Caravana discute soluções contra a litigância abusiva em Curitiba 

2 de junho de 2025

Da Redação

Compartilhe:

Terceiro encontro da Caravana Nacional da Cooperação Judiciária, em Curitiba, contou com a participação do corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell Marques, e da presidenta do TJPR, desembargadora Lidia Maejima

Encontro na sede do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná debateu o panorama nos setores econômicos mais afetados pela prática 

A Revista Justiça & Cidadania promoveu, em maio, o terceiro encontro da Caravana Nacional da Cooperação Judiciária, na sede do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR), em Curitiba. O evento reuniu magistrados, servidores e especialistas para discutir soluções para um problema crescente no sistema judiciário brasileiro: a litigância abusiva, especialmente em setores econômicos mais afetados por demandas predatórias.

Na abertura, a presidenta do TJPR, desembargadora Lidia Maejima, destacou que o aumento desse tipo de ação compromete diretamente a eficiência da Justiça. Segundo ela, o Judiciário tem enfrentado um cenário em que a sobrecarga processual, muitas vezes causada por demandas artificiais e massificadas, impacta negativamente a celeridade dos processos e a qualidade das decisões.

“A cooperação judiciária surge como instrumento essencial para enfrentar os desafios contemporâneos da jurisdição. O enfrentamento dos padrões abusivos, a identificação de fraudes e o desenvolvimento de mecanismos de prevenção exigem atuação colaborativa entre magistrados, servidores e representantes dos setores envolvidos nesta Caravana. Trabalhando de forma articulada, poderemos construir soluções efetivas e sustentáveis para esse problema”, afirmou.

O corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell Marques, também participou do encontro e foi enfático ao destacar os prejuízos causados pelas fraudes processuais.

“A litigância abusiva deturpa o sistema de Justiça, consumindo recursos públicos e privados de maneira ilícita. Essas fraudes em nada contribuem para a promoção da isonomia e da justiça social. Ao contrário, tais práticas criam verdadeiros guetos de fraude, prejudicando toda a sociedade”, alertou. 

Litigância abusiva no polo passivo – A conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Daniela Madeira, que integra o Centro de Inteligência do Poder Judiciário, destacou a importância da articulação interinstitucional para diferenciar as demandas repetitivas legítimas daquelas caracterizadas como litigância abusiva.

“Não é o tema da demanda que caracteriza a litigância abusiva. O que deve ser avaliado é se há desvio de finalidade no exercício do direito de ação, seja por meio de fraude, fracionamento indevido ou prática procrastinatória. Nosso objetivo é que o juiz analise o caso concreto e dialogue com todos os atores do sistema de Justiça, de forma a combater corretamente esse tipo de prática”, afirmou.

A conselheira também chamou a atenção para um fenômeno menos discutido, mas igualmente relevante: a litigância abusiva no polo passivo. Daniela citou como exemplo um caso analisado pelo Centro de Inteligência da Justiça Federal do Rio Grande do Norte (JFRN), que emitiu uma nota técnica sobre descontos previdenciários realizados por associações. 

Segundo ela, o levantamento revelou que esse tipo de demanda representava 23% de todo o acervo processual do Juizado Especial da JFRN, demonstrando o impacto expressivo desse padrão de litigância sobre o funcionamento da Justiça Federal na região.

Ainda segundo a conselheira, o Centro de Inteligência da JFRN identificou padrões recorrentes nesses processos e ficou evidente que os réus — as associações — não apresentavam justificativas adequadas para esses descontos. “Cerca de 60% das associações adotavam defesas genéricas e padronizadas, o que caracteriza uma atuação processual abusiva no polo passivo”, explicou.
O levantamento concluiu que, embora as ações ajuizadas pelos autores fossem demandas de massa, elas eram legítimas. O problema identificado estava no comportamento processual das associações, que, ao adotarem uma postura padronizada, pouco colaborativa e sem fundamentos específicos para cada caso, sobrecarregavam o Judiciário e comprometiam a efetividade da prestação jurisdicional.

Compromisso com a litigância responsável –Na sequência dos debates, a juíza auxiliar da Presidência do TJPR e coordenadora do Grupo Operacional do Centro de Inteligência da Corte, Jurema Carolina, apresentou as iniciativas adotadas para enfrentar a litigância predatória.

Entre as principais ações, ela destacou a criação de grupos de pesquisa voltados para entender as causas estruturais do fenômeno, o monitoramento contínuo e a prevenção de demandas abusivas pelos Centros de Inteligência, além da promoção de uma mudança cultural, por meio da elaboração de notas técnicas e orientações práticas que incentivam a litigância responsável.

“A litigância responsável é um compromisso coletivo. Não se trata de uma caça às bruxas, nem de restringir o exercício legítimo do direito de ação. O que está em pauta é como garantir que esse direito seja exercido de forma efetiva, ética e sustentável. Trata-se de proteger o Judiciário de um colapso silencioso, causado pela sobrecarga processual”, explicou a magistrada.

Litigância predatória na saúde – A supervisora do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde (Fonajus), conselheira Daiane Nogueira de Lira (CNJ), apresentou dados preocupantes sobre a judicialização da saúde no Brasil. Em 2024, houve um aumento de 6% nas ações relacionadas à saúde pública e de 27% na saúde suplementar em todo o país. No Paraná, os índices foram ainda mais expressivos: 60% de crescimento nas demandas envolvendo saúde pública e 46% na saúde suplementar, em comparação ao ano anterior.

Segundo dados do e-NatJus apresentados por Daiane, os assuntos mais demandados na Justiça Estadual do Paraná são autismo infantil e uso do canabidiol, temas que nacionalmente são foco de demandas abusivas. 

“Os dados do Paraná destoam da realidade nacional. Ou existe uma justificativa concreta para esse crescimento tão acentuado em apenas um ano, ou estamos lidando com um cenário de litigância abusiva no estado”, alertou Daiane.

A conselheira também chamou atenção para práticas que podem caracterizar litigância predatória no setor da saúde, como a solicitação simultânea de grandes quantidades de medicamentos ou tratamentos de longo prazo. Segundo Daiane, os magistrados precisam ter cuidado com esse tipo de processo e estarem atentos à possível relação com farmacêuticas e clínicas e ao ajuizamento de ações para pressionar pela inclusão de novos medicamentos e tratamento no SUS, o que configura fraude. 

O tema também foi abordado pelo vice-presidente da Rede D’Or e da SulAmérica, Pablo Meneses, que reforçou que a maioria dos médicos e das operadoras de planos de saúde atua de forma ética e responsável. “É fundamental distinguir a litigância responsável, que ocorre quando há falha da operadora, daquela que é abusiva e fraudulenta“, afirmou. Segundo ele, cada decisão judicial decorrente de demandas predatórias impacta diretamente no custo dos planos de saúde, afetando todo o sistema e, consequentemente, os usuários.

TEA e a litigância abusiva – O médico especialista em Gestão de Saúde Daniel Azevedo centrou a apresentação nos impactos da litigância predatória em processos relacionados ao Transtorno do Espectro Autista (TEA). Segundo ele, uma das principais dificuldades está na própria definição diagnóstica do transtorno.

“Existe uma enorme dificuldade no diagnóstico preciso do TEA, já que não há exames laboratoriais ou de imagem capazes de confirmar o autismo. O diagnóstico é clínico e, muitas vezes, subjetivo”, explicou.

Azevedo alertou que a judicialização desenfreada nesse campo traz riscos tanto para a saúde pública quanto para a saúde suplementar, especialmente quando envolve tratamentos que extrapolam os limites da medicina baseada em evidências.

“Toda prescrição médica voltada ao autismo deve buscar o equilíbrio entre a qualidade de vida da criança, a eficácia do tratamento e a segurança. O foco precisa ser na promoção da autonomia da criança, sem recorrer a terapias que não tenham respaldo técnico e científico”, reforçou.

Demandas abusivas contra o Banco Central –A procuradora do Banco Central Luciana Lima também participou da Caravana Nacional da Cooperação Judiciária e alertou para o crescimento expressivo de ações judiciais envolvendo o Sistema de Informações de Créditos (SCR) em diversos estados do país. Segundo ela, as ações têm como fundamento uma suposta ocorrência de dano à imagem do consumidor pela inclusão de dados no SCR.

“É fundamental esclarecer que o SCR não é um cadastro de proteção ao crédito, como SPC ou Serasa”, destacou. “Ele não tem relação com o Código de Defesa do Consumidor, mas está fundamentado em normas de direito econômico. Trata-se de um instrumento de supervisão utilizado pelo Banco Central para monitorar o sistema financeiro, e não de um cadastro negativo mantido por instituições financeiras”, explicou.

Luciana alertou ainda sobre um movimento de incentivo à litigância abusiva, impulsionado por plataformas digitais, nas quais advogados prospectam clientes oferecendo promessas de indenização por supostos danos morais, relacionados à inclusão no SCR. “Estar no SCR não significa estar com ‘nome sujo’ ou ter qualquer conotação negativa, como tem sido erroneamente divulgado por alguns profissionais da advocacia”, afirmou.

A procuradora reforçou ainda que o combate a esse tipo de judicialização indevida é essencial para evitar sobrecarga no Judiciário e proteger a integridade do sistema financeiro nacional.

Impacto no setor de telecomunicações –O encerramento do terceiro encontro da Caravana Nacional da Cooperação Judiciária ficou a cargo da diretora de Governança, Compliance e Estratégia Corporativa da Conexis Brasil Digital, Danielle Crema, que abordou os efeitos da litigância abusiva no setor de telecomunicações. 

Segundo a especialista, as demandas predatórias aumentam o custo das empresas de telecom e afetam a reputação do setor. 

“O nosso objetivo é identificar situações em que há indícios de litigância abusiva e apoiar o Poder Judiciário e o CNJ na instrumentalização de mecanismos de combate a esse tipo de conduta. Esse é o caminho que passa pelo diálogo e pela adoção de ações institucionais que ajudem a magistratura a exercer a prestação jurisdicional de forma efetiva.”

Problema nacional – O avanço das chamadas demandas predatórias tem mobilizado tribunais de todo o país. São processos movidos em massa, muitas vezes baseados em situações forjadas ou em interpretações distorcidas do direito, com o objetivo de obter vantagens indevidas. Além de sobrecarregar o Judiciário, essas ações geram custos significativos tanto para empresas quanto para o Estado.

Idealizada e realizada pela Revista Justiça & Cidadania, a Caravana Nacional da Cooperação Judiciária – “Como combater a litigância abusiva?” tem percorrido diferentes regiões com o objetivo de fomentar o intercâmbio de boas práticas, fortalecer redes de colaboração entre magistrados e criar estratégias conjuntas para enfrentar o problema.

“O evento em Curitiba foi mais um passo nessa jornada, reforçando nosso objetivo de contribuir para o aperfeiçoamento constante do Sistema de Justiça. Acreditamos que promover diretrizes eficientes, sensibilizar magistrados, advogados e equipes jurídicas e qualificar o debate sobre litigância abusiva são passos fundamentais para garantir uma Justiça mais eficiente, célere e, acima de tudo, justa para todos”, destacou o presidente e editor-executivo da Revista Justiça & Cidadania, Tiago Santos Salles. 

A Caravana ainda seguirá viagem por diversas outras regiões, incluindo Amazonas, Alagoas, Bahia, São Paulo, Goiás e Minas Gerais. A iniciativa conta com o apoio institucional da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), do Centro de Inteligência do Poder Judiciário e do Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Saúde (Fonajus), ambos vinculados ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). 

Confira os melhores momentos da Caravana Nacional da Cooperação Judiciária – edição em Curitiba/PR no nosso perfil no Instagram e assista ao evento na íntegra no YouTube.

Conteúdo relacionado:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *