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O uso indevido dos meios de comunicação social e o abuso do poder econômico

5 de outubro de 2003

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A Justiça Eleitoral sempre se ocupou, empenhando-se cada vez mais, em combater e punir práticas que possam indevidamente influenciar os eleitores e o resultado do pleito, como o abuso do poder econômico, o abuso do poder político e o uso indevido dos meios de comunicação social. Muito já se falou sobre todos os tipos de abuso, sendo copiosas a doutrina e a jurisprudência sobre o assunto.

O Tribunal Superior Eleitoral tem enfrentado muitos casos de uso indevido dos meios de comunicação social, proferindo decisões interessantes e marcantes, que merecem comentários. Esse é um tema muito rico e merece atenção de todos os envolvidos na eleição, candidatos, partidos políticos e eleitorado, posto que essa forma de abuso é muito eficaz no que se refere a influenciar as eleições. Muitas vezes, o uso indevido dos meios de comunicação social passa despercebido, uma vez que a caracterização desta prática não é simples e nem evidente. Isso porque a atividade inerente aos meios de comunicação é informar a população de todos os assuntos que a ela interessem, incluindo, por óbvio, assuntos políticos e eleitorais.

É bom esclarecer que as emissoras de rádio e de televisão têm tratamento diferente do dado pelo legislador à imprensa escrita. As regras para rádio e televisão são muito rígidas, havendo uma série de vedações que devem ser observadas a partir de 1º de julho do ano eleitoral, as quais decorrem do grande alcance e influência que exercem sobre a população e, principalmente, do fato de as emissoras dependerem de autorização do governo para funcionar.

Por isso, quando se tratar de matéria divulgada por rádio ou por televisão, faz-se necessário rígido controle e absoluta vedação de favorecimento a um ou a outro candidato, a uma ou a outra facção política, pois, como disse, são atividades exercidas sob o controle do Poder Executivo e, portanto, há de se ter o maior cuidado para que não sejam utilizadas no interesse de autoridades.

Quando se tratar de publicação em veículo impresso de comunicação, usando a terminologia adotada pelo constituinte, de propriedade de empresa privada, o tratamento será diferente, na medida em que a legislação eleitoral não impede que um jornal defenda uma ou outra linha doutrinária.

Em decorrência disso, os veículos impressos de comunicação podem assumir posição em relação aos pleitos eleitorais e a seus participantes, sem que tal, por si só, caracterize propaganda irregular ou uso indevido dos meios de comunicação social. As matérias que visam noticiar e informar fatos de interesse da coletividade se inserem entre aquelas que são atividades inerentes aos jornais e demais veículos impressos de comunicação.

Assim, notícias, entrevistas e outras matérias que versem sobre atividades da Administração Pública e de seus gestores são comuns, bem como sobre parlamentares e demais homens públicos. Na verdade, os políticos, pela atividade que desempenham, são sempre notados e noticiados. É difícil separar a mera exposição do homem público – que é normal, posto que este, de um modo ou de outro, representa o povo e a ele deve satisfações – da propaganda eleitoral antecipada ou do abuso do poder econômico ou, ainda, do uso indevido dos meios de comunicação social com fins eleitorais.

Os parlamentares têm suas bases eleitorais em municípios ou regiões cujos interesses procuram defender, especialmente buscando obter verbas para obras ou programas. É, portanto, natural que eles procurem informar a população da sua atuação. Essa prestação de contas tem também o intuito de se manter em evidência, com claro fim eleitoral, sem que isso possa ser considerado ilegal, já que aquele que faz carreira pública, em virtude de ser o mandato cumprido por tempo limitado, está sempre pensando na próxima eleição.

Essa prestação de contas pode ser feita de diversas formas, pela imprensa escrita, pelas emissoras de rádio ou de televisão ou mesmo por meio de publicações remetidas à população.

Entretanto, se houver, em programas regulares da emissora ou na imprensa escrita, um grande destaque do nome do candidato, mesmo que não relacionado diretamente à eleição – sem referência ao cargo almejado ou a pedido de votos, como, por exemplo em matérias sobre o dia das mães ou a administração local -, pode ficar configurado uso indevido dos meios de comunicação social.

Em tese, é possível a caracterização de abuso do poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação se o candidato aparecer sistematicamente em matérias, sempre de forma elogiosa, sendo enaltecida sua atuação, ou ao contrário, se determinado candidato é sempre apresentado de forma depreciativa. Em suma, o uso indevido configura-se pela utilização dos meios de comunicação social, aí incluídas as emissoras de rádio, televisão e a imprensa escrita, de modo relevante, com objetivo de beneficiar ou de prejudicar determinada candidatura. Como em toda forma de abuso, há que ficar claro ter havido excesso na utilização do meio de comunicação. Esse excesso ou desvirtuamento é difícil de se verificar. Depende de uma série de fatores, entre os quais pode-se citar o destaque dado à matéria, à duração ou ao tamanho da notícia, ao prestígio e à popularidade da emissora ou do jornal e o alcance, ou seja, à parcela da população atingida. O que se dá numa situação como essa, é a utilização de um meio de comunicação social, não para fins de informar e de proporcionar o debate de temas de interesse comunitário, mas para por em evidência um determinado candidato com fins eleitorais, ou seja, o desvirtuamento do uso do veículo de comunicação. Essa conduta poderia desequilibrar o pleito devido à influência que o eleitorado sofreria em relação a esse candidato, em detrimento dos demais concorrentes que não tiveram o mesmo acesso à programação da emissora ou às matérias da imprensa escrita.

Não se presta para tanto um fato único e isolado, que não teria repercussão suficiente para influir no equilíbrio da disputa eleitoral, mesmo sendo ilícito, como é o caso de emissora, de rádio ou de televisão, que divulgue propaganda eleitoral irregular. O art. 45 da Lei nº 9.504/97 expressamente estabelece em seu § 2º sanção pecuniária a ser aplicada à emissora que, entre outras condutas, der tratamento privilegiado a candidato ou que veicular propaganda política ou difundir opinião favorável a candidato.

Não seria impedimento para a demonstração do abuso o fato de que a maior parte dos programas tenha ocorrido antes do período eleitoral, porque o que importa aqui, mais que a data em ocorridos os fatos, é a intenção de obter proveito eleitoral.

Por fim, resta salientar que o uso indevido dos meios de comunicação social constitui, também, interferência do poder econômico, porque quem detém o controle sobre a empresa de comunicação está utilizando seu poder econômico em prol ou em detrimento de determinado candidato, o que fica evidente sempre que a emissora ou jornal pertence à família do candidato, ou a alguém a ele ligado ou que tenha interesse direto na sua eleição.

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