Sessões virtuais de julgamento

7 de julho de 2020

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Dois sistemas permitiram que os tribunais mantivessem os julgamentos colegiados durante a pandemia do coronavírus (covid-19): videoconferências e em sessões virtuais. Nesta oportunidade, apresento breves comentários e sugestões que reputo mais relevantes para o aprimoramento deste último.

Uniformização de procedimentos

– Distintos procedimentos têm sido adotados, muitas vezes por órgãos julgadores do mesmo tribunal. A par de diversos outros aspectos (como critérios para a definição dos feitos a serem julgados sob tal sistemática, dentre outros), veja-se a questão atinente à mera oposição das partes: enquanto alguns órgãos julgadores as aceitam ainda que imotivadas, outros exigem motivação, outros demandam haver tema não pacificado e outros, ainda, indeferem-nas independentemente das considerações ou motivações apresentadas.

Imperiosa, assim, a regulação das sessões virtuais, senão por lei, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nesta hipótese a ela aderindo também o Supremo Tribunal Federal (STF), ainda que supostamente não obrigado a tanto. Isonomia, segurança jurídica e razoabilidade impõem a adoção dos mesmos modelos e procedimentos para a sistemática em todos os tribunais pátrios, no que respeita aos seus aspectos mais relevantes.

Acatamento das oposições apresentadas

Há de se assegurar o pronto e automático deferimento das oposições apresentadas por quaisquer dos patronos constituídos nos autos, com consequentes julgamentos presenciais (atualmente, por videoconferência) e sustentações orais em tempo real. Se é certo que não há hierarquia ou subordinação entre juízes e advogados, se é certo que continuamos em um Estado Democrático de Direito no qual imperam, dentre outros, isonomia, ampla defesa, contraditório e devido processo legal, não há como ser diferente.

Cabe ao advogado, muito mais que ao magistrado, avaliar prós e contras a ser o processo em que atua julgado em sessão virtual e decidir se concorda ou não com a providência. Sendo autorizado a qualquer dos julgadores, individualmente, requerer destaque do caso e disto decorrendo sua automática transferência para o julgamento presencial, não há plausibilidade em negar a mesma prerrogativa aos advogados constituídos nos autos.

Não é razoável deixar de atender pedido formulado pelo advogado em caso envolvendo, por exemplo, tema, peculiaridade, fundamento autônomo ou pedido subsidiário inéditos ou relevantes. Ou melhor seria extinguir de vez as sessões presenciais?!

Limite razoável de processos por sessão

– Há de ser observado volume razoável de processos pautados para cada sessão virtual de modo a, conjuntamente com máxima antecedência possível na disponibilização das pautas, viabilizar a julgadores, advogados e demais operadores do Direito condições para o adequado exercício de suas sagradas funções.

Sustentações orais e intervenções dos advogados

Devem ser respeitados os direitos e prerrogativas assegurados ao advogado pela Constituição Federal enquanto “indispensável à administração da Justiça” (art. 133) e pela Lei no 8.906/1994 (art. 7º, X, XI e XII), de modo a poder o patrono do processo em julgamento não apenas realizar efetiva sustentação oral como manifestar-se e ser ouvido em todas as hipóteses cabíveis.

Justifica-se a introdução de mecanismo de controle pelo qual o registro de cada voto no sistema virtual somente seja possível após ter sido a “sustentação oral por meio eletrônico” assistida na íntegra pelo respectivo julgador. Obviamente, como todo sistema de controle, este também seria passível de burla, mesmo porque parece inviável garantir que alguém – e quem – tenha efetivamente assistido ao vídeo na íntegra. De qualquer modo, aumentar-se-ia a possibilidade de ser o “vídeo memorial” de fato assistido, afastando-se ao menos o risco de ser ele involuntariamente ignorado, pelas mais diversas razões, em alguns feitos.

Se os julgadores assistem às sustentações orais presenciais, nada justifica que não o façam nas sessões virtuais. Por mais enfadonha que possa ser a atividade em determinadas situações, é obrigação do magistrado assim proceder, mesmo porque o advogado facilita o exercício da função jurisdicional quando destaca, em breves memoriais e sustentações orais, os principais aspectos que se espera sejam examinados na prestação jurisdicional perquirida.

No que respeita às manifestações no curso do processo, não basta o sistema admitir a apresentação de pleitos escritos ou gravados. Há de se assegurar que, apresentadas manifestações a título de esclarecimentos sobre matéria de fato ou outras que compitam ao causídico, como para formular questão de ordem, replicar acusação ou censura que lhe tenham sido feitas ou mesmo reclamar contra a inobservância de preceito de lei, regulamento ou regimento, seja o julgamento suspenso até sua efetiva apreciação, como única garantia de que não serão ignoradas. Tudo sem prejuízo de prévio exame de admissibilidade, tal como se verifica em sessões presenciais.

Afinal, nunca serão excessivas as garantias às manifestações dos advogados e a seu efetivo exame pelos julgadores, como igualmente impõem o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.

Publicidade dos votos tão logo apresentados

Pelas mesmas razões antes expostas e para que os advogados possam identificar a necessidade de apresentarem esclarecimentos de fato ou outras manifestações, devem ser prontamente disponibilizadas as íntegras dos votos (ainda que sob a forma “em revisão” ou “sem revisão”) ou notas com as razões fundamentais para os convencimentos havidos, à medida que forem registrados no sistema do tribunal.

O pronto acesso a todos os votos e manifestações, pelos advogados e pela sociedade em geral, cumpre também os requisitos de publicidade e transparência, permitindo que todos acompanhem a formação da decisão. A prática passou a ser recentemente adotada no STF, sendo imperioso que os demais tribunais procedam da mesma forma.

Há de se cuidar, contudo, para que tal não implique desincentivo à divergência (como poderia se dar com a exigência de apresentação de votos prontos e acabados, impraticável em determinadas situações), do que se reitera bastar a indicação das razões pelas quais se divirja, não sendo necessária a versão final do voto em si como, aliás, sói ocorrer em sessões presenciais.

Fim do “voto por omissão”

Igualmente relevante a questão atinente ao “voto por omissão” aceito por alguns tribunais em sessões virtuais, inclusive de forma expressa, como no § 3º do art. 2º da Resolução nº 642/2019, da Presidência do STF (“§ 3º Considerar-se-á que acompanhou o relator o ministro que não se pronunciar no prazo previsto no § 1º”). Também quanto a tal aspecto, se a prática já era no mínimo duvidosa em casos envolvendo temas pacificados, mostra-se inaceitável nos demais.

Tendo o julgador possibilidade de meramente acompanhar o relator, a omissão significa claramente que o caso não foi por ele examinado. Isso causa grande insegurança, além de diferenciar – de forma desnecessária e extremamente negativa – a sessão virtual da presencial, na qual não se admite que o julgador habilitado se mantenha em silêncio, menos ainda seja este interpretado como concordância com o relator.

Portanto, é de rigor que, se algum julgador não se manifestar até o término da sessão de julgamento, seja sua omissão considerada (e registrada no sistema) como pedido de vista (jamais computada como concordância com quem quer que seja), suspendendo-se o julgamento a fim de ser retomado na sessão virtual seguinte, até que efetivamente registrados os votos de todos os julgadores habilitados. Assim se justifica independentemente do placar então existente e ainda que já tenha sido formada maioria, pois também nas sessões virtuais poderão os julgadores alterar seus votos até a proclamação do resultado.

Conclusões

As sessões virtuais de julgamentos poderão ser um importante instrumento de produtividade dos tribunais, assegurando redução dos enormes acervos com prestação jurisdicional célere e eficaz, o que não autoriza sua adoção em detrimento do devido processo legal, da ampla defesa do contraditório ou da publicidade, tampouco a inobservância das prerrogativas da advocacia. Estas, mais do que benesses legais, asseguram o sagrado exercício do direito de defesa, sem o qual imperam o autoritarismo e a injustiça.
As sessões podem ser virtuais apenas quanto à forma, vez que os julgamentos em si hão de ser reais, não simulados. Devem se aproximar o máximo das sessões presenciais.

As providências ora sugeridas auxiliariam tal aproximação e aumentariam a eficácia e a aceitação, dentre advogados e jurisdicionados, deste moderno sistema de julgamento. Objetivam incentivar sua adoção facultativa ou, ao menos, mitigar a arbitrariedade de sua imposição e o consequente inconformismo das partes e de seus patronos.