Erro médico: causas e consequências

23 de junho de 2013

Presidente da Academia Amazonense de Medicina, Benemérito da Academia Nacional de Medicina

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O exercício pleno da cidadania e o Estado de Direito que imperam na sociedade brasileira, após a Constituição de 1988, a exemplo dos países desenvolvidos, vêm suscitando na esfera do Poder Judiciário um número crescente de demandas, dentre as quais as rotuladas como erro médico.

A Medicina, entendida conceitualmente como os preceitos para a promoção do bem-estar e o prolongar da vida com qualidade, e a saúde definida como uma permanente e lenta política alicerçada na macroeconomia e na sociologia, face a precariedade dos seus ingredientes macroeconômicos (educação, saneamento, água potável, habitação, transporte, emprego e renda), infelizmente, volta-se mais para os agravos que produzem doenças do que para os seus propósitos.

Disse certo um luminar das ciências médicas aos seus alunos: “nos meus oito lustros de exercício da Medicina, raramente, atendo alguém dizendo estar bem e querendo apenas comprovar que sua saúde está em ordem. A quase totalidade dos que têm me procurado dizem sempre sentir alguma coisa. Então me pergunto: o médico passa mais tempo tentando curar ou minimar doenças do que promovendo saúde!”.

É importante também destacar os gastos do governo com doenças em relação aos tributos arrecadados. E.g.: receita advinda da venda de cigarros se comparada com os gastos na busca do tratamento do câncer, em especial os de pulmão; os valores arrecadados com os alvarás de funcionamento e as vendas de bebidas alcoólicas no comércio após as 23h e o erário alocado (quase sempre insuficiente) para o custeio dos pronto-socorros, dentre muitos outros.

E o Executivo assiste a tudo isso, de forma patética, sem tomar nenhuma providência!

Diante das doenças, mesmo sendo envidados por seus atores – os médicos – todos os esforços e recursos tecnológicos, nem sempre a cura, tão exigida e tão almejada para o recobramento da saúde, é obtida.

Em decorrência disso, avolumam-se nos tribunais de todos os quadrantes e em todas as instâncias um número, cada vez maior, de processos relacionados ao erro médico.

Nesse crescente, é possível que, não muito distante, sejam criadas no judiciário varas especializadas nesse assunto ou até mesmo uma linha específica da justiça para essas questões, a exemplo das lides trabalhistas.

A deontologia legal abrange tanto o que deve ser feito quanto às regras éticas impostas por lei, respeitados os princípios estabelecidos nos códigos civil e penal.

O artigo 186 do Código Civil vincula a culpa com a negligência, a imperícia e a imprudência (aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito), e o de número 935 disciplina a independência da responsabilidade civil com a criminal (a responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal).

Já o Código Penal, em seu artigo 13, define a relação de causalidade, entendida com nexo causal (o resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido).

A complexidade dessa matéria, que envolve em muito questões subjetivas, tem levado a decisões jurídicas ora reconhecendo ora não dando provimento aos autores das querelas de lesões corporais, imputadas como erro médico aos responsáveis por intervenções cirúrgicas ou adoções de procedimentos de diagnose e terapêutica na prescrição de uma determinada medicalização.

Causas

É evidente e notória a pressão da economia política das seguradoras em implantar no Brasil o seguro para o exercício da Medicina com o objetivo apenas de aumentar seus lucros com a venda de um produto a uma massa crítica volumosa, hoje estimada na casa dos duzentos e cinquenta mil.

Também é imperioso destacar o ensino da Medicina e do Direito por um número excessivo de faculdades (muitas sem as mínimas condições de funcionamento) que colocam a cada ano um grande número de profissionais sem a proficiência exigida.

No caso do Direito, a Ordem dos Advogados do Brasil, com o seu exame de ordem, filtra a verificação da aprendizagem, mas não contém o excedente que, na busca da sobrevivência, opta por se implantar nas portas das delegacias de polícia, nas fábricas, no comércio e nos estabelecimentos de serviços, incluindo-se aí os de saúde no tocante ao erro médico.

Na Medicina, a situação é bem mais complexa com as quase duzentas faculdades (dois terços delas criadas nos últimos dezoito anos, na quase totalidade, sem as condições mínimas para funcionar) e a ausência do exame de habilitação que autoriza os egressos, no dia seguinte ao da formatura, de posse do registro no CRM, a estarem legalmente aptos à realização de procedimentos médicos.

Além disso, pasmem, para vinte cinco mil formandos/ano são oferecidas apenas seis mil vagas para especialização, o que corresponde ao quantitativo de cerca de cem mil médicos colocados no mercado de trabalho, sem especialização, a cada cinco anos.

Pergunta-se: o Brasil está formando mais médicos ou maus médicos?

Diante dessas considerações, é de indagar-se: quem ganha com essa situação? Políticos inescrupulosos aliados do Governo que recebem permissão para abrir instituições de ensino superior com os cursos de maior procura – Medicina e Direito – aos que se dispõem a pagar não menos que cinquenta mil reais pelo bacharelado em Direito ou trezentos mil reais por um diploma de médico.

Empresas de seguro vendendo aos profissionais da Medicina apólices para cobrir as demandas judiciais e, com isso, auferindo lucros e, por conseguinte, tornando mais elevados os valores dos centros de custos dos serviços médicos.

Consequências

A sociedade que passa a pagar as despesas com aumento de gastos com as custas judiciais, com os benefícios da Previdência Social e com os danos irreparáveis nos seres mais valorosos do Criador – a espécie humana.