Edição 21
A Ação Monitoria – Artigo 1.102 a.b. e c. do Código de Processo Civil, introduzido pela Lei n° 9.079, de 14.07.95
5 de dezembro de 2001
Wilson Marques Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
INTRODUÇÃO
Ação monitória se insere dentro do contexto das chamadas tutelas jurisdicionais diferenciadas, assim entendidas aquelas que visam alcançar a efetividade do processo de forma mais completa possível, nos casos em que os instrumentos tradicionais nao sao capazes de proporcionar os efeitos desejados.
Com as tutelas jurisdicionais diferenciadas, atinge-se o resultado visado por dois diferentes caminhos:
Primeiro: Através da criação dos instrumentos mais efetivos a soluçao da lide Assim: v.g., o mandado de segurança, a ação popular, o habeas data, o mandado de injunção, o habeas corpus, a ação civil publica, etc. etc.
Segundo: Mediante criação de mecanismos de agilização da prestação jurisdicional: juizados especiais, tutela antecipada (artigos 273, 461, parágrafo 3°, etc, etc.)
Como anota Cruz e Tucci, “dentre essas especies de tutela jurisdicional diferenciada, visando, em ultima analise, a obtenção de prestação jurisdicional eficaz, tem granjeado acentuado relevo na atualidade o emprego da técnica do procedimento monitório ou injuntivo…” “e isso porque o procedimento monitório responde ao reclamo de tutelar prontamente o direito subjetivo do credor desprovido de titulo executivo, sem que seja necessaria a submissao de sua pretensao a previo processo de conhecimento” (A Ação Monitória, pagina 18 )
” A tecnica do procedimento monitório – acrescenta o mesmo autor – inserido na tipologia da tutela jurisdicional diferenciada (sumaria, nao cautelar), desde os seus antecedentes mais remotos, visa a neutralizar o lapso de tempo intercorrente entre o início do processo e a sentença” (op. cit. pagina 21)
Sobre o fascinante tema da tutela jurisdicional diferenciada há obras que se tomaram clássicas, tanto na Itália (Andrea Proto Pisani “Sulla tutela giurisdizionale differenziata”) como no Brasil (Donaldo Armelin: “Tutela Jurisdicional Diferenciada”).
ORIGENS
Como informa Chiovenda, citado por Carreira Alvim, para determinados creditos, nao constantes de documentos, estabeleceu-se, no direito medieval italiano, o uso de nao citar em juízo o devedor, mas de obter diretamente do juiz a ordem de prestação que ensejava a execução, isto é, o mandatum ou praeceptum de solvendo, que era acompanhado e justificado pela clausula de que, se o devedor se propusesse a alegar exceções, podia opô-las dentro de certo prazo.
Eis ai a mais remota origem da ação monitória, que, até hoje, tem essas mesmas características e finalidades.
A ação de assinação de dez dias, ou açao decendiária, introduzida no velho direito portugues, pelas Ordenações Manoelinas, e no direito brasileiro, pelo Regulamento 737, de 25 de outubro de 1850, descende desse procedimento monitório medieval italiano.
Nesta ação – de assinação ou decendiária – o réu era citado para, em dez dias, pagar ou apresentar quitação da divida, ou, então, apresentar embargos que o relevassem da condenação.
No direito moderno, os processos monitórios basicamente se dividem em dois grandes grupos: o do processo monitório documental, que exige que o direito do autor se funde em documentos – o Mandatsverfahren do direito austriaco – e o do processo monitório nao documental, que nao o exige – o Mahnverfahren – do direito alemão e austriaco e o Rechtsbot do direito suiço.
O nosso processo monitório, como veremos mais a frente, é do tipo documental Mandatsverfahren – mas se aproxima muito mais do modelo italiano do que do austríaco.
Com efeito, enquanto no modelo austríaco o processo monitório somente pode ter por base atos públicos ou escrituras particulares autenticadas, no modelo italiano e brasileiro o processo monitório e o de injunção podem fundar-se em “qualquer prova escrita” , o que em muito alarga o seu campo de aplicação.
CARACTERÍSTICAS GERAIS
Sao caracteristicas comuns a todos os tipos de processo monitório: a) a expedição de ordem de prestação inaudita altera parte, mediante cognição apenas sumaria; b) a possibilidade de ulterior oposição do réu, o que torna a ordem destituída de valor, porque expedida na suposição de que o devedor nada tinha a opor a pretensão do credor. ; c) a possibilidade de a ordem se tornar definitiva, possibilitando a execução.
CONCEITO DA AÇÃO MONITÓRIA DO DIREITO BRASILEIRO
A açao monitória, tal como regulada entre nós, é o instrumento destinado a abreviar a formação de titulo executivo, posto, pela lei, a disposição de credor de soma de dinheiro, de coisa fungível ou de bem móvel, comprovados com prova escrita, desprovida de eficiência de titulo executivo.
Trata-se de um atalho que o credor pode utilizar para chegar mais depressa a execução forçada.
Nao e razoavel que aquele que dispõe de prova escrita da existencia da obrigação - uma carta, um telegrama, um vale, etc. etc. – tenha que submeter-se as agruras do processo de conhecimento comum, exatamente como aquele que da obrigação nao dispoe de prova alguma.
Entre a ação de conhecimento, de procedimento ordinário, sempre demorada, e a ação de execução, rápida, porque, com ela, parte-se, desde logo, para a pratica de atos materiais concretos tendentes a tornar efetivo o direito do credor, havia, entre nós, um vazio, representado por aquela situação do credor provido de prova escrita da existencia da obrigação, que nao podia entrar com ação de execução, porque nao dispunha de titulo executivo, mas de quem nao era razoavel exigir que percorresse o longo caminho da ação de conhecimento, de procedimento ordinario, dispondo, como dispunha, de prova escrita da existência da obrigação.
Dai permitir-lhe a lei, por meio da ação monitória, a abreviação do procedimento e a formação do titulo executivo com maior rapidez.
Nao obstante, nao e obrigatório o uso do instrumento que a lei põe ao alcance do interessado, para aquele fim.
Se achar melhor o caminho comum do processo de conhecimento, o credor podera utilizá-lo, sem nenhum problema.
Como a finalidade da lei é a de possibilitar a formação de titulo executivo, com maior brevidade, é óbvio que ficam excluídas da tutela monitória todas as pretensões a mera declaração a constituição de situação jurídica nova, pois, como e sabido e ressabido, as sentenças declaratórias e as sentenças constitutivas não podem ser objeto de execução.
LEGITIMAÇÃO DAS PARTES
Ao dispor sobre a açao monitória, a lei não estabeleceu regras especiais relativas a legitimação ativa e passiva para a causa, de tal sorte que, no seu âmbito, as partes considerar-se-ão legitimadas, ou nao, segundo as regras e criterios gerais.
Grassa seria divergencia, na doutrina, a respeito da possibilidade de uso do processo monitório contra a Fazenda Publica.
Jose Rogério Cruz e Tucci que, entre nós, foi quem primeiro escreveu sobre açao monitória, entende que nao, argumentando que os pagamentos devidos pela Fazenda devem ser feitos na ordem de entrada dos precatórios (artigo 100 da Constituição Federal e 730 do Código de Processo Civil), de modo que, recebendo o mandado para pagar ou entregar a coisa, em quinze dias, a Fazenda, mesmo querendo, não poderia fazê-lo, sem descumprir a Constituição e o Código.
Ao argumento responde, com vantagem, Dinamarco, observando que o sistema de precatórios somente é inafastável nos casos de condenação através de sentença judiciana, inexistente, no caso de ação monitória, porque o mandado de pagamento nao contem uma sentença de condenação a pagar.
Na verdade o cumprimento da “ordem” veiculada no mandado de pagamento e satisfação voluntaria da obrigação, o que não significa que, desatendida a “ordem”, nao opostos embargos, ou rejeitados os que foram oferecidos, nao se va cair no rito procedimental da execução contra a Fazenda, com a expedição de precatório, etc. etc., para o que, no entanto, sera necessario submeter, antes, ao duplo grau obrigatório de jurisdição, a sentença declaratória de improcedência dos embargos, na forma do disposto no artigo 475, II, do Código de Processo Civil.
É claro que se nao houver embargos, nao se podera cogitar do reexame necessário do pronunciamento judicial que deferiu a expedição do mandado de pagamento, como condição de ingresso do autor nas vias executórias, pois esse pronunciamento judicial tem natureza de decisao interlocutória (Código de Processo Civil, artigo 162, parágrafo 2°), e somente as sentenças (Código de Processo Civil, artigo 162, paragrafo 1°) para serem eficazes, estao sujeitas ao duplo grau obrigatório de jurisdição (artigo 475).
O título executivo formado contra a Fazenda, embora nao seja, a rigor, titulo sentencial, e, sem duvida, título judicial, o que, a nosso ver, basta para autorizar o credor a ingressar nas vias executórias especiais do artigo 100 da Constituição Federal e 730 do Código de Processo Civil.
Nos casos de injunção a entregar coisas diferentes de dinheiro, o problema sequer se põe, porque os artigos 100 da Constituição Federal e 730 do Código de Processo Civil somente se referem a execução por quantia certa (de dinheiro) , nao a creditos de outra natureza.
Nenhum obstáculo existe, igualmente, a que figure a Fazenda Publica no polo ativo da relação processual da ação monitória.
Sera que o portador de titulo executivo extrajudicial pode propor, em face da Fazenda Publica, ação monitória?
Impõe-se a resposta afirmativa.
Como os bens publicos sao impenhoráveis, nao se pode cogitar de execução fundada em titulo extrajudicial, contra a Fazenda, na modalidade de execução por quantia certa contra devedor solvente, pois, no seu ambito, “se o devedor nao pagar, nem fizer nomeação válida, o Oficial de Justiça penhorar-lhe-á tantos bens quantos bastem para a pagamento do principal, juros, custas e honorários advocatícios” (artigo 659) Inadmissível, igualmente, e a execução contra a Fazenda, fundada em titulo executivo extrajudicial, pelo sistema dos precatorios, pois este somente e utilizável nos casos de execução fundada em titulo judicial, nos exatos termos do artigo 100 da Constituição Federal e 730 do Código de Processo Civil.
Logo, o portador de titulo executivo extrajudicial contra a Fazenda, na verdade nao dispõe de título executivo extrajudicial, mas certamente dispõe de documento capaz de infundir certeza razoável da existência do seu credito, a justificar a propositura da ação monitória, com base no artigo 1.102 a do Código de Processo Civil.
Da mesma forma, nao obsta ao exercicio do direito a ação monitória a existência de incapazes, no pólo ativo ou no passivo da mesma relação processual.
NATUREZA JURÍDICA DA AÇÃO MONITORIA
Sergio Bermudes, Nelson Nery Junior, Jose Rogerio Cruz e Tucci e outros entendem que a ação monitoria é uma ação de conhecimento, de natureza condenatoria, na mesma linha de Chiovenda, que alude a uma ação de acertamento com prevalente função executiva e de Edoardo Garbagnati, para quem e inequivoca a sua natureza de processo de conhecimento, porque a unica particularidade do processo monitório e a de criar o titulo executivo, mais celeremente, mediante um procedimento especial.
Nao partilha desse entendimento Cândido Dinamarco, ao ver de quem a ação monitória “nao se enquadra na figura do processo de conhecimento, nem na do executivo e, muito menos, na do cautelar”.
Esse é, também, o pensamento de Carnelutti ,que vê, no processo de injunção, equivalente ao nosso procedimento monitório, uma função diversa da do processo de conhecimento e do processo de execução.
Seria, pois, a injunção, um tertium genus (de processo), intermédio entre o de cognição e o de execução.
Temos maior simpatia por este ultimo entendimento, porque, afastada qualquer possibilidade de caracterizar o processo monitório como processo de execução ou cautelar, igualmente nao podemos identificá-lo com um processo de conhecimento, pois, diferentemente do que ocorre neste, em que se busca a solução de um conflito de interesses através de sentença de mérito, no processo monitório tal não ocorre, a nao ser em sede de embargos, mas aí ja estaremos no ambito de outra ação e de outro processo, dos só mais tarde trataremos.
NATUREZA DA OBRIGAÇÃO
No direito brasileiro, somente se admite o uso da ação monitória se for para o credor pedir “pagamento de soma em dinheiro, entre de coisa fungível ou de determinado bem móvel.- artigo 1.102 a. –
Regra igual é a do artigo 633 Código Italiano.
Já um tanto diferente é o paragrafo 688 do Código Alemão que alude à determinada soma de dinheiro e a entrega de quantidade determinada de coisas fungíveis ou de valores, mas silencia sobre coisas moveis determinadas.
Bem e tudo aquilo que pode ser objeto de direito, tendo, ou nao, conteudo econômico. A coisa e uma especie de bem. É o bem q possui valor econômico.
Coisa fungivel e a coisa movel que pode ser substituida por outra da mesma espécie, qualidade e quantidade – Código Civil, artigo 50 –
Coisa móvel é a suscetivel de movimento próprio, ou de remoção por força alheia – Código Civil- artigo 47 –
Diante do texto legal – artigo 1.102 a. – e inadmissível o uso da ação monitoria para tutela de obrigações de fazer ou de nao fazer e para a de dar imovel.
A PROVA ESCRITA
Somente se confere ação monitória ao creder que dispõe de prova escrita da existencia da obrigação, desprovida de eficacia executiva.
O mero “começo de prova escrita”, que nao ministra razoavel certeza da existencia da obrigação, nao e suficiente.
A prova escrita é a documental, strictu sensu, ou seja o papel, abrangendo tanto a prova preconstituída – a que foi produzida com a finalidade de fazer a prova de fato determinado – uma confissão de divida – como a prova casual – a que nao foi produzida com tal finalidade – as notas de um diario privado.
Como anota, com a costumeira clarividência, Carreira Alvim, fica excluída do âmbito de incidência da ação monitória a prova documental lato sensu: v.g. a fita cassete, o video-tape, etc. etc.
Na Itália, autores como Satta, só consideram documento habil a instruir a ação monitoria aquele que provem do proprio devedor e firma certeza atual da existencia do credito, sua liquidez e exigibilidade, liçao que se reluta em aceitar, porque tais requisitos nao sao exigidos nem pela lei italiana, nem pela brasileira.
Os autores, de um modo geral Bermudes, Dinamarco – nao exigem documento escrito que revele a certeza sobre a existência da obrigação. Contentam-se com aquele do qual razoavelmente se possa inferir a existência do credito.
O primeiro – Bermudes – exemplifica com: a) uma carta em que o remetente agradece ao destinatário um empréstimo de dinheiro, obrigando-se a restitui-lo em determinado dia : b) um bilhete que um agricultor deixa na fazenda vizinha, dizendo que tomou por emprestimo algumas sacas de cafe de certo tipo e que reporá outras, de igual espécie, qualidade e quantidade, num dia proximo; c) a carta em que o antiquário escreve a cliente acusando-a recebimento do preço de uma estatueta rara e promete entrega-la ate certa data.
O segundo – Dinamarco – oferece outros exemplos : a) titulos de credito (notas promissorias, cheques) depois de prescrito o direito que corporificam; b) sentença declaratória em que foi reconhecida, definitivamente, a existência do direito (vg, a sentença que julgou improcedente pedido de declaração de inexistência de obrigação cambial).
Em sede de ação monitoria, a prova escrita exigivel diz respeito, unica e exclusivamente, aos pressupostos especificos do processo – a existência do credito – liquido, certo e exigivel- e a natureza das prestações, nao abrangendo, portanto, todos os fatos da causa.
Se a dívida nao for liquida a ação monitória nao sera admissível, porque, no seu ambito, nao existe espaço para a liquidação incidental, seja na primeira, seja na segunda fase do processo monitório.
A PETIÇÃO INICIAL
Embora a lei nao o diga, expressamente, a petição inicial da açao monitória, como a de qualquer outra, deve satisfazer as exigências dos artigos 282, 283, 39 do C6digo de Processo Civil.
Nessa petição inicial, o autor, exibindo prova escrita da existencia do seu direito, requererá ao juiz a expedição de mandado de pagamento (da soma em dinheiro) ou de entrega (de coisa fungível ou de determinado bem móvel).
Diversamente do que ja se tem afirmado, parece-nos que nao cabe, no caso, pedido de condenação do reu a pagar a divida ou a entregar a coisa, pois, como ja se acentuou, a ação monitória nao e ação de conhecimento, muito menos de natureza condenatória, nao podendo, portanto, o autor pedir o que o juiz nao lhe pode dar: a condenação.
Nos casos previstos em lei – Código de Processo Civil, artigo 295 – a petição inicial será indeferida, através de sentença, de que caberá apelação.
Também será indeferida, por razoes ligadas a própria natureza da ação monitória: o autor pede coisa imóvel, satisfação de obrigação não patrimonial; tutela de obrigação de fazer ou de nao fazer; provimento constitutivo ou declaratório e assim por diante.
Igualmente sera indeferida a inicial, por razoes inerentes a própria ação monitória, se o juiz, ao submeter a pretensão do autor, em cognição sumaria, a um juizo de delibação, convencer-se de que nao é provável a existência do direito do qual o autor se diz titular.
Se não indeferir a petição inicial, por qualquer uma das razões mencionadas, “o juiz deferirá, de plano (ou seja inaudita altera parte), a expedição de mandado de pagamento ou de entrega da coisa (artigo 1.102b.)
O MANDADO DE PAGAMENTO E DE ENTREGA
Diferentemente do que da a entender a letra do artigo 1.102b, para que o juiz determine a expedição do mandado de pagamento ou de entrega nao basta que a petição inicial esteja “devidamente instruída”.
É de mister que, a luz da prova escrita apresentada, o juiz se convença de que é provável a existência do direito afirmado na inicial.
Tal como na antecipação da tutela, nao se exige a certeza da existencia do direito, mas, por outro, o juiz não deve contentar-se com a mera possibilidade de que ele exista. Reclama-se a probabilidade da sua existencia. Probabilidade e menos do que certeza e mais do que possibilidade.
Eduardo Talamini afirma que e admissivel antecipação da tutela na ação monitória. (Tutela Monitória, Editora Revista dos Tribunais, 1998, pagina 157)
Mas como sera isso possível se, na antecipação da tutela, o que se antecipa é a ”tuteta pretendida no código de Processo Civil, 6ª edição, pagina 84).
De sentença, nao se pode falar porque, ao deferir, de plano, o mandado de pagamento ou de entrega, o juiz nao põe fim ao processo monitório, antes impulsiona-o no rumo do seu destino natural.
De provimento judicial de mérito tambem nao se pode cogitar, porque, na petição inicial da açao monitória, o autor pede um mandado de pagamento ou de entrega, nao a condenação do devedor a pagar ou a entregar, nao podendo o juiz, que esta adstrito ao pedido do autor, julgar o merito de causa se nenhum julgamento de merito lhe foi pedido.
Na verdade, o efeito do discutido provimento judicial, como anota Dinamarco, e meramente processual : ele institui, para o devedor, o ônus de embargar. Nada mais.
Das premissas estabelecidas deve ser extraída a conclusão de que nenhum sentido faz a afirmação, tão frequente, de que a decisão que determina a expedição do mandado de pagamento ou de entrega faz coisa julgada material e, reunidos os requisitos legais, pode ser atacada por meio de açao rescisória.
No sentido do texto: Redenti (Diritto Processuale civile, volume 3, 2a edição, paginas 26 e 27); Carnelutti (Istituzioni, vol. 3, pagina 136). Bem recentemente, Giovani Tomei (Cosa giudicata o preciusione nei processi summari ed esecutivi, Scritti in onore dl Elio Fazzalari, vol. 2, Milano, 1993, pagina 318))
A expressão “mandado de pagamento ou de entrega” utilizada, pelo Código, no artigo 1.102b., não tem o significado de ordem ou determinação imperativa, que, habitualmente, emprestamos ao vocábulo.
Se mandado, no referido dispositivo legal, significasse ordem ou determinação imperativa, o devedor, ao recebê-la teria de efetuar o pagamento ou a entrega da coisa, no prazo de 15 dias, sob pena de ser preso em flagrante como incurso nas penas do crime de desobediência.
Na verdade o mandado não é de pagamento ou de entrega, senao que de exortação, de concitação do devedor a pagar ou a entregar, acenando-lhe o juiz, desde logo, com as vantagens de assim proceder, dentre as quais avulta a da isenção das custas do processo e de honorários de advogada (paragrafo 1° do artigo 1.102c.)
Alias, essa conclusão esta de acordo com a etimologia da palavra monição, do latim monitio, monere, que significa advertir, avisar, exortar, concitar.
Como anota de Plácido e Silva, no seu Vocabulário Jurídico, 11ª edição, pagina 205, monição, na terminologia do Direito Canônico, e a advertência feita pela autoridade eclesiástica a uma pessoa, para que cumpra certo dever ou nao pratique um ato, a fim de evitar a sanção ou a penalidade a que este sujeita, pela omissao ou ações indicadas.
Em suma: o devedor, recebendo o mandado, atende, ou não, de acordo com o seu livre arbítrio, a exortação, a concitação do juiz.
Esse mandado, ja se disse antes, mas não custa repelir, e sempre expedido inaudita altera parte, nao havendo, portanto, contraditório, nesta fase. Da decisão que determina a sua expedição não cabe recurso algum, pois toda a matéria que o réu poderia alegar, caberá a ele alegá-la por outra via, a dos embargos.
Alias, contraditório, tomada a expressão no sentido de exercício do direito de defesa, nao existe, na açao monitória, em nenhum caso e em nenhum momento.
Nem antes, nem depois da expedição do mandado.
No procedimento monitório ha duas fases: a primeira, a monitória propriamente dita, começa com a propositura da açao e finda com a expedição do mandado monitório; a segunda, a da execução, começa com a conversão do mandado monitório em titulo executivo judicial e termina com a satisfação do direito do credor.
Nas duas, nao se confere ao réu o direito de se defender alegando a inexistência do direito de que, na inicial, o autor se disse titular. Na ação monitória não existe defesa.
Não se imagine, no entanto, que esse esquema vulnera o princípio do due process of law e, sobretudo, o artigo 5°, LV, da Constituição Federal, de acordo com o qual “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Na verdade, nao há supressão do contraditório, que, como se diz na doutrina italiana, e apenas posticipato ou differito para um momento ulterior, de tal sorte que” o due process of Law é aqui resguardado pela fase de oposição, que é eventual, mas que introduz, no procedimento especial, todas as garantias do processo ordinário de cognição” (Ferruccio Tommaseo, Appunti di diritto processuale civile, pagina 25)
É claro que, uma vez citado, o réu poderá alegar matéria de defesa, através de embargos, mas esses embargos, algumas vezes chamados de embargos ao mandado, constituem ação nova e processo novo, como melhor se procurara demonstrar um pouco mais a frente.
Nesses embargos, típica ação de conhecimento que são, existe, é claro, contraditório, o que significa dizer que existe contraditório nos embargos ao mandado monitório, mas nao existe contraditório na ação monitória.
Todos os autores salientam a necessidade de que a decisão que determina a expedição do mandado seja fundamentada, mas a questão nao merece as galas com que costuma ser brindada, pois se todas as decisões judiciais, inclusive as interlocutórias (Código de Processo Civil, artigo 165, fine) devem ser fundamentadas, sob pena de nulidade (Constituição Federal, artigo 93, IX), nao se compreende porque se ha de discutir se entre tais decisões se inclui, ou nao, a que, em sede de ação monitória, determina a expedição de mandado de pagamento ou de entrega.
A CITAÇÃO
Posto a lei não o diga expressamente, é óbvio, que, convencendo-se o juiz da probabilidade da existência do direito do autor e determinando, em consequência, a expedição de mandado de pagamento ou de entrega, determinara, tambem, a citação do réu, pois é exatamente com a citação, indispensável para a validade de qualquer especie de processo (artigo 214 ) ,que se estendem ao reu os efeitos da propositura da ação (artigo 263, fine).
Substancialmente, o mandado, a ser cumprido pelas vias comuns – correio, oficial de justiça, precatória, edital – é, ao mesmo tempo, um mandado de citação, destinado a integrar a relação processual, e um mandado monitório, com feição de mandado de intimação destinado a concitar o devedor a pagar a soma de dinheiro ou a entregar a coisa.
Posto a lei tambem não o diga, expressamente, entende-se que do mandado ha de constar a advertência de que, se não efetuar o pagamento ou nao entregar a coisa e nao oferecer embargos, dentro do prazo de 15 (quinze) dias, o devedor permitirá que se forme de imediato o titulo executivo e que, tambem imediatamente, tenha inicio a fase executiva, sem outras possibilidades de discussão do merito da causa.
Se os efeitos da omissão do citando, na ação monitória, são muito mais graves do que os efeitos da revelia, no processo comum, parece que a advertência, exigida, pelo artigo 285, para o caso em que os efeitos sao menos graves, nao pode deixar de ser exigida, e ate com mais forte razao, no caso em que os efeitos se revestem de maior gravidade.
CONDUTA DO RÉU DENTRO DO PRAZO DE 15 DIAS
Citado, o réu, na ação monitória, poderá tomar varias atitudes:
Primeira atitude do reu: Paga a soma em dinheiro ou entrega a coisa fungível ou determinado bem movel.
Neste caso, com a satisfação do direito do credor, extingue-se o processo monitório, que atingiu integralmente os seus fins.
A lei incentiva a adoção, pelo reu, dessa atitude, acenando-lhe com a isenção das custas e honorarios advocaticios (paragrafo 1° do artigo 1.102c.)
Se a isenção compreendesse, apenas, as custas despendidas pelo réu e os honorários do advogado que ele proprio controlou, nada se teria a opor ao texto legal, mas, ao que tudo indica, a intenção foi isentá-lo de reembolsar, tambem, as custas despendidas pelo autor e os honorários do advogado que contratou.
Se é assim, é preciso reconhecer que o legislador, ao desfalcar o patrimônio do credor, em proveito do devedor, fez cortesia com a chapéu alheio, com desprezo a velha maxima de Chiovenda, de acordo com a qual a atuação da lei não pode representar uma diminuição patrimonial para a parte a cujo favor ela se eletiva.
Dentro desse contexto, não faltara credor que abdique do processo monitório, para nao sofrer desfalque patrimonial, proveniente do fato de ter de pagar as custas do processo e os honorários de seu advogado, sem possibilidade de obter a correspondente reembolso.
Nos outros casos – nao pagou e nao embargou ou embargou e sucumbiu – o reu, obviamente, pagara, normalmente, como vencido, as custas e honorários da ação monitória.
Segunda atitude do reu: Ele se omite. Diz a lei que ‘se as embargos não forem opostos (e, e claro, se, cumulativamente, o reu não efetuar o pagamento nem entregar a coisa) ‘constituir-se-a de pleno direito o titulo executivo judicial, convertendo-se o mandado inicial em mandado executivo … “,
Como diz, com acerto, Flavia Machado da Silva, “aquele documento trazido pelo autor e elevado ao status de título executivo judicial…” (Analise Sistematica da Ação Monitória no Direito Brasileiro, pagina 46)
Como, nos termos da lei, a constituição do titulo executivo judicial, em decorrência da omissao do reu, é automatica, ou, como se diz, no artigo 1.102c., é de “pleno direito”, deve-se entender que a formação do titulo executivo prescinde de sentença ou de qualquer outro pronunciamento judicial que o declare formado.
Em suma, a expressão “convertendo-se o mandado inicial em mandado executivo”, deve ser entendida no sentido de que o mandado inicial, que era de pagamento ou de entrega, agora se ve transformado, automaticamente, em mandado de execução.
Terceira atitude do réu: Ele entra com embargos.
OS EMBARGOS A AÇÃO MONITORIA.
Controverte-se sobre a natureza jurídica desses embargos.
Alguns (Carreira Alvim, Nelson Nery Junior, Sergio Shimura, Alexandre Camara) entendem que os embargos constituem forma de defesa, identificando-a com uma contestação, que nao acarreta a formação de processo novo.
Outros (Sergio Bermudes, Barbosa Moreira, Cruz e Tucci, Elaine Macedo, Dinamarco, Flavia Machado da Silva: sustentam que os embargos, ditos ao mandado constituem ação nova, geradora de processo novo, que começa com uma petição inicial e finda com uma sentença, que lhe põe termo.
Entendermos que a razão esta com os últimos.
Em primeiro lugar, porque se quisesse emprestar aos embargos natureza jurídica de defesa, a lei teria empregado vocábulo apropriado, capaz de revelar a sua intenção : resposta, contestação, defesa.
Depois, porque, afirmando que “as embargos independem de previa segurança do juízo” (artigo 1.102c. I parágrafo 2°) ,a lei deixa claro que nao é de defesa que se trata, pois nao se conhece nenhum caso em que, para apresentar contestação ou defesa, sob qualquer outra forma, o réu tenha que segurar juízo, mas se conhece caso de ações em que, para insurgir-se contra a pretensão do autor, deve o réu satisfazer previamente aquela formalidade (ação de embargos do devedor).
Em seguida, porque, se, de acordo com o mesmo dispositivo legal, os embargos “serão processados, nos próprios autos, pelo procedimento ordinário” é porque eles nao constituem defesa, ja que existem ações que se submetem ao procedimento ordinário, mas nunca se ouvir falar de qualquer modalidade de defesa submetido ao … procedimento ordinário ou a qualquer outro, suscetível de ser processada nos próprios autos ou em outros.
Finalmente, porque a mesma conclusão se extrai do paragrafo 3° do mesmo artigo 1.102c, quando diz que ‘rejeitados os embargos, constituir-se-a, de pleno direito, a titulo executivo judicial…” uma vez que o que o juiz rejeita (ou acolhe) é sempre o pedido formulado pelo autor, na petição inicial da ação que intentou, não se tendo noticia de nenhum caso em que ao julgar o mérito da causa, o juiz rejeitou ou julgou improcedente… a contestação do réu!
Em suma, parece evidente que, na ação monitória, a que e julgado procedente ou improcedente é o pedido do embargante, veiculado nos seus embargos, nao é o pedido formulado pelo autor-embargado, na petição inicial da ação monitória.
Nos embargos a ação monitória, ajuizáveis através de petição inicial elaborada com observancia das regras constantes dos artigos 282 e 283, o embargante poderá alegar toda a matéria de defesa que alegaria em processo de conhecimento comum, com destaque, naturalmente, para a de inexistencia do credito de que a autor se diz titular, ou a de sua existencia, mas de valor menor.
O pedido sera de sentença obstativa da formação do titulo executivo.
Como se trata de procedimento ordinário, o embargado será citado, para apresentação de resposta, no prazo de 15 dias, seguindo-se o feito, depois, em seus ulteriores termos, como de Direito, inclusive com adoção de providencias preliminares, replica, julgamento conforme o estado do processo, nas modalidades de julgamento de extinção do processo, julgamento antecipado da lide e saneamento, em audiência de conciliação.
Em lição que se reluta em aceitar, porque destoante das regras legais sobre ônus da prova, Dinamarco afirma que, nos embargos ao mandado e do autor-embargado o ônus da prova dos fatos constitutivos do seu direito e é do réu-embargante o ônus de provar os fatos de seu interesse (extintivos, impeditivos, modificativos). Seria assim, se os embargos constituíssem espécie de defesa, mas, como ja se viu, assim nao é.
A teor do que dispõe o artigo 1.102c., os embargos ‘suspenderão a eficácia do mandado inicial”.
Nao e bem assim.
O mandado inicial, ate então, nao estava produzindo efeito algum, de tal sorte que nao se pode falar em suspender efeitos que o mandado nao estava produzindo.
Na verdade, o que ocorre e que os embargos impedem ou retardam a conversão do mandado inicial em mandado executivo judicial, e, em decorrencia, o prosseguimento do feito, como ação de execução.
Excluidas as hipóteses de extinção do processo sem julgamento do mérito, que nao carecem de exame específico, os embargos poderão ser julgados procedentes ou improcedentes.
Se julgados procedentes, a sentença declarara a inexistência do direito de que, na inicial da ação monitória o autor se afirmou titular e , declarara, ainda, em decorrência, que o titulo executivo nao se formou.
Se julgados improcedentes, declarara o inverse, ou seja a existencia daquele direito e que o titulo executivo se formou.
Nos dois casos, a sentença sera apelável e em ambos, a nosso ver, a apelação sera recebida no duplo efeito, sendo inadmissivel a aplicação ao caso da regra constante do artigo 520, V ( “Sera recebida, no só efeito devolutivo (a apelação) quando interposta da sentença que: rejeitar liminarmente embargos a execução ou julgá-los improcedentes”), sendo inadmissivel, tambem, em decorrencia, execução provisória em sede de ação monitória.
Assim pensamos porque : a) a regra do artigo 520, V, que dá apelação sem efeito suspensivo a sentença que “rejeitar liminarmente embargos a execução ou julgá-los improcedentes” nao e aplicável aos embargos na ação monitória, que nao sao embargos a execução ou embargos de devedor; b) essa regra do artigo 520, V, e de exceção, e as regras de exceção se interpretam restritivamente nao podendo ser interpretadas extensivamente, analogicamente ou ampliativamente : c) a regra geral, aplicável mesmo quando a lei é omissa, é no sentido de que, salvo disposição em contrário, inexistente, no caso, a apelação é sempre recebida no duplo efeito.
Esse é, tambem, o pensamento de Eduardo Talamini (op. cit., pagina 141)
Corretamente, assim decidiu a 3ª Camara Civel do Tribunal de Justiça do Estado do Parana, no julgamento do Agravo de Instrumento n° 52.757.7, de que foi relator o eminente Desembargador Wilson Reback.
Contra, mas, data venia, sem nenhuma razao, neste ponto, Dinamarco (A Reforma, 3ª edição, paginas 241 e 242) e Bermudes ( A Reforma, 2ª edição, pagina 177)
Como ja se assinalou, tendo julgado o merito da causa, no sentido da procedencia do pedido veiculado nos embargos, a sentença declarara, alem da nao formação do título executivo, a inexistência do direito do embargado-autor, para o qual ele veio a juízo pedir tutela, com a sua ação monitória.
Essa sentença, por ser de mérito, fará coisa julgada material, como qualquer outra, impedindo que o autor volte a juízo para pedir tutela para o mesmo dire ito declarado inexistente.
Sendo de mérito essa sentença desafia ação rescisória, se reunidos os requisitos legais.
É claro que se os embargos foram acolhidos por razões de ordem processual (v.g. ilegitimidade ativa do autor da ação monitória) , nada impedira que o verdadeiro legitimado venha ulteriormente a postular tutela para o seu direito, seja pela via monitória, seja pela via ordinária.
A sentença que julgar os embargos improcedentes, igualmente fará coisa julgada material, sem nenhuma peculiaridade digna de nota e com todas as consequencias dai decorrentes.
A EXECUÇÃO
Instaura-se a execução se os embargos não forem oferecidos ou se forem rejeitados.
Conforme o caso, a execução será por quantia certa contra devedor solvente (artigo 646 a 731) ou para entrega de coisa (artigo 621 a 631)
A execução instaura-se ex officio (…prosseguindo-se na forma prevista no livro II,etc.etc. “diz o artigo 1.102c, § 3°.) da mesma é única ação, bastando, a nosso ver, simples intimação, para que, no prazo de 24, horas, o devedor efetue o pagamento da divida ou nomeie bens a penhora (artigo 652) , ou , então, dentro de 10 dias, satisfaça a obrigação.
Diferentemente do que sustentar Bermudes (op. cit. pag. 177) e Cruz e Tucci (op. cit. pagina 64) , pensamos que embargos do devedor, de primeira fase regulados no artigo 741 e 745, nao são admissíveis, porque, no processo monitório não ha dois processos, o monitório propriamente dito e o executório. Um é continuação do outro, de tal sorte que tudo o que o devedor pode alegar em seu prol ele há de faze-lo nos embargos ao mandado, ou embargos a ação monitória, sob pena de preclusão, eis que, a coisa julgada formada no processo dos embargos ao mandado cobre tanto o deduzido como o deduzível, nos exato: termos do artigo 474 do Código de Processo Civil.
Admitir o inverso é permitir , interposição dos mesmos embargos de primeira fase, duas vezes, num processo só, em autêntico bis in idem, o que nao se afigura lógico e, menos, ainda, jurídico.
Mas nao se exclui a possibilidade de que, reunidos os requisitos legais, sejam interpostos aqueles embargos, desde que fundados em fato novo, nao alcançado pela preclusão – v.g, pagamento, novação ou remissão da divida – e, ainda, no momento adequado, os embargos de segunda fase, à arrematação e à adjudicação (artigo 746) em embargos de retenção por benfeitorias (artigo 744), eis que, nestes casos, incorre o bis in idem obstativo da repetição dos embargos de primeira fase (artigos 741 e 745).