O impacto de “Ainda estou aqui” na pauta do STF

10 de abril de 2025

Da Redação

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Presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, durante encontro com atriz Fernanda Torres, indicada ao Oscar e protagonista de “Ainda estou aqui”, em Roma

Após ganhar Oscar de Melhor Filme Internacional, longa joga luz sobre tema que está pendente de julgamento na Suprema Corte brasileira

Quinze anos após se posicionar contra a revisão da Lei da Anistia, o STF pode ter novo encontro com a norma que foi considerada vital para a abertura política do país depois da ditadura militar. Dessa vez, a Corte vai analisar os efeitos da lei para casos de crimes com graves violações de direitos humanos, como sequestro e cárcere privado, além dos chamados crimes permanentes, aqueles sem solução, como os de ocultação de cadáver e desaparecimento forçado. 

A decisão foi tomada por unanimidade – apenas o ministro André Mendonça não votou – e a partir da provocação do Ministério Público Federal. Por sugestão do ministro Flávio Dino, os ministros reconheceram a repercussão geral dos casos, ou seja, a tese fixada terá de ser aplicada por todas as instâncias da Justiça.

A disposição da Corte foi impulsionada por uma série de fatores: o Ministério Público Federal aponta que Cortes Internacionais já definiram que a legislação brasileira de anistia não pode ser aplicada em casos de graves violações de direitos humanos. A chamada Justiça de Transição, que busca garantir punição aos responsáveis por crimes cometidos durante a ditadura militar, apresentou, desde 1999, mais de 40 denúncias criminais contra agentes da repressão; a discussão no Congresso para anistiar condenados pelo atos golpistas do dia 8 de janeiro; e a projeção do filme “Ainda estou aqui”, ganhador do Oscar de Melhor Filme Internacional e que conta o desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva e o impacto para sua família. 

Ministros do STF, no entanto, apontam que não se trata de revisar o entendimento do Supremo de 2010. “A aplicação da Lei de Anistia extingue a punibilidade de todos os atos praticados até a sua entrada em vigor. Ocorre que, como a ação se prolonga no tempo, existem atos posteriores à Lei da Anistia”, afirmou o ministro Flávio Dino. 

Segundo dados da Comissão Nacional da Verdade, o golpe militar deixou ao menos 434 mortos e desaparecidos, além de 20 mil torturados. A lei resultou na anistia de todos aqueles que cometeram crimes políticos e conexos a eles no Brasil entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979.

Foram beneficiados quem cometeu “crime político ou conexo”, quem cometeu crime eleitoral, pessoas que tiveram direitos políticos suspensos, servidores públicos, militares e sindicalistas punidos por atos institucionais da ditadura. 

Na prática, a lei acabou impedindo que militares fossem julgados pelas violações e mortes, assim como também atingiu opositores ao regime que integraram ações armadas e cerca de 7 mil exilados, que puderam voltar ao país. 

Em 2010, por 7 votos a 2, o STF rejeitou uma ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que pedia que fosse anulado o perdão dado aos agentes do Estado (policiais e militares) acusados de praticar atos de tortura durante o regime militar. 

A maioria da Corte, naquela época, entendeu que a lei da anistia representou acordo político e que não cabia ao Judiciário rever esse acerto que, na transição do regime militar para a democracia, resultou na anistia de todos que cometeram crimes políticos e conexos. 

“Só o homem perdoa, só uma sociedade superior qualificada pela consciência dos mais elevados sentimentos de humanidade é capaz de perdoar. Porque só uma sociedade que, por ter grandeza, é maior do que os seus inimigos é capaz de sobreviver”, afirmou o ministro aposentado Cezar Peluso, que presidiu o julgamento na época. 

Da atual composição do STF, só participaram daquele julgamento os ministros Gilmar Mendes e Cármen Lúcia, que votaram pela rejeição da ação da OAB. O ministro Dias Toffoli não participou porque comandava a Advocacia-Geral da União quando a ação foi ajuizada e apresentou informações no processo.

Ministros do Supremo avaliam que a nova discussão sobre o alcance da lei da anistia deve encontrar um tribunal dividido e ter um placar apertado, seja para qual lado a Corte se inclinar. O tema ainda é considerado sensível.

O debate sobre a lei da anistia e os crimes permanentes na ditadura, como ocultação de cadáver, vai tratar da morte do ex-deputado federal Rubens Paiva, do jornalista Mário Alves e do militante Helber Goulart. No caso de Paiva e Andrade, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Tribunal Regional Federal da 2a Região (TRF-2) encerraram as ações penais contra os acusados sob argumento de que os crimes foram abarcados pela anistia. O Ministério Público aponta que eles foram sequestrados e, apesar das mortes terem sido confirmadas décadas depois, os corpos dos dois jamais foram encontrados. Já o corpo de Goulart foi encontrado em um cemitério de São Paulo. 

O Ministério Público quer a condenação do médico legista Harry Shibata, ex-diretor do IML de São Paulo, acusado de falsidade ideológica. Ele teria omitido, em 1973, sinais de tortura no laudo sobre a morte de Goulart. 

Na nova discussão sobre os efeitos da lei da anistia, o STF também terá de responder se a norma é compatível com a Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos, que é conhecida como Pacto de San José da Costa Rica.

O Brasil já foi condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos em casos sobre a ditadura como guerrilha do Araguaia nos anos 1970 e pela falta de investigação, de julgamento e de punição dos responsáveis pela morte do jornalista Vladimir Herzog, em 1975. Um passado que ainda espera por respostas na Justiça.

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