Supremo desafio

11 de setembro de 2014

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ricardo-lewandowskiO Ministro Ricardo Lewandowski assume a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) diante de uma missão quase hercúlea: gerir os 68 mil processos do acervo para que a Corte possa voltar a se dedicar ao seu papel de guardiã da Constituição Federal 

Resgatar o papel constitucional do Supremo Tribunal Federal (STF) é a grande missão do ministro Ricardo Lewandowski, presidente eleito dessa Corte. O ministro assume o comando do órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro no próximo dia 10 de setembro. Ele cumprirá mandato de dois anos. Nesse período, Lewandowski afirmou que pretende dedicar-se sobretudo à gestão. Em entrevista à Revista Justiça & Cidadania, ele explicou que o acervo que beira os 68 mil processos, assim como a média de quase 5 mil ações distribuídas anualmente para cada um dos 11 ministros do Tribunal, têm sido preocupação por, entre outros motivos, imobilizar o Plenário e impedi-lo de se dedicar às ações que envolvem a Carta Magna. “Minha meta é retomar a característica do STF como Corte Constitucional, que julga questões constitucionais e que impactam em elevado número de cidadãos”, afirmou.

O ministro já deu mostras da gestão que pretende empregar ainda como presidente interino do STF – ele assumiu o cargo no fim de julho em razão da aposentadoria do então presidente, ministro Joaquim Barbosa. Na primeira sessão do segundo semestre, no dia 1o de agosto, o Plenário do Supremo julgou, sob o comando dele, 127 processos que obstruíam a pauta. Algumas das ações encontravam-se em tramitação por mais de 20 anos. Na semana seguinte ao julgamento, Lewandowski anunciou a criação de uma força-tarefa, com 50 servidores, e zerou o estoque de 2.600 ações pendentes de distribuição.

Lewandowski foi eleito para a presidência do STF no último dia 13 de agosto. Em razão do posto, ele assumiu também o comando do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão responsável pela fiscalização e pelo planejamento estratégico do Poder Judiciário brasileiro. Lá, também como interino, Lewandowski promoveu mudanças. No dia 8 de agosto, assinou a Instrução Normativa no 59/2014, que estabelece regras para os gastos dos membros e servidores do órgão com viagens. Na avaliação dele, a norma veio para atender aos princípios da celeridade, eficiência e economicidade.

Experiência administrativa não falta ao ministro. Quando chegou ao STF, em 2006, Lewandowski herdou um gabinete com cerca de 10 mil processos. Ele assume agora a presidência da Corte, deixando acervo inferior a 1,8 mil ações. Nesse período, o ministro prolatou 72 mil decisões no colegiado e de forma monocrática. Ele também redigiu aproximadamente 10,5 mil acórdãos. Em razão do feito, o gabinete dele recebeu o selo de gestão de qualidade.

À Revista Justiça & Cidadania, Lewandowski ressaltou as medidas que pretende desenvolver para devolver celeridade ao STF e resgatar sua missão constitucional. O ministro também falou sobre o estoque de ações com Repercussão Geral reconhecida, que estão à espera de determinação do Tribunal. E destacou seu objetivo de aproximar o Supremo da sociedade. “Pretendo fazer isso com a ampliação do uso dos instrumentos de democracia participativa previstos na Constituição Federal de 1988, justamente para aproximar a Justiça dos cidadãos”, disse.

Confira a íntegra da entrevista:

Revista Justiça & Cidadania – O senhor afirmou, no dia em que foi eleito presidente do STF, que uma das suas metas seria aumentar o diálogo com a sociedade. Como o senhor pretende promover essa aproximação?
Ricardo Lewandowski – Pretendo fazer isso com a ampliação no uso dos instrumentos de democracia participativa previstos na Constituição Federal de 1988, justamente para aproximar a Justiça dos cidadãos. As principais são as audiências públicas e os amici curiae, ou amigos da corte. Esse instrumento permite a intervenção assistencial em processos de controle de constitucionalidade por entidades com representatividade para se manifestar nos autos em questão. Elas não são partes do processo, mas atuam como interessados na causa. Também é minha meta promover as formas alternativas de solução de controvérsias, como a conciliação e a arbitragem, a fim de se evitar que os conflitos diversos sejam levados ao Judiciário, mas possam ser resolvidos pela própria sociedade. Temos hoje no País cerca de 100 milhões de processos em tramitação para apenas 18 mil juízes federais, estaduais, do trabalho, eleitorais e militares. A razão da demora é essa enorme litigiosidade que não é só do povo brasileiro, mas sim do mundo contemporâneo.

O STF fechou o ano passado com acervo de quase 68 mil processos. Quais são suas metas com relação a essa demanda?
– Na primeira sessão deste segundo semestre de 2014, eu ainda estava como presidente interino, o Plenário do STF julgou 127 recursos, entre agravos regimentais e embargos de declaração, que estavam obstruindo a pauta. Esses julgamentos duraram pouco menos de uma hora. Nesse tempo, 47 listas de processos de relatoria de sete ministros foram julgados. Entre as ações estavam algumas que tramitavam na Corte há mais de 20 anos. O Recurso Extraordinário no 117.809, por exemplo, oriundo do Paraná, chegou ao Supremo há quase 26 anos para discutir a competência municipal para fixação de tarifas de serviço público. O processo, ao longo dos anos, passou pela relatoria de diversos ministros e sofreu uma série de recursos no próprio Supremo. Nessa mesma sessão, também julgamos a Ação Rescisória no 1.332, que estava há 20 anos na Corte. A ação questionava a rescisão de contrato de promessa de compra e venda de um apartamento em um condomínio em São Paulo. Minha meta é retomar a característica do STF como Corte Constitucional, que julga questões constitucionais e que impactam em elevado número de cidadãos. Então, além de colocar a pauta em dia, quero ajustar a distribuição dos processos. Nesse sentido, determinei a criação de uma força-tarefa, com 50 servidores, que trabalharam inclusive aos sábados e domingos, até o fim de agosto, para colocar em dia os 2.600 feitos que aguardavam distribuição. Esse estoque era resultado do elevado recebimento de processos físicos e eletrônicos que chegaram ao STF e compõem-se principalmente de recursos contra decisões dos tribunais de segunda instância. No mutirão, os servidores analisaram a existência de conformidade, presença de Repercussão Geral e também dos requisitos formais dos recursos previstos na lei processual, para que se procedesse à autuação, observando, claro, se o processo envolvia prevenção, critério esse que mantém a competência de um ministro em relação a determinado processo pelo fato de ter tomado conhecimento da causa primeiro. Com medidas como essa, esperamos colocar em dia a distribuição dos processos e atender, assim, à exigência constitucional da razoável duração do processo, assim como os meios que garantam a celeridade da tramitação dessas ações, nos termos da Carta Magna.

O STF também guarda acervo considerável de processos com Repercussão Geral reconhecida. Acontece que as ações semelhantes em curso nas instâncias inferiores ficam paradas até a decisão final da Suprema Corte. Como o senhor pretende solucionar essa questão?
– Vamos priorizar o julgamento dos Recursos Extraordinários com Repercussão Geral reconhecida, para evitar o congestionamento dos processos em instâncias inferiores, pois esses recursos causam o sobrestamento de processos semelhantes, fazendo que, muitas vezes, os jurisdicionados aguardem por anos até que sua questão levada a juízo seja solucionada. Daremos prioridade, portanto, a esses recursos, mas sem esquecer das Ações Diretas de Inconstitucionalidade que estão há muito tempo aguardando julgamento. Nesse sentido, temos preparado a pauta do Plenário com os processos de Repercussão Geral reconhecida e que envolvem controle de constitucionalidade. Em uma única sessão, o STF julgou seis Ações Diretas de Inconstitucionalidade, um feito raro na história do Tribunal.

Como presidente do CNJ, ainda interinamente, o senhor assinou a Instrução Normativa no 59/2014, que restringe os custos com as viagens pelos membros e servidores do órgão. A que se deve essa decisão?
– As despesas com passagens e diárias em 2013 e no início desse ano foram elevadas. A nova orientação, então, tem como objetivo evitar as viagens desnecessárias por meio do incentivo à delegação da prática de atos para autoridades locais, nos casos que isso se mostrar necessário, e à realização das audiências por videoconferência. Com relação ao uso dessa tecnologia, aliás, temos a rede virtual INFOVIA, que permite a conexão simultânea de vários tribunais. Sobre as ocasiões em que o deslocamento se mostrar realmente imprescindível, a autorização deverá ser solicitada formalmente, com a apresentação de justificativa e com até 30 dias de antecedência à Presidência, que submeterá o pedido à apreciação do Plenário. Nos casos de eventos externos, os membros e servidores do CNJ convidados para participar deverão ter diárias e passagens custeadas pelo tribunal ou órgão organizador. Essas viagens também devem ocorrer apenas no caso de ser inviável a realização de videoconferência. O CNJ poderá custear a viagem somente em situações especiais, quando serão submetidas à aprovação da Presidência. Ainda assim, esses casos também deverão ser submetidos à Presidência. Essas medidas visam a atender os princípios da celeridade, eficiência e economicidade.

Na sua primeira sessão à frente do Conselho o senhor demonstrou preocupação com os recorrentes pedidos de prorrogação dos Procedimentos Administrativos Disciplinares (PADs) contra magistrados. Por quê?
– Naquela sessão foram prorrogados os prazos de cinco PADs. Pedi aos conselheiros que sejam cuidadosos com os pedidos de prorrogação desses processos, que esses sejam devidamente fundamentados. Preocupa-me a eventual punição antecipada de magistrados em processos não finalizados e que, em alguns casos, são mantidos afastados previamente de suas funções por longos períodos. O órgão administrativo do Poder Judiciário também deve priorizar a celeridade.

Outro tema sensível no CNJ diz respeito ao Processo Judicial Eletrônico. O senhor afirmou recentemente, na Ordem dos Advogados do Brasil, que não dará prosseguimento à implantação do PJe. Por quê?
– Não darei prosseguimento à implantação do PJe sem antes ouvir a classe. O sistema vem sendo gestado há muito tempo, mas apresenta falhas. Temos recebido queixas não só dos tribunais, mas de segmentos diversos, com problemas sérios nos estados e na advocacia, inclusive de acessibilidade. É importante e generoso projeto, que contempla o futuro, mas existem críticas e nada faremos sem antes ouvir todos os interessados e usuários do Processo Judicial Eletrônico. Pretendo e me comprometo a, dentro em breve, instituir uma comissão e realizar um encontro para discutirmos todos – tribunais, advocacia, membros do Ministério Público e representantes do CNJ – as virtudes e eventuais falhas desse sistema eletrônico.

Já sob sua gestão, o CNJ firmou um protocolo de intenções com a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) para difundir a Justiça Restaurativa no País. Qual é a importância dessa parceria?
– Como disse, no Brasil, temos quase 100 milhões de processos em tramitação para apenas 18 mil juízes. O século XXI é o século do Poder Judiciário. Portanto, diante da crescente demanda por Justiça, os magistrados devem mudar a mentalidade e buscar formas alternativas de solução de conflitos, não privilegiando apenas o ajuizamento de processos judiciais. Criada há dez anos, a Justiça Restaurativa consiste na adoção de medidas voltadas a solucionar, de forma alternativa, situações de conflito e violência, por meio da aproximação entre vítima, agressor, suas famílias e a sociedade, com vistas à reparação e à conciliação dos danos causados por um crime ou uma infração penal. A prática, assim como a mediação e arbitragem, parece-me um caminho viável para que possamos dar conta desse novo anseio por Justiça da sociedade. Precisamos mudar a cultura da magistratura e dos bacharéis em Direito e parar com essa mentalidade de que todos os conflitos e problemas sociais serão resolvidos mediante o ajuizamento de um processo. Precisamos buscar meios alternativos de solução de controvérsias. Precisamos buscar não apenas resolver as questões litigiosas que se multiplicam na sociedade por meio de uma decisão judicial, mas sim buscar formas alternativas, devolvendo para a própria sociedade a solução de seus problemas.