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Morosidade X Avanços

5 de janeiro de 2003

Arnaldo Esteves Lima Vice-presidente do TRF-2ª Região

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Constantemente fala-se na demora do Judiciário em solucionar, definitivamente, as inúmeras questões que lhe são submetidas pelas partes. Tal, em regra, é verdade. Aquelas pessoas mais diretamente afeitas à referida atividade estatal conhecem bem as razões subjacentes, destacando-se, dentre outras, o excessivo número de processos, a insuficiência de magistrados, serventuários, condições materiais etc., bem como o excesso de formalismo da legislação processual, a previsão de vários recursos a instâncias de julgamentos diversas, além de determinar a submissão ao segundo grau (Tribunais) de determinadas sentenças que definem o mérito (e são muitas), como condição de sua eficácia. É o que consta do CPC, art. 475, I, II e III, além de normas esparsas – v.g. Leis 1.533/51, art. 12, Parágrafo único; 4.717/65, art. 19 etc. etc. -. No tocante ao volume, o mais relevante é a norma do art. 475/ II, mormente no âmbito da Justiça Federal e, nos Estados, as causas que tramitam pelas varas de Fazenda Pública.

É natural que, diante do contexto, além das medidas que o próprio Judiciário adota, constantemente, buscando aperfeiçoar-se, várias outras deveriam, como devem, ser implementadas visando à reversão de tão angustiante problema. É certo que inúmeras alterações legislativas já ocorreram, também, sempre com o mesmo objetivo (v.g. as Leis 8.950, 8.951, 8.952, 8.953, todas de 1994; 9.245, 9.139/95, 10.444/2002, dentre outras). É necessário que sobrevenham outras mais, inclusive alterações Constitucionais.

Superada a chamada fase de conhecimento de um processo, que é aquela em que o Magistrado reconhece e define sobre a existência ou não do direito que a parte reivindica, em caso positivo, sobrevém o momento de executar a decisão, ou seja, de realizar concretamente, no comum  dos casos, o direito material já reconhecido. Esta etapa é crucial para a parte e tal ocorre no denominado processo de execução, o qual consiste, afinal, na realização (pagamento) do crédito correspondente, ao credor, nas obrigações pecuniárias, que são as mais comuns.

O sistema para a satisfação de tais créditos, quando devedora a Fazenda Pública, é feito, em regra, pelo procedimento chamado precatório, disciplinado no artigo 100, da CF, figura que, diga-se de passagem, tem gerado inúmeros dissabores em nossa história recente, com notórios desgastes institucionais.

Na disciplina atual, os precatórios têm que ser apresentados ao tribunal competente até 1º de julho, data em que terão atualizados seus valores, fazendo-se o pagamento até o final do exercício ou ano seguinte, corrigidos até a data do pagamento, observada a ordem cronológica de sua protocolização, nos termos do § 3º, do artigo 100, da Constituição Federal.

Como se verifica, pode-se levar até dezoito meses para o pagamento de dívida oriunda de decisão judicial que já transitou em julgado, pois este é um dos requisitos para a sua expedição, havendo, nesse período, apenas correção do valor, mas não aplicação de juros moratórios, conforme recente decisão do eg. STF, no RE nº 305186-SP, divulgada no Informativo nº 282.

Várias críticas lhe são feitas, em geral procedentes, mas, até o momento, o Estado brasileiro não encontrou fórmula diversa para a finalidade, pois, efetivamente, não é fácil conciliar tal meio de cumprimento obrigacional pelos entes estatais com o princípio orçamentário de matriz também constitucional (CF, 165 e segs.), cuja observância por tais entes é imperativa, cogente, sendo, inclusive, necessária a realização de receita pública para se efetuar as despesas, o que dificulta a conciliação da matéria, não obstante as notórias inconveniências, e injustiças mesmo, de tal forma de cumprimento obrigacional.

Progressos, todavia, no ponto, vêm ocorrendo, e de cunho social altamente expressivo.

Com efeito, a EC nº 20/98 acrescentou ao artigo 100 o § 3º, que diz: “O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual e Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado”.

Abriu-se aí a perspectiva da dispensa de precatórios para o pagamento de valores pequenos, como tais definidos em lei.

Sobreveio a Lei nº 10.099, de 19 de dezembro de 2000, cujo artigo 1º, ao modificar a redação do artigo 128, da Lei nº 8.213/91, que anteriormente havia sido alterado pela Lei nº 9.032/95, dispôs que o referido preceito passaria a vigorar com a seguinte redação: “As demandas judiciais que tiverem por objeto o reajuste ou a concessão de benefícios regulados nesta Lei cujos valores de execução não superiores a R$ 5.180,25 (…) por autor poderão, por opção de cada um dos exeqüentes, ser quitadas no prazo de até sessenta dias após a intimação do trânsito em julgado da decisão, sem necessidade da expedição de precatório”.

Posteriormente, a Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001, ao instituir os Juizados Especiais Federal, fixou  – artigo 3º e 17, § 1º, combinados -, novo parâmetro, a fim de estabelecer um limite para as obrigações definidas como de pequeno valor – CF, art. 100, § 3º.

Tal limite passou a corresponder a sessenta salários mínimos (doze mil reais).

Foi um avanço significativo, pois os respectivos credores, normalmente segurados do INSS e grande parcela de servidores públicos – justamente aqueles que percebem menor remuneração – não mais se sujeitam, quando a obrigação se situa em tal limite, à penosa via do precatório para receber os créditos resultantes de decisões judiciais.

A aparente singeleza da matéria oculta o seu expressivo significado social, dado o elevado número de beneficiários, exatamente aqueles, em regra, materialmente mais necessitados.

A EC nº 30/2000 introduziu novas alterações e acréscimos ao referido artigo 100, e, ainda, ao artigo 78, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, sendo oportuno registrar que, desta feita, pelo menos dois benefícios trouxe, quais sejam, a definição de débitos de natureza alimentícia e a determinação para se atualizar o valor requisitado na data do pagamento.

Por outro lado, introduziu desvantagens, sobressaindo-se o parcelamento de determinadas obrigações em até  dez anos, matéria, no entanto, sub judice perante o eg. STF (ADIns nº 2356-0 e 2362-4, ambas da relatoria do Em. Ministro NÉRI DA SILVEIRA, recentemente aposentado).

Não fossem as alterações apontadas, todas as dívidas, independentemente de seus valores, se submeteriam a tal regra, o que, aliás, ocorria antes da edição da Lei nº 10.099/2000, quando irrisórios valores eram requisitados aos órgãos devedores através de tal procedimento, registrando-se que, em casos não raros, os papéis utilizados para formar o precatório ficavam mais caros que o próprio crédito! Verdadeira irracionalidade.

É oportuno registrar que o Conselho da Justiça Federal, órgão de supervisão administrativa e financeira (CF, 105, Parágrafo único), que presta, discretamente, diga-se de passagem, inestimáveis serviços ao Judiciário, particularmente à Justiça Federal, aprovou a Resolução nº 258, de 21/03/02, alterada pela de nº 270, de 08/08/02, regulamentando os procedimentos referentes às requisições de pagamento de somas a que a Fazenda Pública for condenada, especialmente, as chamadas Requisições de Pequeno Valor – RPV -, cujo montante atualizado não seja superior ao limite de 60 salários mínimos, facultando-se, inclusive, a utilização de meio eletrônico na sua requisição, o que está prestes a ser adotado pelo TRF da 2ª Região.

Destarte, a dívida de valor igual ou inferior a doze mil reais, decorra a condenação de julgamento de Juizado Especial Federal ou de Juízos outros, uma vez transitada em julgado a decisão, terá o seu pagamento efetuado, no máximo, em sessenta dias, adotando-se, para obtê-lo, procedimento seguro, porém, simplificado, buscando a máxima eficiência na sua realização.

Com certeza, no âmbito da Justiça Federal, mais de 80% das dívidas pecuniárias resultantes de condenações impostas à UF, suas autarquias e fundações públicas – incluindo-se a ECT que, embora sendo empresa pública, por peculiaridades especificas, beneficia-se, também, do precatório, conforme jurisprudência do eg. STF (cf. RE 229444, Rel. Ministro CARLOS VELLOSO, julg. em 19/06/2001, 2ª T. v.u. pub.in DJ de 31.08.2001) -, situam-se, per capita, em patamar inferior ao limite de 60 s.m., tal significando que seu pagamento subordina-se a este novo, justo e avançado modelo, ora enfocado, e assim o qualifico, ao compará-lo com o injusto e anacrônico precatório tradicional.

É importante assegurar tal conquista – altamente expressiva – dos cidadãos, exatamente aqueles mais carentes, que vêm a juízo – acrescida dos inovadores Juizados Especiais -, devendo a comunidade, expecialmente a jurídica, envidar esforços para o seu constante aprimoramento, rechaçando-se, por óbvias razões, quaisquer tentativas de retrocesso, pois a novidade vem produzindo, no seu limiar, especialmente na esfera federal, ótimos resultados, registrando-se que os pagamentos, no TRF-2, exemplificativamente, em tais hipóteses, têm sido feitos no prazo médio de 50 dias após a entrada da RPV no Tribunal, quando a lei o estabelece em até 60 dias, após o trânsito em julgado da respectiva decisão.

Há, como se vê, avanços evidentes, embora muito e muito esteja por fazer. Para quem convive de perto com os pagamentos via precatórios, não será demais acentuar que o salto, no pertinente, foi quilométrico e de cunho social altamente expressivo. Há razões para otimismo. Com certeza, o Judiciário Nacional não está tão longe de prestar jurisdição, seu dever precípuo, em tempo razoável, vindo de encontro, assim, ao justo direito e anseio da sociedade brasileira, sem se esquecer do empenho diuturno da Magistratura, do Ministério Público e da nobre classe dos Advogados, bem como dos servidores, todos engajados e sequiosos pela consecução de tão acalentado objetivo.

Vamos em frente! O Brasil merece !!!