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A minha ferramenta é a Constituição da República

5 de julho de 2001

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Supremo Tribunal Federal decidiu por oito votos contra dois (os ministros Marco Aurélio e Nery da Silveira foram os votos vencidos) manter o corte do serviço e a cobrança da sobretaxa, medidas previstas no programa de racionamento de energia elétrica do governo. O aval do STF ao plano foi considerado por todos como uma decisão política amplamente rechaçada pelo Presidente da Corte que ao ironizar o resultado, disse: “A maioria sempre tem razão. Os dois vencidos e que estão errados”.

Com o julgamento a favor do governo, as distribuidoras de energia elétrica passam a ter amparo jurídico para impor cotas de consumo aos clientes, cobrar tarifas especiais de até 200% no caso de descumprimento das metas de economia e cortar o fornecimento de energia na hipótese de reincidência do descumprimento das metas. Nenhum consumidor, a não ser nos casos especiais do programa de racionamento, poderá deixar de cumprir metas, sob risco de pagar tarifas elevadas e de sofrer cortes de fornecimento.

Não estão mais valendo as decisões de juízes e Tribunais que suspendem o plano com base na inconstitucionalidade do sistema de cotas, tarifas especiais e cortes punitivos. O julgamento do STF suspendeu todas as liminares e decisões que antes deixavam os consumidores imunes ao programa de racionamento.

Os juízes e Tribunais de todo o país não podem mais conceder liminares ou tomar novas decisões que entrem em contradição com o entendimento do STF. Todas as ações que questionavam a constitucionalidade do sistema de cotas, tarifas especiais e cortes não podem mais ser julgadas.

Os consumidores podem questionar o cálculo da meta imposta pelas distribuidoras, mas não a sua constitucionalidade. As pessoas podem ingressar na justiça reclamando que a distribuidora fixou um valor errado como meta, mas não podem argumentar que não cumprirão a meta porque ela é inconstitucional.

Os consumidores podem continuar usando o Código de Defesa do Consumidor para reclamar dos serviços das distribuidoras, como no caso de danos a equipamentos por falhas de fornecimento, mas não terão sucesso se usarem o Código para tentar escapar de cotas, cortes e tarifas altas – medidas que foram consideradas constitucionais pelo Supremo.

Os consumidores podem ir a Justiça reclamar perdas e danos provocados pelas distribuidoras se os cortes forem feitos fora das regras do programa de racionamento. Ou seja, se a pessoa sofrer corte apesar de ter cumprido a meta ou teve o fornecimento suspenso por prazo superior ao previsto pelo programa de racionamento, poderá pedir indenização.

Votos Vencidos

O ministro Nery da Silveira, que foi o relator da matéria, em seu voto contrário defendeu a tese de que a população já aderiu ao racionamento e que as medidas de punição, além de desnecessárias, não teriam amparo legal.

O presidente do STF, ministro Marco Aurélio Mello, o outro voto vencido, criticou a opção do eleitorado brasileiro pela permanência de Fernando Henrique na Presidência da Republica. Condenando o instituto da reeleição, o presidente do STF disse que a população não pode ser responsabilizada por eventual fracasso do programa de racionamento, “o usuário passa a ser o bode expiatório”, disse o ministro acrescentando que as pessoas passam a ser responsáveis pela crise.

Disse, ainda, o ministro Marco Aurélio ser favorável a alternância no Poder e contra a reeleição. Considerou, também, que a sobretaxa para os consumidores que não atingirem a meta da redução do consumo representa na pratica um empréstimo compulsório.

Travando um debate com o ministro Nelson Jobim, um dos principais defensores do governo, o presidente do STF o acusou de votar “sociologicamente”, afirmando: ” A minha ferramenta é outra, é esse livrinho, a Constituição Federal”.

O resultado do julgamento surpreendeu o ministro Marco Aurélio que ao proferir o seu voto, disse ainda ter imaginado que o Tribunal ficaria dividido. E, ainda acrescentou: “Não vou abandonar a Constituicão para tentar corrigir um mal maior, que é o problema da distribuição da riqueza”.

Ainda durante a discussão, o ministro Nery da Silveira considerou que o corte viola a Constituição porque o fornecimento de energia é um serviço essencial que tem de ser ininterrupto. “Os órgaos públicos são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e contínuos”, disse o ministro relator.

CASTIGO RETROATIVO

A decisão do Supremo Tribunal Federal vai atingir o bolso do consumidor que não obteve o percentual de economia exigido pelo governo a partir do dia 4 deste mês. Quem não conseguiu ou não quis economizar energia não tem escapatória: terá de pagar as supertarifas pelo excesso de consumo registrado em junho ainda que durante esse período estivessem valendo as liminares que impediam a cobrança dessas tarifas elevadas. Ou seja, haverá cobrança retroativa.

Segundo o presidente do Supremo, Marco Aurélio Mello, aquele consumidor que deixou de economizar e apostou nas liminares corre o risco de receber uma conta bem mais salgada no futuro. “As liminares somem do mundo jurídico e seus efeitos cessam, como se elas nunca tivessem existido”, diz Marco Aurélio.

Um exemplo ilustra o que vai acontecer com muita gente. Quem só podia gastar ate 160 quilowatts-hora (kWh) para cumprir a meta de 20% de economia e consumiu 200 kWh estará sujeito a cobrança da tarifa especial de 50% sobre o excesso. Ou seja, pagará 50% a mais pelos 40kWh que ultrapassaram a meta. Mesmo que a conta do consumo de junho já tenha chegado, sem contabilizar as tarifas especiais, elas poderão ser embutidas na fatura referente ao consumo de julho, por exemplo.

A votação no Supremo

Dos 11 ministros que compõem o Supremo Tribunal Federal, 10 participaram da histórica sessão que considerou constitucional o plano de racionamento de energia do governo.

Votaram a favor, os ministros Nelson Jobim, Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Moreira Alves, Sidney Sanches, Maurício Correa, Carlos Veloso e Ellen Gracie. Contra, os ministros Marco Aurélio Mello, presidente da Corte e Nery da Silveira. O ausente foi o ministro Ilmar Galvão que estava na Bélgica.