É preciso desenvolver competências interpessoais no Poder Judiciário

23 de janeiro de 2023

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Cabe ao Poder Judiciário organizar e administrar os serviços dos seus órgãos jurisdicionais e auxiliares: é a chamada garantia de autogoverno, assegurada pelo art. 96 da Constituição Federal. Isso significa que a carreira da magistratura contempla funções típicas externadas, de forma bem sucinta, na decisão judicial de casos concretos submetidos a julgamento, mas também abrange funções atípicas, consistentes na Administração Judiciária, seja de uma unidade jurisdicional, seja de estruturas mais complexas, como fóruns e tribunais.

A Administração Judiciária ainda é um campo do conhecimento em construção, mas, em linhas gerais, refere-se à “aplicação dos conceitos e das práticas da ciência da Administração voltada para as finalidades do Poder Judiciário”. Nesse contexto, a atuação profissional do(a) magistrado(a) demanda a gestão dos processos de trabalho e também a gestão de pessoas.

A falta de preparo e de conhecimento do(a) magistrado(a) sobre funções gerenciais que lhe são atípicas, além da possibilidade de gerar desconforto e angústia, pode afetar negativamente a atividade-fim. Para Bacellar, “o magistrado administrador judiciário precisa ter, além do conhecimento técnico-jurídico, conhecimentos básicos de gestão”, pois, além de gerir os conflitos jurisdicionais (função típica), é ele quem deverá orientar e conduzir o funcionamento do juízo a que responde (função atípica).

Isso demanda o desenvolvimento de competências gerenciais, classificadas por Maximiano como intelectual, técnica, intrapessoal e interpessoal. A competência intelectual é necessária para produzir, processar, reter e utilizar informações. Exemplificativamente, seu desenvolvimento permite elaborar conceitos, fazer análises, planejar, definir estratégias e tomar decisões.

Já a competência técnica abrange os conhecimentos sobre a atividade do gerente, da equipe e da organização em que se está inserido. Trazendo o conceito para o Poder Judiciário, é conhecer as leis e normativos que estruturam a instituição; é conhecer a estrutura funcional e como ela é distribuída em cada unidade judiciária ou departamento/secretaria de tribunais.

A competência intrapessoal compreende todas as relações e formas de reflexão e ação da pessoa a respeito dela própria, tal como autocontrole, autoconhecimento, capacidade de organização pessoal e administração do próprio tempo. A competência interpessoal é relacional, ou seja, indica como o gerente se relaciona com as pessoas no ambiente profissional – com colegas de trabalho, superiores e clientes.

A competência interpessoal compreende, exemplificativamente, a capacidade de entender e a atitude de aceitar a diversidade e singularidade das pessoas; a capacidade de compreender o processo de motivação e utilizar as estratégias de incentivo adequadas a cada pessoa e grupo; a capacidade de entender os princípios de liderança e de efetivamente liderar indivíduos e grupos no contexto organizacional; a capacidade de comunicação.

Estudos em organizações privadas revelam que, quanto mais altos os cargos de gestão ocupados na hierarquia de uma organização, menos competências intelectual e técnica e mais competências intra e interpessoal são necessárias para o bom desempenho das funções e o alcance de resultados. Walker aponta que “a maioria das organizações promove funcionários a cargos de gestão com base em sua competência técnica”, supondo que as aptidões cruciais de gestão serão assimiladas “por osmose”. Mas não o são; é necessário formação e treinamento adequados.

Pensando no contexto da formação judicial (de magistrados e servidores), qual tem sido o foco das escolas judiciais? Quais tipos de competências têm sido fomentados e desenvolvidos nas ações de formação oferecidas? Competências intelectuais e técnicas? Ou intra e interpessoais?

A noção de competência no contexto da formação judicial é abordada pela Resolução nº 7 da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), e consiste na “capacidade de agir, em situações previstas e não previstas, com rapidez e eficiência, articulando conhecimentos tácitos e científicos, experiências sociais e de trabalho, comportamentos e valores, desejos e motivações desenvolvidos ao longo das trajetórias de vida em contextos cada vez mais complexos”.

Nota-se a menção expressa à articulação de comportamentos e valores, desejos e motivações que podem ser externados, segundo a classificação de Maximiano descrita alhures, nas competências intra e interpessoal. A atividade do gerente demanda, pois, formação específica, que vai além das competências necessárias para a gestão dos processos de trabalho (competência intelectual e técnica), e que demanda, igualmente, formação em gestão de pessoas (competências intra e interpessoais).

A Resolução nº 240/2016 do Conselho Nacional de Justiça estabeleceu a Política Nacional de Gestão de Pessoas no Âmbito do Poder Judiciário e dispõe que a gestão de pessoas é “o conjunto de políticas, métodos e práticas de uma organização voltados a propiciar condições para que os trabalhadores de uma instituição possam desenvolver o seu trabalho, favorecendo o desenvolvimento profissional, a relação interpessoal, a saúde e a cooperação, com vistas ao alcance efetivo dos seus objetivos estratégicos”.

Segundo Bergue, a gestão de pessoas pode ser definida como o esforço orientado ao suprimento, à manutenção e ao desenvolvimento de pessoas nas organizações públicas em conformidade com os ditames constitucionais e legais, observadas as necessidades e condições do ambiente em que se inserem.

Aos magistrados(as), como gestores(as), torna-se relevante, para exercer a administração eficiente, conhecer sua unidade e seus colaboradores por meio do aprimoramento das competências interpessoais. Sendo indissociáveis as duas funções (típica e atípica; julgar e administrar), é premente a necessidade do desenvolvimento de competências em gestão, em especial em gestão de pessoas.

O desenvolvimento da cultura de gestão de pessoas, com a capacitação contínua dos gestores para o uso adequado das ferramentas de gestão adequadas, permitirá fortalecer as competências relacionais necessárias para fomentar o diálogo constante com a equipe; avaliar o desempenho de forma assertiva; e implementar as metas sem o risco de incorrer em assédio moral. Em outras palavras, o desenvolvimento das competências relacionais potencializa o resultado das competências técnicas, com reflexo positivo para a atividade-fim.

Referências bibliográficas_______________________

ALBUQUERQUE, Lindolfo Galvão de; LEITE, Nildes R. Pitombo (org.). “Gestão de pessoas: Perspectivas estratégicas”. São Paulo: Atlas, 2009.

BACELLAR, Roberto Portugal. “Administração judiciária: com justiça”. 1ª. ed. Curitiba: InterSaberes, 2016.

BERGUE, Sandro Trescastro. “Gestão de pessoas em organizações públicas”. 3ª edição. Caxias do Sul: EDUCS, 2010.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil). “Resolução nº 240/2016, de 12 de setembro de 2016”. Dispõe sobre a Política Nacional de Gestão de Pessoas no âmbito do Poder Judiciário. Brasília: CNJ, 2016. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2342. Acesso em: 15/12/2021.

ESCOLA NACIONAL DE FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO DE MAGISTRADOS (Brasil). “Resolução nº 7, de 7 de dezembro de 2017. Dispõe sobre as diretrizes pedagógicas para a formação e o aperfeiçoamento de magistrados”. Brasília: ENFAM, 2017.

FIGUEIREDO, Luiza Vieira Sá de. “Gestão em Poder Judiciário: Administração Pública e gestão de pessoas”. Curitiba: CRV, 2020. 

MAXIMIANO, Antonio Cezar Amaru. “Introdução à Administração”. 5ª edição, revisada e ampliada. São Paulo: Atlas, 2000.

WALKER, Carol A. “Salvando gestores inexperientes deles mesmos”. In GOLEMAN, Daniel et al. “Gerenciando pessoas: os melhores artigos da Harvard Business Review sobre como liderar equipes”. Rio de Janeiro: Sextante, 2018. pp. 61-76.

Notas______________________

1 FIGUEIREDO, Luiza Vieira Sá de. “Gestão em Poder Judiciário: Administração pública e gestão de pessoas”. Curitiba: CRV, 2020. p. 80.

2 BACELLAR, Roberto Portugal. “Administração judiciária: com Justiça”. 1ª edição. Curitiba: InterSaberes, 2016. p. 269.j

3 MAXIMIANO, Antonio Cezar Amaru. “Introdução à Administração”. 5ª edição, revisada e ampliada. São Paulo: Atlas, 2000.

4 MAXIMIANO, loc. cit.

5 MAXIMIANO, loc. cit.

6 MAXIMIANO, loc. cit.

7 MAXIMIANO, loc. cit.

8  WALKER, Carol A. “Salvando gestores inexperientes deles mesmos”. In GOLEMAN, Daniel et al. Gerenciando pessoas: os melhores artigos da Harvard Business Review sobre como liderar equipes. Rio de Janeiro: Sextante, 2018. p. 66.

9  ESCOLA NACIONAL DE FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO DE MAGISTRADOS (Brasil). “Resolução nº 7, de 7 de dezembro de 2017”. Dispõe sobre as diretrizes pedagógicas para a formação e o aperfeiçoamento de magistrados. Brasília: ENFAM, 2017.

10 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil). “Resolução nº 240/2016, de 12 de setembro de 2016. Dispõe sobre a Política Nacional de Gestão de Pessoas no âmbito do Poder Judiciário”. Brasília: CNJ, 2016. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2342. Acesso em: 15/12/2021.

11 BERGUE, Sandro Trescastro. “Gestão de pessoas em organizações públicas”. 3ª edição. Caxias do Sul: EDUCS, 2010. p. 18.