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Ronda da cidadania

23 de maio de 2013

Da Redação, por Ada Caperuto

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A iniciativa, liderada e organizada pelo Poder Judiciário do Rio Grande do Sul, presta atendimento à população de comunidades hipossuficientes. A inovadora prática de descentralização da oferta de serviços de inclusão social propicia acesso à justiça e materialização de direitos humanos.

Há doze anos, os magistrados e servidores do Foro da Comarca de Pelotas, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ-RS), unem-se em uma grande missão de voluntariado: a Ronda da Cidadania, uma iniciativa da Corregedoria Geral da Justiça do TJ-RS, com apoio de diversas instituições públicas e privadas. O Projeto é colocado em prática por meio de feiras, que ampliam e democratizam o acesso à justiça, ao proporcionarem à população, em um mesmo local, durante um dia inteiro, os mais variados serviços – o que promove a inclusão social, a cidadania e os direitos humanos. “Esses eventos reúnem serviços de utilidade pública que são fornecidos gratuitamente. São semelhantes às ações realizadas por outras entidades, todavia, nosso foco está na documentação e a informação jurídica”, informa o juiz de Direito Marcelo Malizia Cabral, coordenador do Projeto Ronda da Cidadania.

Advogados, estudantes, servidores do Poder Judiciário, juízes, promotores de justiça, defensores públicos e organizações não governamentais que lutam pela democratização do acesso à justiça trabalham de modo integrado para que a comunidade conheça seus direitos e a forma de concretizá-los. Os números impressionam: foram atendidas até hoje mais de 60 mil pessoas em 44 edições do evento, que ocorre sempre nas cidades que integram a Comarca de Pelotas: Capão do Leão, Morro Redondo, Turuçu, Arroio do Padre e o próprio município sede, que dista 250 quilômetros da capital do estado, Porto Alegre. De acordo com Cabral, os serviços mais procurados na Ronda da Cidadania são o de regularização de documentos, como registros de nascimento, reconhecimento de paternidade, habilitação ao casamento, título de eleitor, além dos mais requisitados: carteira de identidade, CPF, certidão de nascimento e carteira de trabalho.

O público que procura o Projeto também busca orientações jurídicas e até mesmo soluções alternativas ao processo judicial, como a autocomposição. “As audiências de conciliação são realizadas durante a Ronda, com conciliadores presentes, quando comparecem todos os interessados – o que não é comum. Se não, a parte que procura o serviço já fica com uma audiência agendada para os próximos dias, a ser realizada no fórum, pela Central de Conciliação e Mediação”, explica o magistrado.

Outro recorde que merece ser registrado: a Ronda da Cidadania já realizou quase 700 casamentos coletivos. “O objetivo é garantir maior proteção à família, seja em razão das garantias que a legislação oferece ao casamento, seja em decorrência da preparação e das orientações jurídicas, sociais e psicológicas que são propiciadas”, diz Cabral.

As ações de responsabilidade social ultrapassam a esfera da prestação de serviços jurídicos, já que o Projeto também proporciona atendimentos na área de higiene e saúde (medição de pressão, testes de acuidade visual e de glicose, informações sobre prevenção de doenças, cortes de cabelo) e, ainda, recreação, educação, lazer, trabalho, cultura, preservação ambiental e serviço social

Movendo montanhas

O ditado garante: quando não podemos ir até a montanha, esta segue o caminho inverso em nossa direção. Pode-se dizer que a Ronda da Cidadania está fazendo este exato movimento ao levar atendimento àqueles que necessitam. De acordo com o juiz Marcelo Cabral, a seleção dos municípios onde ocorrerão as edições do Projeto é feita de acordo com a hipossuficiência e a distância geográfica entre os locais que solicitam o serviço e a sede da Comarca, dando-se preferências às comunidades mais distantes e com maiores índices de vulnerabilidade social. Um dos caminhos para identificar tais demandas se dá em consultas a escolas, associações comunitárias e outros serviços que dialogam com comunidades excluídas.

Além de um ou mais magistrados para a coordenação geral, um grupo de cinco servidores voluntários cuida das demandas burocráticas da organização, como contatos com os parceiros, expedição de ofícios e demais necessidades. Por sua vez, as instituições parceiras destinam pessoas para a realização dos atendimentos e as comunidades. “Deste modo, de regra, cerca de uma centena de pessoas trabalham em cada Ronda. Não há especificamente um treinamento, mas todo o seu funcionamento é explicado e discutido com os parceiros em reuniões preparatórias”, explica o coordenador.

Todo este empenho não teria resultados não fosse a grande adesão do público: em todas as edições, mais de mil pessoas são atendidas. “É importante registrar que a aproximação do Judiciário de comunidades vulneráveis e a inclusão social propiciada a essas populações constituem os fatores de sucesso da prática”, lembra o magistrado.

O processo começa com uma reunião entre os organizadores, os organismos parceiros e representantes da sociedade civil, com a finalidade de sensibilizar a todos sobre a importância da descentralização dos serviços e a relevância do Projeto. “Também são realizadas visitas às instituições que não comparecem a essas reuniões”, destaca Cabral.

Em geral, a Ronda ocorre em escolas, associações de moradores, salões comunitários e outras estruturas capazes de acolher um grande número de pessoas. Quando não existe uma estrutura física ideal, recorre-se a barracas e outros aparatos móveis. “Definido o calendário para o atendimento de determinada comunidade, a equipe cuida da divulgação, que é realizada pelos meios de comunicação em geral e também nas escolas e associações de moradores”, explica o juiz.

Os recursos materiais de trabalho são disponibilizados pelo fórum e demais entidades participantes, como computadores, folders e volantes informativos, materiais de expediente necessários à confecção de documentos e demais equipamentos para atendimentos diversos na área de saúde e outras. “A prática não envolve qualquer dotação orçamentária própria, mas se realiza com recursos ofertados pelas comunidades atendidas, pelos parceiros e pela sociedade civil”, informa o coordenador.

O Projeto vence distâncias e obstáculos, que mesmo sendo transponíveis, exigem certo exercício para solucionar equações. Em geral, as dificuldades estão relacionadas às questões materiais de infraestrutura tecnológica e deslocamento, tanto para o transporte das pessoas que prestarão serviços quanto dos usuários até o local. “Superamos tudo isso graças ao espírito de solidariedade e à responsabilidade social das instituições parceiras do Projeto Ronda da Cidadania, seja com o deslocamento de equipamentos pelas próprias instituições, seja pela oferta das comunidades de meio de transporte”, informa o coordenador.

Nada disso seria colocado em prática sem a adesão das instituições prestadoras de serviços. Entre elas estão: a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Justiça Estadual, Justiça do Trabalho, Defensoria Pública da União, Defensoria Pública Estadual, Ministério Público, Cartórios de Registros Públicos, Tabelionatos, Secretarias Municipais da Cidadania, de Saúde e de Educação, Secretaria Estadual de Educação, Subdelegacia Regional do Trabalho, Vigilância Ambiental, Secretaria Estadual de Segurança Pública, Conselho Tutelar, 5ª Coordenadoria Estadual de Educação, Delegacia Regional do Trabalho, Ministério do Trabalho, Brigada Militar, Polícia Ambiental e Corpo de Bombeiros, além de universidades, associações de classe e organizações não governamentais e iniciativa privada.

Por suas características e resultados, o Projeto foi inscrito na categoria “Prêmio Especial”, do Prêmio Innovare 2011, realizado anualmente pelo Instituto Innovare, com o objetivo de dar reconhecimento às práticas realizadas por profissionais do Direito que contribuam com a modernização e excelência da Justiça Brasileira. O juiz Marcelo Cabral defende que a Ronda da Cidadania aproxima a população do Poder Judiciário, por meio de seus juízes e servidores. “A presença desses atores sociais em praças públicas, comunidades distantes, junto aos grupos excluídos e periferias já proporciona, por si, este efeito”, declara.

Há outras Comarcas do Rio Grande do Sul que desenvolvem a prática, porquanto há incentivo da Corregedoria Geral da Justiça a que assim procedam seus magistrados. Falando pela Comarca de Pelotas, o coordenador do Projeto considera que todas as ações realizadas até hoje, em qualquer um dos municípios atendidos, têm sido muito significativas. “Assim, pode-se testemunhar famílias inteiras deixando os ciclos de exclusão social, por meio da confecção de documentos, inclusão em programas sociais do governo e outros benefícios”, declara Marcelo Cabral.