Caravana Nacional da Cooperação Judiciária em Alagoas: desafios e soluções no combate à litigância abusiva

11 de julho de 2025

Da Redação

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Quarto encontro da Caravana, em Maceió, contou com a participação do vice-presidente do TJAL, desembargador Carlos Cavalcanti; da conselheira Daiane de Lira; da conselheira Daniela Madeira; da gerente da Febraban, Heloísa Scarpelli; e da diretora da Conexis Brasil, Danielle Crema. Fotos: Wesley Menegari/Revista JC

Evento foi realizado na sede do Tribunal de Justiça de Alagoas, em Maceió, e teve como foco debater os caminhos para identificar e prevenir demandas predatórias 

Discutir os desafios e os caminhos para combater a litigância abusiva: esse foi o objetivo da quarta parada da Caravana Nacional da Cooperação Judiciária, organizada, em junho, pela Revista Justiça & Cidadania, na sede do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas (TJAL), em Maceió. Também esteve em debate o panorama dos segmentos econômicos mais afetados pelas demandas predatórias, como o setor de saúde, telecomunicações e bancário.

O presidente do TJAL, desembargador Fábio Bittencourt, abriu a Caravana expressando preocupação com o crescimento de demandas abusivas no Poder Judiciário de Alagoas. “Este é um tema que mexe de forma muito veemente com a Justiça brasileira. Em todos os estados e na maioria das comarcas, nós não temos sossego. A litigância abusiva traz  número excessivo de processos ao Poder Judiciário. Nós temos de combater esta prática”.

O uso da inteligência artificial – O vice-presidente do TJAL e presidente do Centro de Inteligência do Poder Judiciário de Alagoas, desembargador Carlos Cavalcanti, destacou o uso da inteligência artificial para impedir a proliferação de demandas predatórias. O magistrado também ressaltou a importância da cooperação dos magistrados e servidores do TJAL no combate à litigância abusiva. 

“Os desafios evoluíram e as nossas estratégias também devem evoluir. Por isso, estamos dedicados a explorar e implementar o uso de ferramentas de inteligência artificial para racionalizar o acesso ao Poder Judiciário. Nesse momento, conclamo a todos os magistrados e servidores do Poder Judiciário de Alagoas que as orientações consolidadas nas notas técnicas do Centro de Inteligência sejam efetivamente aplicadas em seu labor diário.”

Cavalcanti citou, ainda, que as principais causas de demandas abusivas em Alagoas são empréstimos consignados com cartão de crédito, área de saúde e promoção de militares. “O estado de Alagoas está em condições de identificar as demandas abusivas e de atuar de maneira positiva, a partir da confecção de notas técnicas para orientar os magistrados de primeiro e de segundo grau.”

A importância do Centro de Inteligência – Na sequência, a conselheira Daniela Madeira, integrante do grupo decisório do Centro de Inteligência do Poder Judiciário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), afirmou que mais de 60% dos Centros de Inteligência dos tribunais estaduais trabalham com produção de notas técnicas sobre litigância abusiva. 

Daniela também falou sobre a importância da Recomendação no 159/2024 do CNJ, que dispõe sobre estratégias para identificar, tratar e prevenir a litigância abusiva. A conselheira, no entanto, defendeu que as notas técnicas locais de cada tribunal são fundamentais para o combate às demandas predatórias. 

“Os tribunais têm papel superimportante nessas ações. O primeiro passo é concentrar os dados sobre condutas abusivas nos Centros de Inteligência, para que isso possa ser passado, não só para a OAB, mas, se for caso de crime, para o Ministério Público. Outra medida que tem sido adotada pelos tribunais são os painéis para verificar quando realmente há um desvio, inclusive com monitoramento para auxiliar o juiz na hora do julgamento.”

Daniela disse, ainda, que o principal ponto a ser analisado para identificar demandas abusivas é o desvio de finalidade do acesso ao Poder Judiciário. A conselheira ainda destacou a dificuldade de identificar demandas abusivas em grandes capitais.

“Quando você vai no interior, é muito mais fácil de verificar. Quando o juiz é único naquela comarca, ele conhece todos que estão ali ao redor. Mas, dentro de uma grande capital, a demanda abusiva se dilui. Se não tiver esse olhar do juiz de que há um desvio de finalidade nessa ação, a gente não consegue captar a litigância abusiva.”

Litigância abusiva sob a ótica do Direito da Saúde – A supervisora do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde (Fonajus), conselheira Daiane de Lira, concentrou sua apresentação na litigância abusiva sob a ótica do Direito da Saúde. A conselheira apresentou os dados de pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que apontou que 30% de todo o orçamento dos estados brasileiros para medicamentos foi fornecido pela via judicial.

“Se for necessária a atuação do Poder Judiciário, ele vai garantir. Mas precisamos ver se é papel do Judiciário administrar todo esse orçamento. Ou se a função do Judiciário é ser um catalisador de políticas públicas para garantir o acesso à saúde.”

Daiane frisou a importância de garantir acesso à saúde pela via administrativa, sem necessidade de ação judicial. A conselheira também traçou o perfil das demandas no estado de Alagoas. Segundo dados do e-NatJus, o tipo de nota técnica mais demandada na Justiça Estadual de Alagoas é o autismo infantil, assunto que costuma ser foco de litigância abusiva.

“É preciso ter muito cuidado com laudos médicos genéricos. A ação judicial de saúde pessoal é individualizada. Quando a gente está tratando do autismo infantil, é preciso que se tenha diagnóstico e tratamento individualizados para aquela criança. Portanto, laudos genéricos, que não entram nas minúcias, têm de ser observados com calma, intimando a parte para justificar e apresentar laudo detalhado.”

O combate no setor de telecomunicações – A diretora de Governança, Compliance e Estratégia Corporativa da Conexis Brasil Digital, Danielle Crema, destacou que o Poder Judiciário tem atuado para combater as demandas predatórias e citou um caso de litigância abusiva contra empresa de telecomunicação que o Poder Judiciário de Alagoas extinguiu sem julgamento de mérito. A extinção teve como fundamento a ausência de regularização da representação processual e a falta de apresentação de documentos indispensáveis ao feito.

“Esse caso foi uma ação de nulidade de dívida acumulada, com pedido declaratório de prescrição e indenização por danos morais. Na ação, sequer havia sido juntada prova da negativação do nome da parte. O autor foi condenado ao pagamento das custas processuais com exigibilidade suspensa em razão da gratuidade da justiça que havia sido outorgada. Além disso, também foi determinada a apuração pelo Nupomed de uso indevido do Judiciário pelo advogado do autor. Esse exemplo ilustra que a magistratura de Alagoas está atenta a esse tipo de prática.”

Resolução extrajudicial e litigância abusiva – A gerente Jurídica da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Heloísa Scarpelli, iniciou sua apresentação citando as medidas que os bancos têm adotado para resolver demandas legítimas de forma extrajudicial, a partir de investimentos em segurança tecnológica e em canais de atendimento. Segundo dados da Febraban, houve redução de 20% nas reclamações em canais de atendimento dos bancos entre 2023 e 2024, com 130 milhões de atendimentos feitos no ano passado e índice de 85% de resolutividade.

Heloísa também falou sobre os números da litigância abusiva no segmento bancário. Segundo dados da Febraban, houve aumento de 42% em ações consideradas abusivas entre 2022 e 2024. No TJAL, mais de 24 mil ações foram identificadas como abusivas de 2022 a 2024. Os dados também apontaram que, nos últimos cinco anos, foram ajuizadas mais de 700 mil ações ilegítimas contra instituições financeiras no Judiciário brasileiro. 

“Isso nos chamou atenção, porque essas ações estão concentradas em um pouco mais de dez advogados. Não há nenhuma intenção em prejudicar a advocacia e a atuação do advogado. Mas é muito complicado permitir que dez advogados no Brasil inteiro estejam concentrando o maior número de ações relacionadas ao setor financeiro, agindo de forma ilícita e gerando demandas fraudulentas. Isso é um abuso do direito e uso indevido do Judiciário.”

Sobre a Caravana – Idealizada e realizada pela Revista Justiça & Cidadania, a Caravana Nacional da Cooperação Judiciária – Como combater a litigância abusiva? tem percorrido diferentes regiões com o objetivo de fomentar o intercâmbio de boas práticas, fortalecer redes de colaboração entre magistrados e criar estratégias conjuntas para enfrentar o problema. 

A iniciativa conta com o apoio institucional da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), do Centro de Inteligência do Poder Judiciário e do Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Saúde (Fonajus), ambos vinculados ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

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