Inteligência artificial e a promoção do trabalho decente

10 de abril de 2025

Guilherme Guimarães Ludwig Juiz do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região /Diretor de Comunicação Social da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho

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A Inteligência Artificial (IA) tem-se consolidado de maneira crescente em diversos domínios, ampliando a influência e redefinindo paradigmas em múltiplos setores, incluindo o Poder Judiciário e as relações de trabalho. Contudo, será que essa inovação tecnológica, frequentemente associada à extinção de postos de trabalho, pode, de fato, se tornar uma aliada na garantia do trabalho decente, contribuindo para o fortalecimento dos direitos trabalhistas e promovendo condições laborais mais justas? É o tema sobre o qual se busca refletir neste breve texto.

A Revolução Digital tem-se manifestado por meio de avanços tecnológicos em uma escala e velocidade sem precedentes, provocando transformações profundas na sociedade contemporânea. Os impactos se estendem a diversos setores, como o jurídico, o econômico, o político, o cultural e o das relações interpessoais. Mais do que nunca, “nada será como antes”, na expressão dos poetas mineiros Beto Guedes e Milton Nascimento. Entre as inovações de destaque, sobressai o crescimento da IA, que se traduz, em essência, em sistemas informatizados capazes de reproduzir habilidades outrora exclusivas dos seres humanos, como aprendizado, raciocínio e reconhecimento de padrões.

Naturalmente, o Poder Judiciário não permaneceu alheio a esse processo. A implementação da IA pode gerar ganhos expressivos em eficiência e produtividade, permitindo a automatização de tarefas repetitivas e a otimização da análise processual. No entanto, apesar dos benefícios proporcionados pela IA no Judiciário, surgem preocupações quanto à falta de transparência dos algoritmos, o que pode resultar em decisões social, moral ou eticamente enviesadas, além do risco de vazamento de dados sensíveis. Discute-se também, sob uma perspectiva futura, as limitações da tecnologia no que se refere à interpretação de aspectos subjetivos e emocionais, essenciais para a tomada de decisões, mas que não podem ser reproduzidos por sistemas automatizados. Esse cenário pode comprometer a aplicação de critérios de equidade e justiça.

Diante desses desafios, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, em fevereiro de 2025, nova regulamentação que atualiza a Resolução no 332/2020, norma disciplinadora da produção e do uso da IA no âmbito do Poder Judiciário brasileiro. A atualização estabelece garantias relacionadas à segurança da informação, à privacidade e à proteção de dados pessoais. Além disso, regula a utilização da IA generativa, assegurando que o uso ocorra sob supervisão humana e em conformidade com princípios éticos fundamentais, como dignidade humana, não discriminação, transparência e responsabilização.

No contexto da Justiça do Trabalho, um exemplo positivo da aplicação da IA é o Monitor do Trabalho Decente, ferramenta desenvolvida pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). Esse sistema utiliza IA para analisar grandes volumes de dados e mapear indicadores sobre as condições laborais no Brasil, permitindo o acompanhamento mais preciso de práticas relacionadas a temas sensíveis no universo laboral.

O conceito de Trabalho Decente abarca a construção de um modelo econômico sustentável, que fomente a criação de postos de trabalho formalizados, promova a dignidade nas relações laborais, assegure a equidade por meio da eliminação das discriminações e preserve a liberdade, com ênfase no enfrentamento do trabalho escravo, forçado e infantil. Trata-se, pois, de um pilar essencial para a edificação da justiça social, da cidadania plena e de uma democracia substancial.

A realização concreta do Trabalho Decente se configura, assim, como um desafio contínuo, especialmente diante das transformações econômicas e sociais, exigindo a implementação de mecanismos de monitoramento e fiscalização que não sejam apenas eficazes, mas que também se mostrem atentos às dinâmicas contemporâneas. Nesse contexto, foi lançado, em abril de 2022, o Monitor do Trabalho Decente, como uma ferramenta de IA concebida com a finalidade precípua de sistematizar e disponibilizar informações sobre processos que versam sobre trabalho infantil, assédio sexual, contratos de aprendizagem e trabalho análogo à escravidão. Para tanto, são empregados métodos de análise de dados, estruturadas em painéis de Business Intelligence, que sintetizam informações inicialmente oriundas de sentenças, decisões e acórdãos exarados por magistradas e magistrados da Justiça do Trabalho a partir de 1o de junho de 2020, permitindo consultas interativas e segmentadas por diferentes recortes.

A mais recente versão do Monitor, lançada em janeiro de 2025, trouxe avanços substanciais nas funcionalidades. Diferentemente da concepção original, que se restringia à análise de processos já julgados, a nova versão ampliou o escopo para abranger petições iniciais e recursos ordinários protocolizados nas Varas e Tribunais Regionais do Trabalho. Além disso, foi introduzida a rotina de envio de alerta para as unidades judiciais sobre processos protocolizados envolvendo os temas constantes do Monitor. Essa evolução proporciona visão mais abrangente e atualizada do panorama das relações laborais, permitindo monitoramento mais eficaz e contemporâneo das demandas, antes mesmo das decisões judiciais.

A ideia é que, em breve, o Monitor passe por nova atualização, na qual serão incorporados dois outros eixos temáticos fundamentais para a promoção do trabalho decente: acidente de trabalho e doença ocupacional. A ampliação almeja reforçar o compromisso da Justiça do Trabalho com a tutela da saúde e com a segurança dos trabalhadores, consolidando a ferramenta como instrumento imprescindível para a formulação de políticas públicas mais eficazes e alinhadas aos preceitos da Agenda 2030 da ONU.

A título de ilustração da ferramenta na atualidade, ao aplicar filtros específicos no Monitor, como o tema “Trabalho Análogo ao Escravo”, no Tribunal Regional do Trabalho da 5a Região (BA) e apenas processos julgados em primeira instância, é possível extrair dados relevantes acerca do panorama dessas demandas. Entre os aspectos identificados, verifica-se que, no total, 1.883 processos foram julgados, com os seguintes desfechos: 75,87% parcialmente procedentes, 16,36% improcedentes e 3,92% totalmente procedentes. No que tange à classificação por ramo de atividade dos Reclamados, observa-se que os três setores mais frequentemente envolvidos nessas ações foram: pessoa física, com 291 processos; transporte de cargas, com 138 processos; e construção de edifícios, com 119 processos. Esses dados evidenciam padrões recorrentes e podem subsidiar a formulação de estratégias voltadas à erradicação específica do trabalho análogo à escravidão no mercado de trabalho da Bahia.

Por outro lado, noutro exemplo, quando se aplicam filtros considerando o tema “Assédio Sexual”, o Tribunal Regional do Trabalho da 3a Região (MG) e apenas as petições iniciais, é possível identificar que, na distribuição por gênero, 81,74% são autoras mulheres, estando a maioria na faixa etária entre 18 e 29 anos. Quanto à classificação por ramo de atividade dos Reclamados, observa-se que os três setores mais frequentemente envolvidos nessas ações foram: pessoa física, com 25 processos; comércio varejista de mercadorias, com 20; e restaurantes, com 13. Tem-se, portanto, que a maioria das ações por assédio sexual em Minas Gerais é movida por mulheres jovens, com maior ocorrência nos setores de pessoa física, comércio varejista e restaurantes, evidenciando a vulnerabilidade desse grupo no ambiente de trabalho.

Dessa forma, é possível concluir que, desde que respeitados os princípios éticos fundamentais e sob rigorosa supervisão humana, a aplicação da IA na Justiça do Trabalho, inclusive por meio de ferramentas como o Monitor do Trabalho Decente, pode representar avanço significativo na promoção do trabalho decente e na proteção dos direitos trabalhistas. Isso ocorre porque a tecnologia possibilita resposta mais ágil e precisa do Poder Judiciário, além de tornar o processo de fiscalização realizado pelas autoridades competentes mais eficiente e direcionado, beneficiando toda a sociedade.

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