
Em Recife, evento debateu os desafios do enfrentamento das demandas abusivas
A Revista Justiça & Cidadania realizou, em abril, o segundo encontro da Caravana Nacional da
Cooperação Judiciária, na sede da Escola Judicial de Pernambuco (Esmape), em Recife/PE. Com o objetivo de auxiliar no combate à litigância abusiva, a Caravana contou com a presença de magistrados, de chefes de gabinete e de assessores jurídicos que atuam nos diversos tribunais do país.
O presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJPE), desembargador Ricardo Paes Barreto, realizou a abertura do encontro e lembrou que o estado de Pernambuco é protagonista do combate à litigância predatória com o desenvolvimento de uma plataforma exclusiva. “A equipe do TJPE desenvolveu o robô Bastião, ferramenta de inteligência artificial que procura, identifica e apresenta à magistratura, os feitos que aparentam ser litigância predatória, facilitando, com muita velocidade, a identificação e a extinção desses processos.”
Tema 1198 do STJ –Presente no evento, o corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell Marques, destacou que o combate à litigância predatória não tem como objetivo tolher a atividade da advocacia ou impor barreiras de acesso ao Judiciário.
“Nós estamos aqui para que haja um filtro constitucional para o Judiciário nacional, que já é recordista com números impensáveis de processos. Um Judiciário que tem mais de 80 milhões de ações em tramitação para 18 mil juízes. Isso não é algo razoável.”
O ministro também ressaltou a importância da fixação de tese no Tema 1198 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A Corte Especial do STJ definiu, em março, que “constatados indícios de litigância abusiva, o juiz pode exigir, de modo fundamentado e com observância à razoabilidade do caso concreto, a emenda da petição inicial, a fim de demonstrar o interesse de agir e a autenticidade da postulação, respeitadas as regras de distribuição do ônus da prova”.
“Foi uma tarde memorável na Corte Especial do STJ, que é um órgão do tribunal mais complexo de se firmar consenso. Mas, posso assegurar que todos os ministros se acordaram para que nós firmássemos a tese. E quem sabe profilaticamente induzir que a jurisdição seja corretamente usada e prestada pelas juízas e juízes deste país.”
Norte do combate à litigância abusiva –A conselheira Daniela Madeira, que integra o Centro de Inteligência do Poder Judiciário do CNJ, também participou da mesa de abertura e falou sobre a importância dos Centros de Inteligência do Poder Judiciário, que estão presentes nos tribunais de justiça, nos tribunais federais e nos trabalhistas, e que são responsáveis por gerenciar precedentes, monitorar demandas repetitivas e prevenir conflitos.
Segundo a conselheira, os Centros atuam em conjunto por meio das Redes de Inteligência, com o objetivo de editar notas técnicas e identificar demandas predatórias. Daniela destacou, ainda, que a Recomendação no 159/2024 do CNJ teve como objetivo trazer um norte para os magistrados conseguirem verificar e prevenir a litigância abusiva.
“É importante pontuar que há de ser verificado o desvio de finalidade social ou econômica no exercício do direito de ação em casos de litigância abusiva. Não é o fato de um advogado ter várias ações que configura uma demanda abusiva. É um conjunto de fatos que devem ser analisados. O importante é separar uma demanda repetitiva e abusiva de uma demanda repetitiva e lícita”.
A vice-diretora geral da Esmape, desembargadora Daisy Maria de Andrade, também compôs a mesa de abertura. Já o diretor-geral da Enfam, ministro Benedito Gonçalves, que gravou um vídeo para ser exibido no evento, disse que combater a litigância abusiva no Brasil é essencial para garantir a eficiência, a racionalidade e a integridade do sistema judiciário. “Magistrados e assessores jurídicos precisam estar preparados para identificar as características da litigância abusiva e aplicar as técnicas e boas práticas para combatê-las. Precisamos todos nos conscientizar e compreender os prejuízos que essa prática causa à prestação jurisdicional, dificultando o acesso à Justiça para aqueles que realmente necessitam.”
Inteligência artificial e a litigância abusiva –Na sequência, o coordenador da Governança de Dados do TJPE, juiz José Faustino Macedo, concentrou a apresentação no uso da inteligência artificial para combater a litigância abusiva. Macedo citou a experiência do TJPE com o robô “Bastião”, ferramenta lançada em 2023 e que analisa o fluxo de tramitação dos feitos, o comportamento das partes e o reuso de documentos para identificar demandas abusivas e repetitivas.
Segundo Macedo, a ferramenta indicou 416 mil processos com potencial abusivo em tramitação no TJPE, ou seja, 60% do acervo processual. Somente nos últimos 12 meses, o robô Bastião identificou e rotulou 45 mil ações como potencialmente abusivas. “Nós também precisamos falar sobre o futuro. Precisamos universalizar o uso do Bastião no sentido nacional. Na Corregedoria Nacional de Justiça, estamos dentro do projeto PDPJ Conecta para trazer o Bastião para a Plataforma Nacional do Poder Judiciário.”
O juiz da Vara Única de Saloá Rômulo Bastos afirmou que a principal característica das ações de litigância abusiva é a ausência de parte autora. “Essas ações sem parte estão acabando com a capacidade de processamento de trabalho da magistratura brasileira, principalmente nos rincões dos estados pobres. As ações de litigância abusiva não podem e não merecem ter a energia do sistema de justiça. O que se postula, portanto, é a assunção do juiz brasileiro no enfrentamento dessas ações predatórias.”
Fraudes na saúde suplementar –O vice-presidente da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), Pablo Meneses, apresentou o quadro de litigância abusiva no segmento da saúde suplementar e ressaltou a importância do combate às fraudes, que geram alta sinistralidade e, por consequência, o aumento dos preços de planos de saúde.
“Quanto mais caro o plano, menos pessoas terão acesso a ele. E quando as pessoas não têm acesso ao plano de saúde, elas terão de ir para o SUS, e o sistema fica sobrecarregado. Esse é o ciclo vicioso da litigância abusiva e das fraudes no setor de saúde suplementar.”
Segundo o especialista, os consumidores também devem estar atentos. “A litigância abusiva impacta fortemente tanto o setor econômico quanto o setor público brasileiro, especialmente na saúde suplementar. É fundamental que as companhias cumpram o que foi contratado e que os consumidores estejam atentos, pois muitas vezes são vítimas de práticas indevidas por uma minoria de profissionais. Esse tipo de conduta eleva os custos da saúde privada e sobrecarrega também o sistema público de saúde,” explicou Meneses.
Litigância abusiva e o setor bancário – Na sequência, o diretor jurídico da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Luis Vicente De Chiara, expôs o impacto da litigância abusiva no sistema financeiro. Segundo ele, há mais de 700 mil ações ajuizadas contra instituições financeiras concentradas em pouco mais de dez advogados. Chiara também apresentou o panorama no Estado de Pernambuco, com mais de 12 mil ações identificadas como predatórias e 80% de média de improcedência.
“O setor bancário tem a responsabilidade de atacar a litigância em massa e sempre fornecer o melhor serviço para o cliente. Por outro lado, temos a questão da demanda abusiva, que não deveria concentrar nossos esforços. Mas, infelizmente, a gente tem que se dedicar a essa questão.”
Demandas predatórias no segmento de telecomunicações –O coordenador jurídico da Conexis Brasil Digital, Jonathan Palhares, também falou sobre a diferença entre a litigância abusiva e a litigância de massa. Palhares afirmou que a maior parte das ações abusivas no setor de telecomunicações versam sobre desconhecimento de contratação, negativações indevidas e cobranças questionadas pelos clientes.
“Para combater a litigância abusiva, é muito importante ser realizado o monitoramento rigoroso da distribuição das ações. E nós temos, aqui, a oportunidade de debate para poder pensar e adotar estratégias e soluções em conjunto com os centros de inteligência dos tribunais que fazem o monitoramento desse tipo de ação. É a melhor maneira de conseguirmos evoluir cada vez mais nesta temática.”
Papel da advocacia –A ouvidora-geral da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Pernambuco (OAB-PE), Renata Berenguer, concentrou a apresentação na ótica da advocacia sobre a litigância abusiva. Renata afirmou que o principal pilar da OAB no combate à litigância predatória é o processo disciplinar. Segundo a ouvidora-geral, o Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PE é responsável “por separar o joio do trigo”, ao julgar e aplicar suspensões disciplinares, penalidade máxima aplicável em casos de litigância abusiva.
“A OAB enxerga a litigância abusiva como um problema que também é da advocacia brasileira. É sempre bom ressaltar esse ponto, porque muitos estão abraçando a pauta. Essa demanda predatória de litigância abusiva infelizmente é um problema maior, é um tema da sociedade e do Judiciário.”
A Caravana Nacional da Cooperação Judiciária conta com o apoio institucional da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), do Centro de Inteligência do Poder Judiciário e do Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Saúde (Fonajus), ambos vinculados ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).






