Os Tribunais de Contas e a lei eleitoral

1 de agosto de 2013

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Jonas Lopes de Carvalho JuniorA nossa Constituição Federal construiu um sistema que reforçou o princípio democrático e o controle dos governantes pelos governados, o denominado controle social. Este sistema, baseado na separação, equilíbrio e controle entre os Poderes Políticos, originou um novo direito do cidadão, reconhecido como o direito fundamental à boa administração.

O conceito da boa governança foi sendo construído tendo como pilares, além da legalidade, legitimidade e eficiência no gerenciamento dos recursos públicos, os princípios da relação ética, conformidade, transparência, e responsabilidade de prestar contas dos atos de gestão.

Nos termos dos artigos 70 e 71 da Carta Magna, a fiscalização da administração pública é exercida pelo Poder Legislativo, mediante controle externo, com o auxílio dos Tribunais de Contas. Qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos tem o dever de prestar contas aos Tribunais de Contas.

Para manter o equilíbrio entre os poderes, a Constituição prevê dois regimes jurídicos de contas públicas: contas de governo, exclusivo para a gestão política do presidente, governador e prefeito, nas quais o Tribunal de Contas emite um Parecer Prévio, favorável ou contrário à aprovação das contas, que constitui uma análise técnica da avaliação do desempenho do Chefe do Executivo no resultado da gestão orçamentária, financeira e patrimonial, e o julgamento político levado a efeito pelo Legislativo, que poderá aprovar ou não as contas; e as contas dos administradores de recursos públicos, prestadas ou tomadas, que sofrem um julgamento técnico realizado em caráter definitivo pela Corte de Contas, pela regularidade ou não, podendo imputar débito (reparação de dano patrimonial) ou aplicar multa (punição), nos caso de irregularidade.

Atualmente, muito se fala sobre as consequências da irregularidade das contas, principalmente no tocante à possível inelegibilidade do responsável por contas irregulares. A competência para decidir se determinado agente público pode se candidatar ou não, isto é, se o mesmo será declarado inelegível é da Justiça Eleitoral.

A lei eleitoral, a Lei Complementar no 64/90 com as alterações promovidas pela recente Lei Complementar no 135/10, popularmente conhecida como Lei da Ficha Limpa, dispõe que são inelegíveis os que tiverem suas contas relativas a cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável, nos termos do inciso II do art. 71 da Constituição Federal, se referindo, portanto, ao julgamento efetuado pelo Tribunal de Contas sobre as contas dos administradores públicos.

A Lei da Ficha Limpa acresceu que aplica-se a inelegibilidade “a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição”. Assim, a legislação submete os chefes do Poder Executivo, especialmente os prefeitos, nos casos em que além das funções de governo exercem as de ordenador de despesas, a julgamento de suas contas, com caráter de exclusividade, pelos Tribunais de Contas, nos termos do inciso II do art. 71 da CF.

Ora, a prestação de contas ao TCE é um dever constitucional. Quando o Tribunal de Contas julga as contas de um administrador, cumpre um mandamento constitucional e propicia o controle social dos governantes pelos governados. Esse é o valor jurídico do julgamento das contas pelo Tribunal e ele é definitivo porque assim dispõe nossa Carta Magna.

Quando o TCE emite um Parecer Prévio nas contas de governo, ele é uma peça técnica, que também vai propiciar a transparência e o controle social. Mas a Constituição prevê que o julgamento final quanto à aprovação das contas de governo é o julgamento político pelo Legislativo, obedecendo ao equilíbrio entre os poderes.

Os Tribunais de Contas não impedem a candidatura de ninguém, apenas cumprem o dever constitucional de julgar contas de administradores de recursos públicos. A lei eleitoral e o julgamento da Justiça Eleitoral definem quem é inelegível por ter contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas por irregularidades insanáveis.

Porém, negar o valor jurídico do julgamento das contas do ordenador de despesas e do Parecer Prévio das contas de governo emanados dos Tribunais de Contas é negar o valor expresso em nossa Constituição. E mais do que isso, é negar os princípios basilares do nosso regime democrático, do equilíbrio entre os poderes e da transparência e controle social.

O exercício da cidadania pressupõe o direito e o dever de participação na gestão pública. A Constituição Federal e a legislação garantem diversos instrumentos para o exercício do controle social na atividade do Estado, inclusive instituiu deveres de transparência e responsabilidade fiscal.

Infelizmente, quando falam em retirar poder dos Tribunais de Contas, pretendem retirar os critérios técnicos de avaliação da gestão pública, esvaziar a transparência, impedir o controle social e, portanto, ofender a democracia participativa.