Edição 97
Rioprevidência: os desafios do assessoramento jurídico de uma autarquia em reestruturação
31 de agosto de 2008
Felipe Derbli Procurador do Estado, Diretor Jurídico do Rioprevidência
Ao final de setembro de 2007, recebi da Procuradora-Geral do Estado, Dra. Lúcia Léa Guimarães Tavares, e dos Subprocuradores-Gerais, Dr. Rodrigo Mascarenhas e Dr. Henrique Rocha, um “convite” e tanto: ocupar o cargo de Diretor Jurídico do Fundo Único de Previdência Social do Estado do Rio de Janeiro – Rioprevidência. O convite, na verdade, era uma missão institucional de enorme relevância. Finalmente, o Estado se apercebeu de que o fundo de pensão de seus servidores, com patrimônio de cerca de R$ 54 bilhões, é o segundo maior do país, perdendo apenas para a Previ, do Banco do Brasil. Era necessário instituir uma gestão independente e profissional na autarquia, para o que foram trazidos o atual Diretor-Presidente, Wilson Risolia Rodrigues, e outros técnicos de grande capacidade.
A administração competente dos ativos do Rioprevidência envolvia a adoção de medidas que ampliassem a rentabilidade de sua carteira imobiliária e, sobretudo, o bom aproveitamento dos royalties do petróleo que lhes foram incorporados ao patrimônio pelo Estado, de modo a garantir as reservas de longo prazo e, paulatinamente, reduzir o déficit atuarial do regime próprio de previdência social dos servidores públicos do Estado. Por óbvio, exigiam-se soluções tecnicamente corretas, juridicamente sustentáveis, criativas e, sobretudo, transparentes, de modo a que os servidores públicos, ativos e inativos, e pensionistas do Estado, bem como toda a população fluminense, tivessem inteiro conhecimento de tudo o que se fizesse com os recursos do Fundo.
Toda essa agenda positiva, no entanto, também trouxe consigo uma contrapartida urgente e necessária: com o então recente advento da Lei Estadual no 5.019/2007, havia sido extinto o Instituto de Previdência do Estado do Rio de Janeiro (Iperj), que foi sucedido pelo Rioprevidência em seus direitos e obrigações. Em cumprimento ao que determina o art. 40, § 20, da Constituição Federal, passou a ser do Rioprevidência, como ente gestor único, não apenas a gestão do ativo previdenciário, como também do passivo.
Não é novidade que o extinto Iperj, de há muito, já não mais atendia adequadamente os seus propósitos. A defasagem dos benefícios previdenciários à luz da regra constitucional da paridade entre ativos, inativos e pensionistas criou a enxurrada de ações judiciais que, hoje, representam cerca de 250 novos mandados de citação por mês. Em passado relativamente recente, o Iperj possuía um lastimável histórico de descumprimento de decisões judiciais, que ocasionavam a cominação de pesadas multas ou mesmo outras medidas coercitivas mais extremas, como intimações para cumprimentos de ordens em 30 minutos ou mandados de condução à autoridade policial, que, ainda que de legalidade discutível, normalmente advinham de justo motivo.
Qual o papel da Diretoria Jurídica do Rioprevidência nesse cenário? Antes de tudo, era preciso dar tranqüilidade aos órgãos técnicos para trabalharem nas atividades-fins da autarquia, que agora também envolviam o atendimento aos segurados e beneficiários do regime próprio de previdência. Impunha-se reduzir o risco jurídico/judicial do Rioprevidência, o que deveria começar, é claro, pela mais elementar das medidas: organizar e promover, a qualquer custo, o cumprimento célere das decisões judiciais.
Com essa disposição, convidei a Dra. Juliana Caldeira e Teixeira para assumir o cargo de Coordenadora Jurídica e chefiar uma equipe 100% dedicada à administração do cumprimento de ordens judiciais – temos, atualmente, 23 pessoas exclusivamente voltadas para essa atividade. Reorganizamos procedimentos internos e, periodicamente, revisitamos nossas rotinas sob uma análise crítica, otimizando as relações com o Grupo de Trabalho de Processos Judiciais da Diretoria de Seguridade e com a Procuradoria Geral do Estado (que representa o Rioprevidência em juízo) e uniformizando os documentos de comunicação com o Tribunal de Justiça e com as Varas de Fazenda Pública.
Os resultados não demoraram a aparecer. Até o final de julho deste ano, foram cumpridas e informadas ao Poder Judiciário, somente quanto aos processos de revisão de pensão, 2186 decisões judiciais, contra 918 de todo o ano passado – até o final do ano, alcançaremos um aumento de 200% no atendimento das determinações dos magistrados. Na medida do possível, temos respondido às requisições de informações da forma mais completa que nossas competências nos permitem e em tempos bem inferiores aos anteriormente praticados. Conseguimos municiar a PGE das informações necessárias à defesa do Rioprevidência com muito maior eficácia. Apesar de ainda haver, vez por outra, algumas surpresas desagradáveis – e, ouso dizer, alguma teratologia –, os antes justificáveis atritos com o Judiciário reduziram-se sensivelmente. Parece-me que conseguimos a compreensão de que, nesta quadra, trabalha-se com vontade e na forma da lei.
Tais resultados foram alcançados com muito empenho e dedicação. Nossa equipe administrativa foi treinada, submetendo-se a curso de noções elementares de Direito ministrado pelos próprios integrantes da Diretoria Jurídica a custo zero, para compreender a prioridade do cumprimento das decisões judiciais e os indesejáveis efeitos de seu desatendimento. Com o perdão da imodéstia, é impossível não notar a diferença.
Evidentemente, de nada adiantaria tanto esforço sem que se adotasse qualquer providência para que novas ações não precisem mais ser intentadas. Anunciado pelo Governo do Estado o objetivo de atualizar os benefícios previdenciários e repactuar o passivo perante os pensionistas, judicial e extrajudicial, a Diretoria Jurídica do Rioprevidência, com o auxílio inestimável da Procuradoria Geral do Estado e da Assessoria Jurídica da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão, já concluiu os estudos que viabilizarão esse projeto histórico, elaborando as minutas dos instrumentos que fornecerão o respectivo arcabouço jurídico.
Até que a operação se inicie, algumas outras medidas pontuais já foram adotadas. Fornecemos lastro jurídico para a habilitação das pensões previdenciárias por morte de policiais militares que, apesar de consolidada jurisprudência do Tribunal de Justiça, ainda vinham sendo fixadas a menor ou simplesmente não eram concedidas, ficando o Tesouro obrigado a custear pensões provisórias por períodos excessivos e irrazoáveis. Milhares de pensionistas, literalmente, terão suas pensões concedidas pelo Rioprevidência nos valores constitucional e legalmente corretos.
Mesmo com tanto a fazer nessa área, a Diretoria Jurídica do Rioprevidência não descurou das outras frentes de ação. Daqui saiu o anteprojeto de lei de unificação dos regimes próprios de previdência do Estado, que, em calorosos e profícuos debates com notáveis integrantes dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e do Tribunal de Contas do Estado, culminou na edição da Lei no 5.260/2008, diploma elogiado noutros cantos do país, que permitiu ao Estado a manutenção do Certificado de Regularidade Previdenciária, condição indispensável para o recebimento de transferências voluntárias de recursos da União.
A Diretoria Jurídica atuou, ainda, em outras questões relacionadas à transparência na gestão da autarquia. Atendendo às normas da Lei no 3.189/99, fizemos a minuta do Decreto no 41.356/2008, que fixa os prazos de contratação e de interstício de recontratação de auditor externo independente pelo Rioprevidência – medida posteriormente estendida para todo o Poder Executivo. Em conjunto com a Diretoria de Investimentos da autarquia, elaboramos a Portaria no 136/2008, que disciplina os procedimentos para o credenciamento e a seleção das instituições financeiras autorizadas a operar com o Rioprevidência – agora, é possível saber com clareza o que levou o Fundo a manter aplicações financeiras num ou noutro banco.
Estamos presentes, ainda, no assessoramento jurídico para as licitações (este ano, já foram mais de 40) e nas futuras operações do Rioprevidência no mercado de capitais. Com a indispensável ajuda da Gerente de Apoio Jurídico, Dra. Cristiane Dias Carneiro, estamos trabalhando na estruturação da licitação para securitização de bem imóvel do Rioprevidência, mediante a constituição de fundo de investimento imobiliário, um projeto inédito nos regimes próprios de previdência social de todo o país. A Diretoria Jurídica participou do programa de certificação profissional do Rioprevidência – somos quatro os profissionais certificados pela Associação Nacional dos Bancos de Investimento – ANBID (CPA-10). E muito mais foi feito, além do que se poderia contar neste espaço.
Tudo isso tem sido possível graças à independência que vem sendo assegurada ao trabalho da Diretoria Jurídica e à confiança franqueada pela PGE, que supervisiona constantemente nossa atuação. Tem sido gratificante fazer parte da novidade e do que, ao meu sentir, vem sendo uma verdadeira revolução na gestão da coisa pública, sem jamais perder de vista o rumo da ética, da legalidade e da transparência. Aguardem-nos: outras inovações virão por aí.