Edição

Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais

5 de abril de 2001

Compartilhe:

Primeira parte

A   ciência do direito é formada por proposições verdadeiras oriundas de investigações desenvolvidas pela via de um sistema lógico. Ela é a soma de conhecimentos práticos e humanos considerados de forma conjuntural e que visam a regular as relações do homem com o seu semelhante e com entidades grupais estatais ou não.

A sua função é a de estudar normas jurídicas elaboradas ou a serem lançadas no ordenamento legal de uma determinada época ou lugar.

O êxito da aplicação dos seus princípios e regras depende da interpretação que a eles for dada pelos homens que irão aplicá-los e que o fazem, de modo filtrado, porém, subordinados à sua consciência e aos seus conhecimentos.

A ciência jurídica enfrenta, muitas vezes, o perigo de ser adotada, na conduta hermenêutica seguida para as suas normas por determinada maioria, ou por unanimidade de intérpretes, uma postura com condicionamentos não verdadeiros, o que cria uma falsa aparência de sua efetividade. Esse panorama, contudo, quando examinado em face de determinadas situações concretas, revela-se instável e passa a exigir novas reflexões e, conseqüentemente, aperfeiçoamento para o funcionamento das entidades jurídicas.

A ciência do direito é essencialmente normativa. Há, portanto, de ser vinculada à realidade do mundo que recebe a sua aplicação e ao estado das coisas.

A sua concretização não pode ser feita de modo que sejam transformados fatos não verdadeiros em reais, provocando, assim, choque com o racional e com a organização natural e material dos casos vivenciados pelo ser humano e pela sociedade.

Na época contemporânea não há lugar para imposição de idéias como as pregadas por Ernest Roguin, em 1923, em sua obra intitulada “Ciência Jurídica Pura” (F.Rouge, ed., 3 vols. Lausanne), de que o estudo das relações jurídicas deve ser feito com isenção total de qualquer consideração do justo ou do injusto, sem se considerar os aspectos objetivos e subjetivos dos fatos e das verdades que se vinculam ao âmbito desses fenômenos.

Na atualidade, a função da ciência jurídica é, além de impor regras ao comportamento individual e social do homem e do Estado, garantir o fortalecimento das instituições responsáveis pelo desenvolvimento
da pessoa humana e zelar pela valorização de entidades guardiãs de valores específicos, como são os que defendem a obediência rigorosa aos princípios da legalidade, da moralidade, da eficácia, da publicidade, da impessoalidade e da justiça.

Se outro rumo for dado à ciência jurídica, que não o de buscar o justo, ela assumirá características de uma ciência triste, igualando-se ao que Carlyle, historiador inglês do século passado, considerou com referência à economia pública, por colocar o cientista diante de insolúveis e graves problemas sociais.

A ciência jurídica há de evidenciar, ao regular situações concretas existentes no mundo onde ela atua, a ocorrência de decisões justas e legais, revelando a expressão total do direito que ela encerra.

Um dos patamares a ser explorado, a fim de que essa situação apresente-se consolidada, é a vinculação absoluta que deve ter aos princípios da legalidade e da moralidade. Ambos com destinações diversas, porém, interligados de modo absoluto.

Concebe-se a obediência ao princípio da moralidade na aplicação e interpretação do direito como sendo a mais relevante ação para determinar a estabilização das relações jurídicas.

A ele (princípio da moralidade) subordina-se qualquer conduta estatal ou privada. A ele submete-se a própria supremacia da lei. Esta, como pregou Montesquieu e os autores da Revolução Francesa, “é o primado da razão, conseqüentemente da justiça. O direito, para eles, não é criação arbitrária, fruto de qualquer volunté momentanée et capriccieuse (De L’esprit de Lois, cit. Livro II, cap. 4). É a descoberta do justo pela razão dos representantes, pelo que, conseqüentemente, a lei não tem o direito de vedar senão as ações prejudiciais à sociedade” (Declaração de 1789, art. 5º, primeira parte (cf nosso ‘Do processo legislativo’, nº 32).  (Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Comentários à Constituição Brasileira de 1988, v. 1, Saraiva, 1990, p.28-29).

Surge, em razão do acima afirmado, a concepção de que as leis, ao serem aplicadas pelo Poder Judiciário, estão diretamente vinculadas aos princípios da moralidade e da legalidade, só desenvolvendo-se validamente, isto é, só existindo e tornando-se válido, eficaz e efetivo quando não expressarem abusos e não ultrapassarem os limites por eles impostos.

Exige-se, assim, que o Poder Judiciário, instituição responsável pela aplicação coercitiva do direito, esteja mais assujeitado ao cumprimento da moralidade do que o Executivo e o Legislativo, por lhe caber defender, como Poder Estatal, o rigorismo ético nos padrões de sua própria conduta e dos seus jurisdicionados.

O decisum emitido pelo Poder Judiciário deve exprimir confiança, prática da lealdade, da boa-fé e, especialmente, configuração de moralidade.

Essa expressão de moralidade é reflexo dos sonhos democráticos que o povo deposita no exercício do poder e na legitimidade da atividade jurisdicional.

Esse pensamento foi inspirado na lição de Diva Malerbi, in “O Princípio da Moralidade no Direito Tributário”, artigo publicado na obra com o mesmo nome,  Pesquisas Tributárias – Nova Série-2,  coordenada por Ives Gandra da Silva Martins, Editora Revista dos Tribunais e Centro de Extensão Universitária, p. 57. A referida autora acrescenta, no que estou de pleno acordo, que “em conseqüência, a moralidade no contexto dos princípios erigidos à administração pública, guarda primazia, pois toda atuação estatal deve partir e buscar a dimensão ética. No Estado Democrático de Direito, a legalidade legítima da conduta administrativa é, simplesmente, legalidade moral. A moralidade do direito é, assim, o aperfeiçoamento das atividades da administração pública.”

Essas idéias são aplicáveis, de modo direto, à atuação do Poder Judiciário na função de dizer o direito em caso concreto e com reflexos nos fenômenos gerados pela coisa julgada.

A supremacia do princípio da moralidade exige que o Estado, por qualquer um dos seus três poderes, atue de modo subordinado às suas regras e seja condutor dos valores a serem cumpridos pela organização social.

No particular, a decisão judicial, expressão maior da atuação do Poder Judiciário, deve expressar compatibilidade com a realidade das coisas e dos fatos naturais, harmonizando-se com os ditames constitucionais e ser escrava obediente da moralidade e da legalidade.

Nenhuma prerrogativa excepcional pode ser outorgada à sentença judicial que provoque choque com o sistema constitucional adotado pela Nação e que vá além dos comandos emitidos pelos princípios acima mencionados.

O decisum judicial não pode ter carga de vontade da pessoa que o emitiu. Ele deve representar a finalidade determinada pela lei, por ser essa configuração uma exigência da opção pelo regime democrático que fez a Nação.

O Estado, em sua dimensão ética, não protege a sentença judicial, mesmo transitada em julgado, que bate de frente com os princípios da moralidade e da legalidade, que espelhe única e exclusivamente vontade pessoal do julgador e que vá de encontro à realidade dos fatos.

A moralidade está ínsita em cada regra posta na Constituição e em qualquer mensagem de cunho ordinário ou regulamentar. Ela é comando com força maior e de cunho imperativo, reinando de modo absoluto sobre qualquer outro princípio, até mesmo sobre o da coisa julgada. A moralidade é da essência do Direito. A sua violação, quer pelo Estado, quer pelo cidadão, não gera qualquer tipo de direito. Este inexiste, por mais perfeito que se apresente no campo formal, se for expresso de modo contrário à moralidade.

Faço coro ao dizer de Carmem Lúcia Antunes Rocha que “a exigência da moralidade administrativa firmou-se como um dos baluartes da confiança do povo no próprio Estado”, sendo “não apenas Direito, mas direito público subjetivo do cidadão: todo cidadão tem direito ao governo honesto” (Princípios Constitucionais da Adm. Pública, Del Rey, Belo Horizonte, 1994, p. 190).

Interpreto a lição de Carmem Lúcia como adequada e aplicada ao fenômeno sentencial e da coisa julgada. Estas entidades processuais só se afirmam como verdadeiras e os seus atos só têm capacidade de produção de efeitos quando suas posturas são desenvolvidas dentro do círculo da legalidade e da moralidade. Além desses limites, elas inexistem porque recebem configurações que ultrapassam as perspectivas democráticas perseguidas pela  Constituição Federal.

O Poder Judiciário, ao entregar a sentença ao mundo jurídico e ao reconhecer, por decurso de tempo, a sua força de coisa julgada, está atuando como Estado. Este “não é fonte de uma moral segundo suas próprias razões, como se fosse um fim e a sociedade um meio. O Estado é a pessoa criada pelo homem para realizar os seus fins numa convivência política harmônica. Quando e onde o Estado arvora-se em fonte de uma moral e transforma-se em um fim, não há, ali, qualquer moral prevalecendo, pois o que em seu nome se pratica não pode ser assim considerado pela circunstância de que ali se estará a aplicar regras antidemocráticas, de voluntarismo do eventual detentor do Poder, sem preocupação com o ideário jurídico da sociedade” ( Carmem Lúcia Antunes Rocha, Princípios Constitucionais da Administração Pública, Del Rey, Belo Horizonte, 1994, p. 191).

No âmbito dos pensamentos expostos e defendidos, ganha relevo a compreensão de que “o princípio da moralidade anteceda a todos os outros, já que, além de uma função sistêmica em nítida relação com uma função inibidora, tem uma função desconstitutiva que sustenta o fundamento mesmo do ordenamento jurídico brasileiro, como plasmado na Carta Constitucional de 1988. Daqui decorre que a participação jurisprudencial na manutenção do Estado de Justiça tem de ser particularmente ativa, no exato equacionamento na ordem jurídica integrada, sob a ótica da ordem jurídica positiva aferida em função da legalidade e da ordem jurídica moral, aferida em função da licitude, já que a sanção à imoralidade é a nulidade do ato do Poder Público” (Maria Tereza de Almeida Rosa Carcamo Lobo, in “O Princípio da Moralidade no Direito Tributário”, artigo que compõe a obra coletiva “O Princípio da Moralidade no Direito Tributário”, coordenada por Ives Gandra da Silva Martins, Editora RT e Centro de Extensão Universitária, 1996, pgs. 73/74).

Incorporo a tudo quanto foi exposto, a expressiva mensagem de Jacy de Souza Mendonça, ditou no “Informe Liberal do Instituto Liberal de São Paulo”, 1996, p.1, no sentido de que “uma das características da nossa época é a preocupação com a correção do comportamento humano. Ela começou com uma tomada de conciência da extensão e gravidade da corrupção, na área política, nos meios policiais, no mundo dos negócios, nas atividades escusas como jogo, drogas e prostituição. Esse fenômeno faz renascer o interesse pelas regras morais de conduta, a ponto de elas serem colocadas acima das regras jurídicas”. Mais adiante, concluiu: “Tudo leva a crer que a ética será a disciplina estudada de nossa época”.

Complemento as afirmações alinhadas com o registro do posicionamento de Celso Bastos no sentido de que “não mais se admite reduzir moral jurídica a uma questão de legalidade (Doutrina do Desvio de Finalidade)”, pois “o princípio insculpido na atual Carta Magna, em seu art. 37, não deixa dúvidas quanto à autonomia da moralidade enquanto realidade jurídica”, conforme consta em artigo de sua autoria e que está no livro  “O princípio da moralidade no Direito Tributário”, obra coletiva já referida, pg. 81).

A seguir, adverte Celso Bastos “Mas outras considerações devem ser feitas… Primeiramente, observe-se que o direito abarca regras que são indiferentes à moral. É o caso, bem elucidativo, de regras processuais temporais. É a parcela do direito indiferente à moral”. (artigo citado, pg. 81).

Esclarece Celso Bastos que “o exemplo dessa norma, que não tem qualquer fundamento na moral, é de Miguel Reale (apud Maria Sylvia Zonella di Pietro, p. 105, Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988, S.Paulo, Atlas, 1991).

Há, portanto, com a influência dessas novas idéias, que se meditar sobre o alcance da coisa julgada quando atua em atrito com os princípios da moralidade, da legalidade e da realidade impostas pela natureza das coisas e das relações humanas e com outros princípios postos na CF.

Conceito de Coisa Julgada. Revisitação do Tema.

A entidade coisa julgada é entendida como sendo a sentença que alcançou patamar de irretratabilidade, em face da impossibilidade de contra ela ser intentada qualquer recurso. Em concepção objetiva é a que firmou, definitivamente, o direito de um dos litigantes após ter sido apurado pelas vias do devido processo legal.

A sua força deve caracterizar pressuposto de verdade, certeza e justiça, formadas ou afirmadas pelo decisum judicial, impondo estado de irrevogabilidade ou irretratabilidade para o que for assegurado.

A coisa julgada, em nosso ordenamento jurídico, possui proteção constitucional e infraconstitucional.

A Carta Magna, em seu art. 5º, inciso XXXVI, estabelece que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. É uma mensagem de carga indicativa no sentido de que a lei, em sua expressão maior, não há, ao entrar no mundo jurídico, de produzir eficácia, em nenhuma hipótese, que leve a causar qualquer diminuição aos limites da sentença trânsita em julgado.

O tratamento dado pela Carta Maior à coisa julgada não tem o alcance que muitos intérpretes lhe dão. A respeito, filio-me ao posicionamento daqueles que entendem ter sido vontade do legislador constituinte, apenas, configurar o limite posto no art. 5º, XXXVI, da CF, impedindo que a lei prejudique a coisa julgada.

Essa interpretação do art. 5º, XXXVI, da CF, foi muito bem desenvolvida por Paulo Roberto de Oliveira Lima, Juiz Federal no Estado de Alagoas, na obra “Teoria da Coisa Julgada”, Ed. RT, Pgs. 84/86, cujo teor transcrevo:

“Repetindo os textos anteriores, a atual Carta Magna, em seu art. 5º, inciso XXXVI, estabelece: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. A inserção da regra dentro do art. 5º, da Constituição, atinente aos direitos e garantias individuais, de certa forma explica a desmedida extensão que alguns refletida ou irrefletidamente teimam em emprestar ao instituto.

Consoante se observa da leitura do dispositivo, a regra nele insculpida se dirige ao legislador ordinário. Trata-se, pois, de sobre-direito, na medida em que disciplina a própria edição de outras regras jurídicas pelo legislador ou seja, ao legislar é interdito ao Poder legisferante “prejudicar” a coisa julgada. É esta a única regra sobre coisa julgada que adquiriu foro constitucional. Tudo o mais no instituto é matéria objeto de legislação ordinária.

A interpretação do dispositivo constitucional não oferece dificuldade. Em princípio, utilizando-se do método gramatical de hermenêutica, poder-se-ia chegar a duas conclusões interpretativas absolutamente diferentes. A utilização dos demais métodos de hermenêutica, porém, deixa evidenciada a certeza do entendimento correto do dispositivo.

Realmente, apenas pela leitura apressada dos termos do anunciado inciso XXXVI, se poderia chegar a duas interpretações, quais sejam:

a) “A lei não pode prejudicar a coisa julgada”, ou seja, a lei não pode atribuir ao instituto da coisa julgada estrutura e limites que lhe emprestem menor amplitude. O instituto da coisa julgada, valioso aos olhos da Constituição, mereceria do legislador infraconstitucional toda a atenção, de modo a preservar-lhe a extensão. Assim, seria inconstitucional toda disposição infraconstitucional que de qualquer forma diminuísse a importância do instituto, reduzisse sua incidência ou dificultasse sua formação. Por muito maior razão seria inconstitucional o dispositivo que admitisse o ataque à coisa julgada, criando remédio jurídico-processual hábil a desconstituí-la. Enfim, por esta interpretação, a Constituição protegeria o instituto da coisa julgada.

b) “A lei não pode prejudiciar a coisa julgada”, ou seja, a lei não pode alterar o conteúdo do julgado após a formação da coisa julgada. Editada a sentença sobre determinado caso concreto, é irrelevante que a lei disciplinadora do tema seja alterada, dado que a solução prescrita pela sentença, ainda que tenha de produzir seus efeitos no futuro, é intocável, não se lhe podendo opor comando diferente, ainda que editado por lei. O bem jurídico da ‘quietude’, da ‘segurança’ e da ‘paz’ foi valorizado de tal forma pelo legislador constituinte, que este interditou ao legislador ordinário editar normas agressoras a casos já decididos pelo Judiciário. Nova disciplina jurídica do fato somente incidirá para os casos não julgados. Assim, seria marcadamente inconstitucional o dispositivo que desobrigasse os devedores de pagar aos credores (moratória), na parte em que eventualmente estabelecesse sua aplicação aos casos julgados. Enfim, por esta interpretação, a Constituição protegeria o teor do julgado.

Das duas interpretações literais (gramaticais) possíveis, a segunda é aquela que efetivamente corresponde à mensagem legal. Observe-se, por primeiro, que o referenciado inciso XXXVI não proíbe a lei de prejudicar o ‘instituto da coisa julgada’, mas sim, de malferir a ‘coisa julgada’. Assim, mesmo a interpretação gramatical tende a prestigiar o segundo entendimento. A Constituição interditou o ataque ao comando da sentença, protegendo a imutabilidade do julgado, tornando-o imune a alterações legislativas subseqüentes.

À igual solução chega-se através da interpretação sistemática. É que a proteção da coisa julgada foi estabelecida na Carta Política, em dispositivo único que trata cumulativamente da coisa julgada, do ato jurídico perfeito e do direito adquirido, prescrevendo-lhe idêntico regime jurídico. E é fora de questão que a Constituição não visou defender o ‘instituto’ do direito adquirido, nem o do ato jurídico perfeito. Em qualquer dos casos, o desejo do constituinte foi o de impedir que lei nova tivesse o condão de alterar direito já adquirido ou ato jurídico já celebrado. Trata-se, aqui, do princípio da não surpresa e da irretroatividade da lei. A lei, sabe-se, somente incide sobre fatos ocorridos após sua vigência, daí porque as relações jurídicas formadas sob o império da lei anterior devem ser resolvidas segundo os seus comandos. Aliás, a própria fenomenologia do surgimento dos direitos assegura essa irretroatividade que é decorrência lógica inarredável da essência do sistema. É que a existência de direitos subjetivos pressupõe a do fato jurídico (latu sensu), e a deste, a da regra jurídica. Sem a regra jurídica previamente vigente, para incidir quando da ocorrência da concreção do suporte fático hipotético, não há nem incidência, nem fato jurídico, nem relação jurídica. E sem estes antecedentes lógicos e cronológicos, não há direito, nem dever, nem pretensão, nem obrigação, nem ação, nem exceção.

Também assegura a correção da segunda tese a observação dos institutos processuais que sempre conviveram com a regra constitucional em comento. Prevalecesse a primeira tese (proteção constitucional da amplitude do instituto da coisa julgada) e a ação rescisória seria inconstitucional, dado que se trata de remédio jurídico que tem como único objetivo destruir a coisa julgada. Da mesma forma também seria inconstitucional o instituto da revisão criminal, dado que a revisão pode ser requerida a qualquer época, não se lhe podendo opor o instituto da coisa julgada.

Consoante se observa, é perfeitamente constitucional a alteração do instituto da coisa julgada, ainda que a mudança implique restringir-lhe a aplicação, na criação de novos instrumentos de seu controle, ou até na sua supressão, em alguns ou todos os casos.

O que a Carta Política inadmite é a retroatividade da lei para influir na solução dada, a caso concreto, por sentença de que já não caiba recurso.

De outra parte, qualquer alteração no instituto mesmo da coisa julgada, determinando seu enfraquecimento ou dilargando as hipóteses onde se admite o ataque ao julgado, não incide no que pertine às sentenças já transitadas em julgado, visto que também, neste particular, rege a lei vigorante ao tempo em que o trânsito em julgado se deu.

Como se vê, a proteção constitucional da coisa julgada é mais tímida do que se supõe, sendo perfeitamente compatível com a existência de restrições e de instrumentos de revisão e controle dos julgados. A proteção constitucional da coisa julgada não é mais do que uma das muitas faces do princípio da irretroatividade da lei.”

Esse entendimento conceitual a respeito da coisa julgada baseia-se em uma realidade processual formada pelo pronunciamento do juiz e sobre o qual não mais cabe recurso.

O fator tempo tem  sua importância para definir a caracterização da coisa julgada, importância essa que é relativa e que produz o mencionado efeito em face de duas circunstâncias: o esgotamento das vias recursais permitidas pelo ordenamento jurídico ou o conformismo da parte vencida por não se pronunciar no prazo devido contra a condenação que lhe foi imposta.

O exame das manifestações doutrinárias sobre a coisa julgada revela, em síntese, o que passo a expor.

Pontes de Miranda, em sua obra “Comentários ao Código de Processo Civil”, Tomo V, Forense, 1974, argumenta que sem razão Adolf Merkl (Die Lehre von der Rocntekaft, 17) quando pretendeu livrar o conceito da res judicata dos seus postulados ético-políticos e de bases de direito natural, pois, seria “fonte de perturbações lamentáveis que se pudesse, sem prazo preclusivo, volver a discutir o que foi julgado sem mais haver recurso, mesmo em outro processo” (pg. 127).

Na seqüência do desenvolvimento das suas idéias, esclarecendo a conceituação de coisa julgada e a sua diferenciação com os efeitos da sentença, Pontes de Miranda lembra às fls. 134, da mesma obra, que “Contra a sentença que transitou em julgado não cabe exceção (‘nulla contra eam exceptio opponi potest’, Antônio da Gama, Decisionum Supremi Senatus Lusitaniae, p.110, n.6)”.

Adverte, a seguir, Pontes de Miranda: “Se nula a sentença, nada se pode pensar quanto à res judicata, porque está exposta à declaração de nulidade (decisão constitutiva), como a sentença inexistente é declarável como tal (não existe)”.

Valendo-se de doutrinação de Silvestre Gomes de Morais (Tractatus de Executionibus, IV, 174), que frisou ‘sententia nulla non est sententia’, Pontes de Miranda defende, também, que está bem posto o art. 741, I, do Código de 1973, “segundo o qual os embargos do devedor se podem fundar na falta ou nulidade da citação no processo de conhecimento, se a ação lhe ocorreu à revelia” (pg. 134, ob.cit.).

Por fim, Pontes de Miranda critica a confusão sempre existente sobre o tema. Afirma a respeito: “Efeito de coisa julgada, entre outros, é o de não mais, noutro processo, se discutir e julgar o que se discutira e julgara (coisa julgada material, que não é efeito da res judicata). É preciso que nunca se confundam existência, validade e eficácia. A sentença que põe fim ao processo é coisa julgada. O fazer ‘direito entre as partes’ não é o segundo efeito da sentença; é o primeiro” (pgs. 134 e 135, ob.cit.).

A sentença é a afirmação concreta da vontade da lei. Aplicada ao fato, conforme ensinado por Chiovenda e lembrado por Moacyr Amaral Santos, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, IV Vol. Forense, pg. 425:

“Daí ensinar Chiovenda, e com ele grande parte da doutrina, que a sentença é a afirmação da vontade da lei aplicada ao caso concreto. A lei possui uma vontade, uma ordem, um imperativo. Essa vontade, ordem, imperativo, que em abstrato se contém na lei, é posta pelo juiz em situação de ser aplicada ao caso decidido. Na sentença há a afirmação, de modo concreto, da vontade contida na lei. Assim, o preceito contido na sentença é a afirmação da vontade da lei, declarada pelo juiz, como órgão do Estado”.

Essa força da sentença alcança estágio de coisa julgada, portanto, autoridade de lei entre as partes, pelo que os seus efeitos devem prestar homenagem absoluta aos princípios da moralidade, da legalidade, da razoabilidade, da proporcionalidade e do justo.

Considere-se, desde logo, que a coisa julgada não abrange os motivos da sentença, a verdade dos fatos ou a apuração de questões prejudiciais, salvo, no referente a estas, se existir declaração incidente, expedida com obediência ao art. 470, do CPC.

Influi para a pretensão deste estudo a questão de não transitar em julgado a verdade dos fatos, isto é, a impossibilidade de se ter como imutável a decisão expedida pelo juiz com referência aos fatos, especialmente, quando essa manifestação viola a realidade natural das coisas, a situação fática verdadeira e princípios constitucionais.

Wellington Moreira Pimentel, na sua obra “Comentários ao Código de Processo Civil”, Vol. III, RT, pgs. 563 e segs., lembra que “A verdade dos fatos, vale dizer, a apreciação sobre os fatos que o juiz haja feita, sobre os quais terá lastreado a sentença, também não faz coisa julgada”.

O referido autor explica, a seguir, que “O princípio secundum allegata et probata judex judiciare debet impõe que o juiz julgue segundo a prova dos autos, o que, entretanto, não o coloca a salvo dos erros e enganos na sua apreciação. É tal a fabilidade da justiça humana  — dizia Neves de Castro – e tão variada a ordem de circunstâncias que podem comprometer a justiça dos julgamentos, que um magistrado de Toulosa, Fermat, querendo imitar Pascal não duvidou que um dia a análise do caso pudesse ser aplicada à apreciação dos julgamentos” (Francisco Augusto das Neves e Castro, Teoria das Provas, 2ª edição, anotada por Pontes de Miranda).

Adverte, ainda, Wellington Moreira Pimentel (pg. 564, ob.cit.):

“A verdade dos fatos se incluída entre os limites da coisa julgada, tornando-se a verdade legal, pode não resistir ao cotejo com a real verdade dos fatos. Se bem que a autoridade da coisa julgada se faça em favor do ideal de segurança das relações jurídicas, um dos que o Direito busca alcançar, parece evidente que aquela estaria comprometida irremediavelmente se, com a imutabilidade da sentença, ficasse a verdade dos fatos em que aquela se fundamentou, desafiando a verdade real”.

A autoridade da coisa julgada tem sido justificada pela doutrina com base em dois fundamentos. O primeiro é de natureza política. O segundo de ordem jurídica.

Moacyr Amaral Santos, em sua obra Comentários ao Código de Processo Civil, IV Vol., Coleção Forense, pp. 461/462, resumiu, com propriedade, os fundamentos supra indicados.

Explica o primeiro, o de ordem política, do modo seguinte:

“A verdadeira finalidade do processo, como instrumento destinado à composição da lide, é fazer justiça, pela atuação da vontade da lei ao caso concreto. Para obviar a possibilidade de injustiças, as sentenças são impugnáveis por via de recursos, que permitem o reexame do litígio e a reforma da decisão. A procura da justiça, entretanto, não pode ser indefinida, mas deve ter um limite, por exigência de ordem pública, qual seja a estabilidade dos direitos, que inexistiria se não houvesse um termo além do qual a sentença se tornou imutável”.

O fundamento de ordem jurídica, explica Moacyr Amaral Santos, é analisado de modo controvertido pela doutrina. Esta procura explicá-lo de vários modos, adotando teorias variadas, a saber:

a) a da presunção da verdade contida na sentença (Ulpiano, Pothier e outros);

b) a da ficção da verdade ou da verdade artificial (Savigny);

c) a da força legal, substancial da sentença (Pargenstecher);

d) a da eficácia da declaração contida na sentença (Hellwig, Binder, Stein);

e) a da extinção da obrigação jurisdicional (Ugo Rocco);

f) a da vontade do Estado (Chiovenda e doutrinadores alemães);

g) a de que a autoridade da coisa julgada está no fato de provir do Estado, isto é, na imperatividade do comando da sentença onde se concentra a força da coisa julgada (Chiovenda);

h) A teoria de Liebman que vê na coisa julgada uma qualidade especial da sentença.

Essas teorias sobre a coisa julgada devem ser confrontadas, na época contemporânea, se a coisa julgada ultrapassar os limites da moralidade, o círculo da legalidade, transformar fatos não verdadeiros em reais e violar princípios constitucionais, com as características do pleno Estado de Direito que convive impelido pelas linhas do regime democrático e que há de aprimorar as garantias e os anseios da cidadania.

Não se pode deixar sem uma meditação mais aprofundada, em face das teorias existentes para justificar a força da coisa julgada, algumas observações que têm sido feitas, na atualidade, pela doutrina, no sentido de limitar os seus efeitos, em razão de alguns acontecimentos sentenciais rasgarem os princípios da moralidade e da legalidade, enfrentarem disposições constitucionais e violarem regras básicas que comandam a natureza das coisas.

Eduardo Silva Costa, advogado, escreveu no jornal “A Tarde”, do Estado da Bahia, de 01.09.2000, interessante artigo intitulado “Justiça e DNA”. O seu conteúdo exige reflexões sobre a extensão da coisa julgada em face de fenômenos científicos hoje presentes na vida do ser humano e que não podem deixar de ser reconhecidos pelo direito. O mencionado autor escreveu:

“Um acórdão do Superior Tribunal de Justiça, por sua Terceira Turma, proferido em maio de 1998, pode animar o espírito crítico dos doutos no âmbito da ciência jurídica. A matéria nele versada envolve dois valores constitutivos do Direito ou, se preferir, do ordenamento jurídico: a segurança e a justiça. Deu-se primazia no caso à segurança, em razão da existência da coisa julgada.

Na ementa do acórdão expõe-se a suma da questão do seguinte modo:

‘Seria terrificante para o exercício da jurisdição que fosse abandonada a regra absoluta da coisa julgada… Se, fora dos casos nos quais a própria lei retira a força da coisa julgada, pudesse o magistrado abrir as comportas dos feitos já julgados para rever as decisões, não haveria como vencer o caos social que se instalaria. A regra do art. 468 do Código de Processo Civil é libertadora’.

E no fecho da ementa lê-se:

‘Assim, a existência de um exame pelo DNA posterior ao feito já julgado, com decisão transitada em julgado, reconhecendo a paternidade, não tem o condão de reabrir a questão com uma declaratória para negar a paternidade, sendo certo que o julgado está coberto pela certeza jurídica conferida pela coisa julgada’.

Sob o aspecto formal, o acórdão apresenta-se regular, isto é, nele se fez incidir a norma processual, de modo que foi cumprida a lei. Observada a lei na sua inteireza e rigidez pelo Tribunal, seria de louvar-se sem nenhuma restrição ou ressalva o veredicto firmado no acórdão.

Contudo, há de considerar-se no acórdão que ele contempla duas realidades que se contrapõem: uma representada pela coisa julgada, a que o julgador, atento ao preceito legal, confere o caráter de dogma  —incontrastável, indefectível; a outra, expressa no dado científico da existência de exame pelo DNA, hoje proclamado como meio, também incontrastável, indefectível, de certificação ou não de paternidade e que no caso se concluiu pela negativa. A decisão fixou-se na coisa julgada, que, como significante da segurança jurídica, importou a definitividade do veredicto no processo anterior, afirmador de uma paternidade enganosa, tanto assim que veio a ser infirmada pela conclusão de exame científico. E ao assentar a inexeqüibilidade e tal conclusão diante da coisa julgada, o acórdão em questão acabou por encerrar na sua contextura o antagonismo da segurança com a justiça: considerou a justiça um minus em face da segurança, antepôs este valor àquele, em razão da ‘certeza jurídica conferida pela coisa julgada’.

Ora, a só consideração pelo acórdão da segurança como um plus em face da justiça, tornando impraticável no processo a realização desta, vem a ser a perpetração de uma injustiça. O acórdão, ao mencionar ‘a existência de um exame pelo DNA’, deixa implícito que esse meio de prova é atualmente decisivo, pela certeza científica que contém, na apuração de paternidade questionada. Portanto, a decisão admitiu a conclusão científica, mas recusou-a por reputar a sobreposição do valor segurança ao valor justiça.

Então, emerge daí um autêntico conflito criado pelo acórdão, entre a segurança jurídica e a justiça. Por isso mesmo, sem que se preconize desautorizar-se a coisa julgada, ‘a santidade da coisa julgada’, como caracteriza Radbruch, o que seria um sacrilégio jurídico, é de lembrar-se, com o mesmo Radbruch, que a ‘segurança jurídica é uma forma de justiça’ e assim o embate desta com aquela ‘representa um conflito da justiça com ela mesma’, donde advertir o grande jusfilósofo, que ‘esse conflito não pode resolver-se de um modo unívoco’”.

O autor termina o artigo com as seguintes indagações: “Deverá prevalecer no caso aqui comentado a segurança jurídica, mesmo que importe grave injustiça? Será que a idéia de segurança jurídica deve comportar a negação da idéia de justiça, só para não se destacar a coisa julgada?”

Os comentários do autor terminam sem resposta. Enfrento, porém, as perguntas com as afirmações que registro:

a) A grave injustiça não deve prevalecer em época nenhuma, mesmo protegida pelo manto da coisa julgada, em um regime democrático, porque ela afronta a soberania da proteção da cidadania.

b) A coisa julgada é uma entidade definida e regrada pelo direito formal, via instrumental, que não pode se sobrepor aos princípios da legalidade, da moralidade, da realidade dos fatos, das condições impostas pela natureza ao homem e às regras postas na Constituição.

c) A sentença, ato do juiz, não obstante atuar como lei entre as partes, não pode ter mais forla do que as regras Constitucionais.

d) A segurança jurídica imposta pela coisa julgada há de imperar quando o ato que a gerou, a expressão sentencial, não esteja contaminada por desvios graves que afrontem o ideal de justiça.

e) A segurança jurídica da coisa julgada impõe certeza. Esta não se apresenta devidamente caracterizada no mundo jurídico quando não ostentar, na mensagem sentencial, a qualidade do que é certo, o conhecimento verdadeiro das coisas, uma convicção sem qualquer dúvida. A certeza imposta pela segurança jurídica é a que gera estabilidade. Não a que enfrenta a realidade dos fatos. A certeza é uma forma de convicção sobre determinada situação que se pretende objetiva, real e suficientemente subjetiva. Ela demonstra evidência absoluta e universal, gerando verdade.

f) Há de prevalecer o manto sagrado da coisa julgada quando esta for determinada em decorrência de caminhos percorridos com absoluta normalidade na aplicação do direito material e do direito formal.

g) A injustiça, a imoralidade, o ataque à Constituição, a transformação da realidade das coisas quando presentes na sentença viciam a vontade jurisdicional de modo absoluto, pelo que, em época alguma, ela transita em julgado.

h) Os valores absolutos de legalidade, moralidade e justiça estão acima do valor segurança jurídica. Aqueles são pilares, entre outros, que sustentam o regime democrático, de natureza constitucional, enquanto esse é valor infraconstitucional oriundo de regramento processual.

As sentenças transitadas em julgado, porém, injustas, contrárias à moralidade, à  realidade dos fatos e à Constituição.

O avanço das relações econômicas, a intensa litigiosidade do cidadão com o Estado e com o seu semelhante, o crescimento da corrupção, a instabilidade das instituições e a necessidade de se fazer cumprir o império de um Estado de Direito centrado no cumprimento da constituição que o rege e das leis com ela compatível a necessidade de um atuar ético por todas as instituições políticas, jurídicas, financeiras e sociais, tudo isso submetido ao controle do Poder Judiciário, quando convocado para solucionar conflitos daí decorrentes, são fatores que têm feito surgir uma grande preocupação, na atualidade, com o fenômeno produzido por sentenças injustas, por decisões que violam o círculo da moralidade e os limites da legalidade, que afrontam princípios da Carta Magna e que teimam em desconhecer o estado natural das coisas e das relações entre os homens.

A sublimação dada pela doutrina à coisa julgada, em face dos fenômenos instáveis supracitados, não pode espelhar a força absoluta que lhe tem sido dada, sob o único argumento que há de se fazer valer o império da segurança jurídica.

Há de se ter como certo que a segurança jurídica deve ser imposta. Contudo, essa segurança jurídica cede quando princípios de maior hierarquia postos no ordenamento jurídico são violados pela sentença, por, acima de todo esse aparato de estabilidade jurídica, ser necessário prevaler o sentimento do justo e da confiabilidade nas instituições.

A sentença não pode expressar comando acima das regras postas na constituição, nem violentar os caminhos da natureza, por exemplo, determinando que alguém seja filho de outrem, quando a ciência demonstra que não o é. Será que a sentença, mesmo transitada em julgado, tem valor maior que a regra científica? É dado ao juiz esse ‘poder’ absoluto de contrariar a própria ciência? A resposta, com certeza, é de cunho negativo.

A sentença trânsita em julgado, em época alguma, pode, por exemplo, ser considerada definitiva e produtora de efeitos concretos, quando determinar, com base exclusivamente em provas testemunhais e documentais, que alguém é filho de determinada pessoa e, posteriormente, exame de DNA comprove o contrário.

Não é demais lembrar que os fatos originariamente examinados pela sentença nunca transitam em julgado (art. 469, II, CPC). Podem, conseqüentemente, ser revistos em qualquer época e produzirem novas situações jurídicas, em situações excepcionais.

A sentença não pode modificar laços familiares que foram fixados pela natureza.

No exemplo referido, há de ser considerada a fragilidade das provas testemunhais e documentais em confronto com a certeza da prova pericial representada pelo DNA, em razão da credibilidade que lhe dá a Ciência.

Um outro aspecto há de ser meditado. É o limite da força da sentença trânsita em julgado e que reconhece, de modo definitivo, a ausência de alguém para efeito de sucessão patrimonial, de acordo com as regras dos arts. 1.159 a 1.169, do CPC.

Sabido é que, conforme dispõe o art. 1.167, do CPC, “a sucessão provisória cessará pelo comparecimento do ausente e converter-se-á em definitiva: I – quando houver certeza da morte do ausente; II – dez (10) anos depois de passada em julgado a sentença de abertura da sucessão provisória; III – quando o ausente contar oitenta (80) anos de idade e houverem decorridos cinco (5) anos das últimas notícias suas”.

E se o ausente, após todo o cumprimento dessas regras formais, comparecer, em qualquer época posterior, perante o Juiz, comprovando a sua existência? É possível considerar-se como válida e eficaz a sentença que o reconheceu como morto para fins de sucessão patrimonial? Tem o juiz, pela via da sentença judicial transitada em julgado, força de determinar a morte de alguém quando esse alguém está vivo? A sentença persistirá? Evidentemente que não.

Por essa razão é que o art. 1.168, do CPC, permite ação do presente para reaver os bens que lhe foram tomados pela sentença ou o ressarcimento dos prejuízos.

Lembro que essa última possibilidade só estará aberta se o usucapião não houver gerado domínio dos bens para terceiros. Essa, porém, é uma situação específica e regida por princípios diferentes dos que aqui estão sendo examinados.

Conclui no próximo número