A gestão de conflitos empresariais e o papel do magistrado

10 de abril de 2025

Roberto Portugal Bacellar Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná / Diretor-Geral da Escola Judicial do Paraná

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A litigiosidade empresarial no Brasil reflete uma cultura jurídica predominantemente adversarial que sobrecarrega o Poder Judiciário e impacta o setor produtivo. Em 2023, o país acumulava cerca de 84 milhões de processos judiciais, evidenciando-se a necessidade de soluções alternativas mais ágeis e eficazes. Esse cenário compromete a eficiência do sistema e gera impactos econômicos expressivos, pois a morosidade das decisões judiciais pode desestimular novos investimentos e comprometer a segurança jurídica das relações comerciais.

Diante desse panorama, é essencial repensar o papel do magistrado para além da função tradicional de julgador, para que atue como um gestor do conflito, incentivando métodos autocompositivos que respeitem a autonomia das partes e promovam soluções sustentáveis. A abordagem da provenção de litígios surge como ampliação dessas possibilidades, propondo visão proativa e pedagógica na gestão dos conflitos empresariais. 

Assim, em vez de se limitar à resolução pontual de controvérsias, a provenção busca tratar as causas subjacentes dos conflitos, prevenindo sua escalada e promovendo um ambiente de maior segurança jurídica, menos instável e menos imprevisível.

A cultura da sentença e os métodos consensuais – O modelo judicial brasileiro prioriza a sentença como única via legítima de solução de litígios, reforçando um habitus adversarial. Esse modelo cria uma cultura de judicialização excessiva e subutiliza instrumentos mais eficazes, como a mediação, a conciliação e as práticas restaurativas. Embora a Resolução no 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tenha estabelecido os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs), incentivando métodos consensuais como a mediação e a conciliação, ainda há, por força do habitus, significativa resistência (cultura da sentença) no sistema judiciário.

Essa resistência reflete-se, inclusive, na percepção dos empresários. Embora 65% dos entrevistados em pesquisa empírica tenham demonstrado preferência por soluções extrajudiciais, apenas 30% afirmaram conhecer suficientemente esses mecanismos. Além disso, juízes e advogados veem a mediação e a conciliação como etapas burocráticas (ritos de passagem) e não como estratégias eficazes para o tratamento dos conflitos. Essa visão distorcida e focada na dependência do Estado e que afeta todos os envolvidos no processo (partes e profissionais atores do campo judiciário) prejudica e delonga a implementação da cultura da pacificação e perpetua a ideia de que a litigiosidade e as soluções adjudicadas são o melhor caminho.

Outro desafio está na formação jurídica, que ainda enfatiza como prioritária a solução adjudicada e não estimula a emancipação das partes, não incentiva a negociação e a dialogia como caminhos preferenciais. Dessa forma, a transição do modelo sentencial para o modelo colaborativo (não adversarial) exige maior capacitação dos operadores do direito e mudança estrutural na forma como o sistema judiciário lida com os conflitos empresariais. Tribunais e escolas de magistratura e escolas judiciais devem investir em formação contínua sobre métodos consensuais, capacitando juízes e servidores para atuar de forma sistêmica, com visão qualificada que vá além das disputas dialéticas, do silogismo e do resultado ganha/perde.

A visão sistêmica e a abordagem exlética – A complexidade dos conflitos empresariais exige novas abordagens para seu encaminhamento e seu tratamento. A visão sistêmica propõe que os litígios sejam analisados dentro de contexto mais amplo, considerando fatores econômicos, organizacionais e regulatórios. Uma abordagem superior à abordagem dialética é a dialógica ou exlética, que incentiva soluções criativas e colaborativas rompendo com a dicotomia do ganha-
perde, característica dos litígios judiciais.

Ao integrar essas perspectivas, é possível fortalecer práticas de negociação e mediação, ampliando as possibilidades de tratamento, encaminhamento e resolução de conflitos, promovendo ambiente empresarial mais seguro e resiliente. A provenção de litígios não se limita à prevenção, e mais do que só prevenir (conter), busca educar para o conflito, levantando, descobrindo e identificando as causas estruturais, as interconexões, a fim de permitir, passo a passo, a gradual eliminação dos efeitos nocivos. Esse novel modelo permite que empresários e gestores desenvolvam postura mais ativa na administração e resolução de controvérsias, enfrentando-as de maneira qualificada e sistêmica, o que, uma vez adequadamente adotado, provenirá (de prevenção-pró) litígios e custos desnecessários.

A experiência internacional tem demonstrado que abordagens mais flexíveis na gestão de conflitos empresariais podem levar a soluções mais eficazes e sustentáveis. Nos Estados Unidos e na União Europeia, por exemplo, programas de mediação empresarial reduziram substancialmente a litigiosidade e os custos processuais. Já no contexto brasileiro, a Resolução no 325/2020 do CNJ estabeleceu a desjudicialização como um dos macrodesafios do Judiciário para o período 2021-2026, reforçando a necessidade de ampliar a adoção de métodos consensuais.

O magistrado como gestor dos conflitos empresariais – Para que o sistema de justiça cumpra sua função pacificadora, o magistrado precisa atuar como facilitador das conversas (espaço dialógico), incentivando a adoção de encaminhamentos que possam resultar em soluções consensuais. No entanto, essa ressignificação do papel do juiz implica: (i) diagnósticos prévios e triagem de casos nos Cejuscs, permitindo o encaminhamento adequado para múltiplas portas de tratamento resolução de conflitos (mediação, conciliação, negociação e justiça restaurativa); (ii) capacitação contínua de magistrados e servidores para o desenvolvimento de habilidades em gestão de conflitos e métodos autocompositivos, e (iii) adoção de políticas institucionais que valorizem a pacificação e a redução da litigiosidade.

Essas ações são importantes, pois 60% dos juízes reconhecem a eficácia da mediação e conciliação na diminuição de litígios, mas apenas 40% encaminham processos empresariais para esses métodos. Mais de 70% dos magistrados entrevistados afirmaram que o incentivo à conciliação deve ser reforçado por políticas institucionais dos tribunais. Assim, esses dados reforçam a necessidade de mudança de mentalidade dentro do próprio Judiciário.

A atuação do magistrado, na gestão de conflitos empresariais, deve ser ressignificada, adotando-se abordagem mais ativa e pedagógica, na qual os métodos consensuais sejam ofertados como adequada estratégia processual para solucionar conflitos. Essa mudança, criteriosamente implementada, beneficia tanto o Poder Judiciário quanto o setor empresarial, ao reduzir despesas, agilizar a tramitação processual e fortalecer a efetividade e a segurança jurídica.

Para além disso, o papel do advogado também precisa ser reconfigurado. Em vez de um profissional que apenas litiga em prol da sucumbência da parte adversária, o advogado pode atuar como agente estratégico da resolução de conflitos, orientando os clientes sobre os benefícios das soluções consensuais e participando ativamente da construção de acordos equilibrados e sustentáveis. Para isso, o advogado precisa ser igualmente ou até mais bem remunerado quando triunfar conjuntamente com a outra parte na construção de uma solução consensual (ganha/ganha).

A ressignificação do papel do magistrado, importante ator do campo judiciário, o estímulo a uma visão sistêmica por parte dos profissionais do direito e a conscientização dos empresários sobre os variados caminhos de administrar seus conflitos, proporciona a adequação do sistema de justiça para o enfrentamento de questões complexas. A adoção de métodos consensuais não é só alternativa secundária, mas, também, uma estratégia prioritária para reduzir (e até provenir) a litigiosidade e fortalecer a segurança jurídica e a efetividade.

A transição para uma cultura da paz exige investimentos em formação, capacitação, reformulação de políticas institucionais e maior conscientização do setor empresarial sobre as possíveis vantagens dos métodos consensuais. Somente assim será possível construir um sistema de justiça mais ágil, acessível e eficiente, alinhado ao princípio constitucional unificador e ao propósito maior que é o da solução pacífica das controvérsias.

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