivas do assédio eleitoral, nas semanas que antecederam as eleições de 2022. As condutas constatadas foram as mais variadas.

No pleito de 2024, o histórico se repete. Até o mês de setembro, o Ministério Público do Trabalho já havia recebido mais de 300 denúncias de assédio eleitoral, número que é quatro vezes maior que os registros no mesmo período das eleições de 2022, sendo que o total de denúncias no pleito foi de 3.606. 

A noção de direitos fundamentais é inafastável dos ideais de Constituição e de Estado de Direito. A limitação jurídica do poder estatal, aliada ao princípio da separação de Poderes, tem a função de assegurar esses direitos. A Constituição, assim, assegura as liberdades fundamentais, incumbindo o Estado de garantir a efetividade de tais direitos, a fim de que não sejam meramente formais ou figurem apenas no campo das intenções.

O processo histórico de mobilização em torno da tarefa constituinte é emblemático para que sejam recolocados os conceitos de democracia, cidadania e valor do trabalho na problemática central, que envolve o ataque aos direitos fundamentais e a ineficiência das políticas públicas.

Essas violações passam pelo déficit de uma verdadeira consciência constitucional, fruto do particularismo, da aversão ao formalismo público, fazendo-se da atuação, que deveria ser republicana, muitas vezes, mera extensão da conduta privada.

O esclarecimento sobre direitos é essencial para o avanço social, sendo indispensável alertar sobre a existência de condutas criminosas, sujeitas a pena de reclusão e multa e que também configuram ilícitos trabalhistas, passíveis de indenizações.

Como se sabe, democracia requer educação e politização e não a alienação da sociedade, com redes de notícias falsas, que incitam o ódio, o desrespeito aos Poderes e instituições públicas, às autoridades e decisões judiciais.

O regime democrático instituído em 1988 objetivou encerrar, em definitivo, as práticas antidemocráticas e coronelistas que sempre estiveram presentes no país. 

A Constituição brasileira declara, entre outros direitos fundamentais, a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, assegura o livre exercício de cultos religiosos e suas liturgias, garante a proteção aos respectivos locais e proíbe a privação de direitos por motivo de crença religiosa ou convicção filosófica ou política (art. 5o). 

A Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) trata da vedação de discriminação em matéria de emprego e função, o que inclui qualquer ameaça de punição por convicção política. 

Importante citar, ainda, a Convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), aprovada em 2019, sobre as violências e assédios no mundo do trabalho. Referido instrumento protege todas as pessoas que trabalham contra as violências e assédios, independentemente do estatuto contratual a que estejam vinculadas e do local da prestação dos serviços.

No último mês de setembro, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) lançou cartilha sobre Assédio Eleitoral no Trabalho, em parceria com o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), que é uma rede formada por entidades da sociedade civil, movimentos, organizações sociais e religiosas, que tem como objetivo combater a corrupção eleitoral, bem como realizar trabalho educativo sobre a importância do voto visando sempre a busca por um cenário político e eleitoral mais justo e transparente.

A Anamatra tem entre suas missões estatutárias atuar na defesa dos interesses da sociedade, em especial da valorização do trabalho humano, do respeito à cidadania e da implementação da justiça social, pugnando pela preservação da moralidade pública, da dignidade da pessoa humana, da independência dos Poderes e dos princípios democráticos (art. 5o). 

O assédio eleitoral é crime, previsto no Código Eleitoral brasileiro (Lei 4.737/1965). O artigo 301 prevê que “é crime usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar ou não votar em determinado candidato ou partido, ainda que os fins visados não sejam conseguidos”.

O crime também é configurado quando envolve promessas de vantagens atuais ou futuras. Como dispõe o art. 299 do Código Eleitoral, é crime “[…] dar, oferecer, prometer, […] dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter […] voto e para conseguir […] abstenção, ainda que a oferta não seja aceita”. 

No caso de o empregador ou tomador de serviços ser o próprio candidato, há previsão de infração eleitoral por captação ilícita de votos, no art. 41-A da Lei 9.504/1997 (Lei das Eleições), com a redação da Lei 9.840/1999, pelo qual: 

“[…] constitui captação de sufrágio […] o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa […], e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar n° 64, de 18 de maio de 1990.”

Ainda, o §2o do art. 41-A da Lei das Eleições estabelece que as sanções previstas no caput aplicam-se a quem praticar atos de violência ou grave ameaça contra a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto.

O assédio eleitoral é qualquer tipo de constrangimento e humilhação que pode acontecer por meio de coação ou de intimidação (como dispensa do emprego, rebaixamento de função, supressão do pagamento de verbas) ou de promessas (como promoção, pagamento de prêmios e gratificações), associada à relação de trabalho, que tenha por intuito manipular ou dirigir a escolha de candidata(o) em pleito eleitoral.

A prática ocorre quando o empregador ou o contratante dos serviços exerce pressão sobre trabalhadoras e trabalhadores para que votem ou deixem de votar em determinado candidato ou candidata, afirmando a existência de risco ao emprego, se não votarem em parlamentar indicado ou se parlamentar contrário à pretensão vencer as eleições. Essa pressão ocorre com o temor da trabalhadora e do trabalhador de sofrer prejuízos ou com a promessa de recebimento de benefícios ou favorecimentos.

O assédio eleitoral ocorre, também, quando empregadores ou contratantes dos serviços impossibilitam ou dificultam a presença de trabalhadoras e trabalhadores, no dia das eleições, nas zonas eleitorais, para impedir que exerçam seus direitos ao voto livre e secreto.

O assédio eleitoral pode ocorrer fora do período das eleições, sendo todo e qualquer ato que esteja relacionado com o pleito eleitoral, como pressões e manipulações para transferência do domicílio eleitoral e atos relacionados à contestação do resultado das eleições, além de falsas notícias para afastar a credibilidade da votação eletrônica. É qualquer ato que atente contra a liberdade das trabalhadoras e dos trabalhadores de exercerem livremente o direito ao voto e de adotarem convicção político-partidária.

O voto é secreto e não é permitido exigir, da trabalhadora ou do trabalhador, a manifestação ou a divulgação de seu conteúdo.

Espera-se que o material possa contribuir com a normalidade dos pleitos eleitorais e com a garantia dos direitos fundamentais das trabalhadoras e trabalhadores e de todos os cidadãos brasileiros, previstos na Constituição, especialmente os da livre manifestação do pensamento e de convicção política.

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