Breve reflexão sobre a pandemia e as relações de emprego

20 de maio de 2021

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O Estado brasileiro passa por dificuldades, o que é do conhecimento de todos, especialmente nas medidas e ações para o combate à crise sanitária provocada pela covid-19.

Sabe-se que ao longo da sua história o Estado avançou e essa evolução significou o aperfeiçoamento das instituições, inclusive com a valorização da participação do cidadão nas deliberações de interesse comum. Por certo que a sociedade avança, se desenvolve; por isso, pode-se dizer que o Estado Democrático de Direito pode responder positivamente aos novos desafios impostos a humanidade. Este modelo de Estado valoriza o cidadão e concede-lhe mecanismos para que seja respeitado e possa buscar a valorização da sua vontade, especialmente porque cabe ao Poder Judiciário implementar o respeito aos direitos dos cidadãos.

Da mesma forma, a proteção dos direitos laborais experimentou grande avanço com a constitucionalização dos direitos sociais, assegurando-se proteção estatal aos direitos humanos dos trabalhadores, que devem prevalecer para que se cumpra o mandamento constitucional que oferece dignidade à pessoa humana.

Entretanto, em que pesem as promessas do Estado de garantir emprego, salário compatível e boas condições de trabalho, inúmeras dificuldades são encontradas. Não bastassem as crises do Estado, vê-se o capital interferindo e fazendo prevalecer a sua vontade, antes mesmo dos direitos dos trabalhadores assegurados constitucionalmente, quando deveria haver um justo equilíbrio nessas relações.

A crise provocada pela pandemia da covid-19 agravou ainda mais a situação, com o aumento do desemprego, fechamento de empresas, redução de jornada de trabalho, de remuneração, e o crescimento do teletrabalho. Ademais, percebe-se a fragilização da proteção social, adoecimento e morte de milhares de pessoas, e ataques às instituições.

Várias mudanças aconteceram no Direito individual, coletivo ou processual do trabalho impostas pela pandemia do coronavírus, pelo isolamento social necessário e pelo Decreto Legislativo nº 6, que declarou a situação de calamidade pública no Brasil, até o final de 2020.

O trabalho sofreu e sofre ampla transformação, já não tem um espaço físico definido para ser executado, sendo em grande medida prestado em teletrabalho, com todas as consequências negativas que pode trazer para a saúde dos trabalhadores.

No Poder Judiciário igualmente houve uma grande mudança, com os magistrados e servidores trabalhando de suas residências. O Judiciário não parou, e continuou atendendo os cidadãos, sempre com o cuidado de preservar a vida dos operadores do Direito, das partes e testemunhas. Os julgamentos telepresenciais se tornaram uma realidade presente na vida dos cidadãos. Mesmo com dificuldades tecnológicas, dificuldades de conexão, colheita da prova de forma isenta, foi possível dar andamento aos processos, com a realização das audiências.

Certo é que todos devem participar desse esforço mundial para controle da pandemia. As empresas podem e devem participar dessa luta coletiva de combate ao coronavírus, cientes da importância de sua função social. Os empregados da mesma forma, precisam cumprir rigorosamente as normas de higiene e prevenção na luta contra a covid-19.

Do ponto de vista legislativo, as Medidas Provisórias editadas durante a pandemia no ano de 2020, mostraram-se insuficientes para atendimento da sociedade brasileira, pois não atenderam todas as necessidades básicas dos trabalhadores, fragilizando ainda mais os direitos sociais.

Pode-se destacar para fins trabalhistas as Medidas Provisórias nº 927 e nº 936, editadas durante a pandemia, entre outras. A MP nº 927, que dispunha sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus teve seu prazo de vigência encerrado em 19/07/2020, eis que não houve votação no Senado Federal.

Por sua vez, a Medida Provisória 936, transformada na Lei nº 14.020/2020, institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, foi editada como uma iniciativa de socorro emergencial para as empresas e trabalhadores nessa crise provocada pela pandemia do coronavírus, em que todos estão sofrendo, com sérios prejuízos a vida das pessoas e a economia. Se por um lado, a medida traz efetivamente um apoio, não é menos verdade que se tratou de uma ajuda insuficiente, que poderia ter sido melhorada e adequada a realidade.

Além do mais, o que se observa da realidade, é que a norma provisória editada não trouxe as soluções necessárias para a manutenção dos empregos, pois o desemprego aumentou consideravelmente desde então. O socorro governamental, portanto, mostrou-se insuficiente para atender as necessidades mais prementes, tanto para os empregadores manterem os postos de trabalho e os seus empreendimentos, quanto para os empregados.

Novas medidas provisórias foram finalmente editadas, e embora com o atraso, são instrumentos importantes. Observe-se que a crise vem se agravando, aumentando as necessidades de um número cada vez maior de brasileiros. O Governo Federal demorou para agir e conceder ajuda aos trabalhadores e aos necessitados. O Estado de calamidade findou em 31 de dezembro de 2020 e deveria ter sido prorrogado, pois a pandemia se agravou ainda mais, mas não foi. É necessário também um programa de ajuda a todos aqueles que estão fora do mercado de trabalho, aos informais.

Somente em 28 de abril de 2021 foram editadas duas novas Medidas Provisórias, que repetem praticamente o texto das antigas Medidas Provisórias nº 927 e nº 936, está transformada na Lei nº 14.020/2020. Trata-se das MPs nº 1.045 e nº 1.046. É necessário que se diga que essas medidas provisórias recentemente editadas continuam não sendo a melhor opção para a sociedade brasileira, eis que repisam as normas editadas anteriormente, sem acréscimos em benefícios.

Em que pese todas essas deliberações desse chamado Direito do Trabalho pandêmico, deve se buscar o melhor para as relações entre o capital e o trabalho. Por sinal, esse trabalho digno, valorizado pela justa remuneração, assegurado a todos os trabalhadores, o apoio a todas as empresas neste momento de grave dificuldade, vai permitir o cumprimento dos princípios constitucionais da valorização da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho, fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito.

A Justiça do Trabalho segue com sua eficiência comprovada, com sua produtividade e celeridade dos julgamentos, com quantidade expressiva de conciliações e satisfações das execuções. Para a continuidade desse histórico exitoso e permanente aperfeiçoamento, é necessário o fortalecimento da Justiça do Trabalho, com o cumprimento da sua atuação enquanto Justiça Social, sendo a valorização dos seus membros peça fundamental e indispensável para o alcance desses propósitos.

Importante ressaltar que o trabalho realizado pela Justiça do Trabalho durante a pandemia se revestiu de grande valia para a sociedade brasileira. Decisões assegurando o ambiente laboral sadio, com proteção aos trabalhadores, contribuíram para ajudar no controle da pandemia e visaram garantir a própria saúde dos obreiros. Outras decisões propiciaram a entrega e ou distribuição de insumos e ou recursos para entidades hospitalares que atuam na cura da doença. Trabalho executado com competência e agilidade, cumprindo com sua missão constitucional.

Diante da atuação vigorosa da Justiça Social durante a pandemia, pode se perceber o quanto ela é fundamental para a sociedade brasileira. Os benefícios propiciados por ela são incontáveis, e é justo que tenha o devido reconhecimento. Por isso, é cada vez mais necessária a manutenção da sua competência, nos exatos termos do art. 114 da Constituição Federal, como forma de se equilibrar a relação capital e trabalho, com a preservação da dignidade da pessoa humana, como preceito fundamental, assegurado pela Constituição.

Do que foi dito, restou muito clara a preocupação que se deve ter com o cumprimento da Constituição, com a concreção de direitos estabelecidos no Estado Democrático de Direito, com a constitucionalização dos direitos laborais e a aplicação direta da própria Constituição quando houver lacuna ou omissão da legislação infraconstitucional, com a produção de perspectivas favoráveis ao desenvolvimento das relações laborais, conjugado com a valorização da Justiça do Trabalho e a preservação da sua competência. Assim, se poderá atravessar esses período de crise sanitária, com mais justiça e bem comum, em benefício de toda a comunidade.