Jurisdição em Fronteiras

1 de março de 2025

Leonardo Peter Secretário-Executivo da Enfam

Luiza Vieira Sá de Figueiredo Juíza de Direito no Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul / Professora do Mestrado da Enfam

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“Somente com juízes bem recrutados, vocacionados e altamente qualificados e preparados, poderemos contar com o Judiciário com o qual todos nós sonhamos: hábil para responder aos reclamos do mundo em que vivemos e para viabilizar as expectativas do amanhã” (ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira).

A formação de quadros funcionais para melhor desempenho dos objetivos organizacionais é uma questão que preocupa as instituições. Como selecionar, desenvolver e reter talentos? Nas organizações públicas, essa questão ganha maior relevo em razão do próprio regime jurídico constitucional ao qual se submete, orientado pelos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência.

No Poder Judiciário, a seleção de magistrados para o ingresso na carreira em primeira instância é feita por concurso público de provas e títulos. Todavia, “é preciso ter em mente que o Judiciário imparcial e independente só existe quando se tem profissionais devidamente qualificados, o que certamente demanda uma boa formação da magistratura”.

E essa formação dos juízes fica a cargo das escolas judiciais, ocorrendo em duas grandes modalidades: de forma obrigatória no início da carreira (formação inicial) e de forma voluntária ao longo dela (formação continuada). 

A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) é o órgão oficial de formação de magistrados brasileiros, competindo-lhe regulamentar, autorizar e fiscalizar os cursos para ingresso, vitaliciamento e promoção na carreira que são oferecidos pelas escolas judiciais, sem prejuízo da produção de próprias ações de formação. 

A partir da necessidade de atuação profissional identificada por juízes que trabalham em região de fronteira, a Enfam tem desenvolvido ações de formação específica para o exercício da jurisdição nessas regiões, consolidando conhecimentos normativos, perquirindo saberes interdisciplinares, buscando a integração do Poder Judiciário com a realidade local e regional, bem como com outros órgãos e países.

A fronteira terrestre brasileira representa extensão territorial de aproximadamente 15.720 quilômetros, comunicando-se com dez países da América do Sul, englobando 11 dos 26 estados da Federação. A faixa de fronteira (faixa territorial de 150km de território adentro, a partir da linha internacional) corresponde a aproximadamente 27% do território nacional e reúne 588 municípios.

A circulação de pessoas, bens e serviços na faixa de fronteira (faixa territorial de 150km de território adentro, a partir da linha internacional) enseja particularidades, especialmente nas cidades gêmeas, onde relações econômicas e sociais se formam mais intensamente pela facilidade de transposição do limite internacional em razão de áreas urbanas próximas ou mesmo conurbadas com os países vizinhos.

Essa mobilidade enseja, outrossim, problemas peculiares às regiões fronteiriças que deságuam em ações judiciais. A partir da necessidade de atuação profissional identificada por juízes que trabalham em região de fronteira, no âmbito da formação continuada, em 2021, a Enfam realizou oficinas on-line preparatórias para o I Congresso Internacional Jurisdição em Fronteiras. 

Atendendo às diretrizes pedagógicas da Escola, as oficinas reuniram magistrados brasileiros e estrangeiros com o objetivo de identificarem as principais dificuldades de juízes e juízas no exercício da jurisdição em região fronteiriça. 

Os problemas nelas mapeados subsidiaram a programação do referido congresso, realizado em 2022, no município de Corumbá, “cidade gêmea” localizada na linha internacional na fronteira com Bolívia e Paraguai. O congresso foi idealizado como um espaço que pudesse reunir magistrados, agentes públicos que atuam na fronteira e comunidade acadêmica em torno dos principais problemas que impactam a jurisdição na região fronteiriça. 

Em 2023, o tema foi incluído no módulo nacional da formação inicial da Enfam, inserido na programação dos tribunais que têm municípios na faixa de fronteira. Igualmente em 2023, como fruto das discussões acadêmicas iniciadas no I Congresso Internacional Jurisdição em Fronteiras, formalizou-se um projeto de pesquisa com o mesmo nome no âmbito do mestrado profissional em direito e Poder Judiciário da Enfam.

Em 2024, professores do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) da Enfam apresentaram as pesquisas que vêm desenvolvendo sobre a temática no II Congresso Internacional Jurisdição em Fronteiras, com alguns avanços nas questões identificadas e problematizadas nas oficinas realizadas em 2021 e apresentadas no I Congresso.

Sediado na cidade do Rio de Janeiro em alusão à fronteira marítima, o II Congresso deu destaque para pesquisas inéditas que foram apresentadas sobre: a presença do Poder Judiciário na faixa de fronteira, em contribuição à efetivação da política judiciária de priorização do primeiro grau de jurisdição promovida pela Resolução no 557/2024 do CNJ; fronteiras como espaços transjurisnacionais e cooperação jurídica internacional; integração e governança na Faixa de Fronteira sob o prisma dos Gabinetes de Gestão Integrada de Fronteiras (GGIF); as Convenções da Conferência da Haia e a cooperação judicial internacional; e casuísticas de trabalho escravo e tráfico de pessoas na fronteira.

Para além dos eventos já realizados, a atuação da magistratura em área de fronteira também foi objeto de um curso na modalidade à distância ofertado pela Enfam, com destaque, entre outros, para temas relacionados à legislação nacional e internacional sobre questões fronteiriças, acesso a direitos sociais pela população migrante, caracterização e diferenciação das fronteiras portuárias, aeroportuárias e sociais.

Em 2025, dada a importância da temática, a Enfam está lançando a pós-graduação lato sensu Jurisdição em Fronteiras, tendo como objetivo capacitar e fomentar pesquisas relacionadas aos direitos fundamentais e a efetividade como mecanismo de realização de justiça social, tanto na ordem constitucional brasileira quanto no âmbito internacional, nas regiões de fronteiras e os impactos na integração da jurisdição nacional e no desenvolvimento regional econômico, político, social.

Com efeito, os estudos de fronteira vêm-se consolidando ao longo dos últimos 20 anos em universidades públicas, em especial naquelas com sede em municípios da faixa de fronteira. Entretanto, a temática é nova sob o enfoque da Academia Judicial, que tem avançado na produção de conhecimento com um olhar voltado para atuação profissional e foco no impacto das ações de formação no exercício da jurisdição.

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