Seminário debate soluções para reduzir a judicialização do crédito consignado

4 de outubro de 2024

Da Redação

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Abertura do Seminário Nacional sobre Crédito Consignado (da esquerda para a direita): o advogado Diego Monteiro, o diretor jurídico da Febraban, Luis Vicente de Chiara, o vice-presidente do STJ, ministro Luis Felipe Salomão, a diretora jurídica do Banco do Brasil, Lucinéia Possar e o editor-executivo da Revista JC, Tiago Santos Salles

A modalidade de empréstimo é uma das mais populares no Brasil devido às taxas de juros mais baixas em comparação com outras formas de crédito

Apresentar soluções para a judicialização em massa que envolve a contratação de crédito consignado no Brasil foi o objetivo da primeira edição do Seminário Nacional sobre Crédito Consignado, promovido pela Revista Justiça & Cidadania, com o apoio da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) e do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF).

Realizado em setembro no auditório do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em Brasília, o encontro teve a coordenação acadêmica do vice-presidente do STJ, ministro Luis Felipe Salomão, e do advogado e mestre em Direito Civil, Diego Monteiro Baptista. O seminário também contou com a participação de ministros de, especialistas do segmento bancário e demais estudiosos sobre o tema.

Judicialização, superendividamento e litigância predatória – No primeiro painel, presidido pelo vice-presidente do STJ, ministro Luis Felipe Salomão, o debate concentrou-se nas reflexões jurídico-econômicas sobre os contratos de crédito consignado. Ele afirmou que o Poder Judiciário está atento à judicialização em massa que ocorre em vários segmentos econômicos da sociedade brasileira, como no mercado de crédito consignado e explicou que o papel do Poder Judiciário, especialmente do STJ, é fornecer segurança jurídica para todos os atores envolvidos nesse segmento, responsável pela aceleração do consumo e pelo fomento da economia.

“A sociedade brasileira deseja um mercado de crédito consignado limpo e que funcione adequadamente, servindo de instrumento para o fornecimento de crédito rápido e seguro. Espera-se também que o Poder Judiciário possa oferecer precedentes firmes e seguros e que confiram segurança jurídica para essa importante operação de crédito”, defendeu. 

O diretor de assuntos jurídicos da Febraban, Luis Vicente de Chiara, também participou do seminário. O executivo afirmou que o crédito consignado é a linha mais utilizada por pessoas físicas no Brasil, representando 32% do saldo de crédito para pessoa física, com taxa média de juros de 1,75%, enquanto que o empréstimo sem consignação tem taxa média de 5,47%. De Chiara explicou ainda que a maioria das pessoas contratam o empréstimo consignado para pagar dívidas atrasadas e para cobrir gastos de sobrevivência como despesas médicas, contas do dia a dia e compra de alimentos.

Na sequência, a diretora jurídica do Banco do Brasil, Lucinéia Possar, falou da importância do crédito consignado na expansão do consumo no país, apresentando crescimento contínuo desde a aprovação da Lei 10.820/2003, considerada o Marco Legal do Crédito Consignado. No entanto, Lucinéia alertou para as “externalidades negativas” do modelo, como o super­endividamento dos aposentados do INSS, parcela
da população mais vulnerável ao inadimplemento e
às fraudes.

O coordenador do seminário e advogado Diego Monteiro concentrou a apresentação nos contratos de crédito consignado no setor público. Ele traçou o panorama histórico do modelo de empréstimo no Brasil e destacou a relevância da atuação dos correspondentes bancários para a capilarização e a consolidação do segmento de crédito consignado, ressaltando também a importância da regulação equilibrada que não prejudique o funcionamento do mercado.

“O crédito consignado envolve muitos empregos. Daí a importância de se pensar em uma regulação que sempre leve em conta o justo equilíbrio, que é importante pois um dos efeitos de regulação pesada ou de redução significativa dos juros é a impossibilidade dos correspondentes bancários atuarem na ponta”, afirmou.

Futuro do consignado e a importância do INSS – No segundo painel do seminário, presidido pelo diretor-geral da Enfam, ministro Benedito Gonçalves do STJ, o presidente do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), Alessandro Stefanutto, apresentou a relevância da autarquia federal para o mercado de crédito consignado, com 16,3 milhões de beneficiários que possuem pelo menos um contrato de consignado ativo e 64,2 milhões de contratos ativos, incluindo aposentados, pensionistas e quem recebe o Benefício de Prestação Continuada (BPC). “Hoje, o INSS tem papel importante na garantia de que essas relações privadas sejam de alguma forma normalizadas. É natural que o INSS seja um ‘player’ muito importante na intermediação desses empréstimos”.

Na sequência, a presidente do Conselho de Administração da Zetra Soluções, Rosy Araújo, lembrou que no início dos anos 2000 o crédito consignado era visto como “nocivo e abusivo, pois levaria ao endividamento”. Em 2005, houve um ponto de virada com a entrada do INSS no mercado e a inclusão de aposentados e pensionistas. Rosy afirmou também que o futuro do crédito consignado será o mercado dos funcionários de empresas privadas.

Já o advogado Gabriel Furtado focou a apresentação na ilegalidade do teto de juros nos contratos de crédito consignado sobre benefícios previdenciários administrados pelo INSS. Ele defendeu que as disposições da Lei no 10.820/2003 não delegaram poderes regulamentares sobre a taxa de juros ao INSS e ao Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS), limitando a atuação dos órgãos apenas às questões operacionais do empréstimo consignado. “A partir de uma análise jurídica, me parece que o CNPS não tem competência normativa para estipular o teto da taxa de juros”.

Medidas de combate à litigância predatória – Presidido pelo ministro Paulo Dias de Moura Ribeiro do STJ, o terceiro painel do dia começou com a participação do vice-presidente do Banco Santander, Alessandro Tomao, que apresentou os números da judicialização dos contratos de crédito consignado, passando de cerca de 240 mil processos em 2020 para 585 mil processos em 2023, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Segundo Tomao, o Poder Judiciário e a sociedade civil precisam se mobilizar contra fraudes e litigância predatória e priorizar a solução prévia de conflitos. Tomao também citou outras ações para mitigar a judicialização, como a realização de audiência preliminar para depoimento pessoal do autor da ação e confirmação da intenção do litígio e a criação de critérios objetivos para concessão de gratuidade da justiça.

A diretora jurídica do C6 Bank, Patricia Giglio, também falou sobre o combate às fraudes e detalhou a atuação da instituição na contratação de crédito consignado no formato digital, utilizando novas tecnologias como a biometria facial para garantir mais segurança na operação. “Ao todo, nos últimos 12 meses, 12 mil contratos de consignado do C6 Bank foram questionados em juízo, sendo que 10 mil nem entraram em contato com o banco para não reconhecer o contrato. Essa situação é muito preocupante. Nós não podemos impedir as pessoas de acessarem o Poder Judiciário. No entanto, apenas com um contato com o banco, o problema poderia ter sido resolvido e não teriam entrado essas 10 mil ações a mais no Judiciário”.

O diretor da Escola de Magistratura do Rio de Janeiro (Emerj), desembargador Marco Aurélio Bezerra de Melo, afirmou que muitas das fraudes nos contratos de crédito consignado estão relacionadas a assinaturas falsas. Segundo o magistrado, a jurisprudência do STJ já pacificou que nesses casos o ônus da prova é da instituição financeira. 

Já o consultor jurídico da Associação Brasileira de Bancos, Djalma Silva Júnior, defendeu que os bancos evitem a judicialização a partir da criação de processos internos mais eficientes, como a formatação precisa de produtos, a simplificação de contratos com o uso da visual law e a transição da assinatura física para digital.

Os caminhos para a desjudicialização – Mediado pelo ministro Marco Buzzi do STJ, o último painel do seminário tratou dos caminhos para a desjudicialização do crédito consignado. Na ocasião, o superintendente jurídico do Banco Bradesco, Paulo Celso Pompeu, defendeu que a desjudicialização do crédito consignado passa pela utilização dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs) e, especialmente, dos canais de atendimento das instituições financeiras. 

Pompeu destacou também a conciliação como mecanismo efetivo de combate à litigiosidade e à litigância predatória: “No momento da audiência de conciliação é que se detecta o que realmente está acontecendo com o consumidor. A única solução para a judicialização é buscar os meios alternativos de solução de conflitos”. 

Na sequência, o coordenador jurídico do Banco Itaú, Rafael da Cunha, citou três premissas para reduzir a judicialização do consignado na perspectiva das instituições financeiras. O aprimoramento constante do produto com foco na experiência do cliente, o combate à litigância predatória e o atendimento pré-processual nos juizados especiais a partir de acordos de cooperação técnica com os tribunais de justiça.

Já o juiz de direito do Tribunal de Justiça de Pernambuco Romulo Bastos compartilhou a experiência como magistrado na Vara Única de Saloá, em Pernambuco, que sofreu com o problema de litigância predatória. Ele explicou como essa atuação gera efeitos negativos no sistema de justiça. “Essa litigância de má-fé desorganiza o Poder Judiciário. As ações sem lastro de demanda são um ataque às instituições”.

A contribuição do Poder Judiciário – No encerramento do encontro, que contou com a participação do editor-executivo da Revista Justiça & Cidadania, Tiago Santos Salles, o corregedor nacional de justiça, ministro Mauro Campbell Marques, fez um balanço dos debates do seminário. Ele afirmou que o crédito consignado possui ligação com o superendividamento, especialmente da população hipossuficiente. Campbell destacou também que o juiz não pode ser “vendedor de ilusões” e que a relação entre juízes e advogados precisa ser saudável.

“Antes de efetuarmos qualquer crítica e apontarmos o dedo para a advocacia, cuja parcela minoritária exerce a litigância predatória, é preciso retomar o papel do juiz. As partes precisam se acostumar a ter uma figura imparcial e isenta à frente delas, que vai cumprir a obrigação como magistrado”, afirmou.