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Responsabilidade civil dos clubes de futebol em casos de acidente de trabalho

9 de abril de 2014

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Mauricio-de-FigueiredoEm razão das especificidades que envolvem o atleta profissional de futebol é necessário que haja um meio eficaz de proteção deste trabalhador diferenciado, cujo período de atividade é extremamente reduzido quando comparado com o operário ordinário.

A atividade do atleta profissional é regida pela Lei no 9.615/98 (Lei Pelé), que assegura ao atleta a condição de empregado e segurado obrigatório da previdência social.

Cada vez mais o preparo físico é requisito essencial na formação do atleta, pois o nível de competitividade está em constante crescimento, o que demanda maior esforço do jogador, sendo que para se chegar a este nível de preparo e depois mantê-lo existe um desgaste físico e biológico proporcional.

A Constituição da República Federativa do Brasil ampliou o conceito de direito constitucional do trabalho e assegurou a todos os trabalhadores o direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho, mediante normas de saúde, higiene e segurança, nos termos do inciso XXII de seu artigo 7o. Logo, esta previsão também é aplicada ao atleta profissional de futebol.

A ocorrência de lesões é uma constante na vida do atleta, principalmente o de alto rendimento, pois, segundo afirma Álvaro Melo Filho1, o desporto inclui-se dentre as profissões de desgaste rápido, agravado pela competitividade que gera, muitas vezes, desvalorização resultante de incapacidades por contusões, lesões e acidentes de trabalho de atletas profissionais.

São frequentes as reclamações de jogadores que são submetidos a exercícios excessivos e exaurientes que comprometem o tecido muscular e facilitam a ocorrência de lesões.

Já tive a oportunidade de me manifestar no sentido de que ninguém consegue trabalhar submetido a agentes perigosos ou insalubres durante toda a vida adulta, bem como, poucos atletas profissionais atuarão com o mesmo vigor por mais de um par de décadas2.

Daí a necessidade de adoção de fixação de comandos legais voltados não apenas para a segurança do atleta, mas também para protegê-lo da tentação de esbanjar todo o fruto amealhado com o seu trabalho sem se preocupar com o futuro.

Dentro deste universo de medidas que visam assegurar uma tranquilidade para o atleta está a figura do seguro obrigatório, previsto no art. 45 da Lei Pelé, que é taxativo ao afirmar a obrigatoriedade da contratação pelo clube empregador, de seguro de vida e de acidentes pessoais, com o objetivo de cobrir os riscos a que eles estão sujeitos. Com efeito, trata-se de uma obrigação inafastável prevista na lex desportiva.

Os parágrafos primeiro e segundo do dispositivo legal apontam categoricamente que o clube empregador também será responsável pelas despesas médicas e dos medicamentos necessários ao restabelecimento do atleta até a efetivação do pagamento da indenização pela seguradora, o que demonstra o princípio protetivo e humanitário do referido dispositivo legal, na medida em que o não cumprimento imediato pela seguradora poderá resultar em sequelas irreversíveis àquele atleta que necessita de pronto atendimento.

A legislação previdenciária é aplicada ao atleta profissional que gozará dos benefícios nela previstos, como, por exemplo, o auxílio doença ou o auxílio acidente.

O acidente de trabalho está definido no caput do art. 19 da Lei no 8.213/91 e é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 2o desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, ou a perda ou redução permanente ou temporária da capacidade para o trabalho.

Determina o art. 118 da Lei no 8.213/913, que “o segurado que sofreu acidente de trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente”.

A possibilidade do atleta profissional sofrer acidente de trabalho me parece inquestionável. O jurista Sérgio Pinto Martins exemplifica casos típicos de acidentes de trabalho do atleta profissional, como, por exemplo, a distensão muscular, a fadiga muscular e o envelhecimento precoce4. Também podem ser assim consideradas as rupturas de ligamentos e as fraturas. Porém, no tocante ao reconhecimento da estabilidade provisória decorrente do acidente de trabalho existem dois fatores que devem ser levados em consideração.

O primeiro se refere à modalidade de contrato imposta ao atleta profissional. Em razão da determinação contida no art. 30 da Lei no 9.615/98, o tempo de duração do contrato não poderá ser inferior a três meses e nem superior a cinco anos. Logo, havendo prazo determinado, a estabilidade assegurada na legislação previdenciária não poderia superar o limite estabelecido na lei desportiva.

Além disso, outro ponto merecedor de destaque é a obrigatoriedade da contratação do seguro de vida e acidentes pessoais, cuja importância segurada deve garantir ao atleta profissional, ou ao beneficiário por ele indicado no contrato de seguro, o direito à indenização mínima correspondente ao valor anual da remuneração pactuada.

Na hipótese de ocorrência de acidente de trabalho, o clube é responsável pelo pagamento dos salários do atleta durante os 15 primeiros dias de afastamento e deverá emitir o Comunicado de Acidente de Trabalho (CAT), cabendo ao INSS o pagamento do benefício previdenciário, tendo em vista que os clubes contribuem com o percentual de 5% de sua arrecadação para a autarquia. Nesta hipótese, o contrato de trabalho fica suspenso e haverá a sua prorrogação quando do restabelecimento do atleta.

Via de regra, durante o período de suspensão do contrato de trabalho, o clube não tem o dever de pagar o salário do atleta enquanto ele estiver ausente. Contudo, na prática, geralmente os clubes pagam os salários, ou parte destes, pois a recuperação do atleta é acompanhada, geralmente, por médicos do próprio clube empregador.

Independentemente do benefício previdenciário a ser recebido pelo atleta, quando restar caracterizado o acidente de trabalho, poderá o jogador (ou o seu beneficiário), receber o pagamento do valor assegurado na apólice do seguro efetuado pela empresa.

Jogador

Responsabilidade civil do clube empregador
Com efeito, duas são as teorias que definem a responsabilidade de indenizar civilmente o empregado que sofre algum dano no desempenho de seu trabalho. A saber: a Teoria da Responsabilidade Objetiva e a Teoria da Responsabilidade Subjetiva.

A primeira está amparada no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, e dispõe que, mesmo ausente a conduta culposa ou dolosa por parte do empregador, havendo previsão legal para tanto, ou detendo a empresa atividade que pressuponha risco potencial à integridade física e psíquica do trabalhador, há, sim, a obrigação de reparar. Trata-se de de um avanço jurisprudencial que foi condensado no Código Civil de 2002.

A segunda defende que, para que surja a obrigação de indenizar, imprescindível se faz a presença do trinômio consubstanciado no evento danoso, nexo de causalidade entre este e a atividade laboral desenvolvida pelo empregado e, ainda, a existência de conduta ilícita (dolosa ou culposa) por parte do empregador.

Para ser considerada como atividade de risco, Cláudio Luiz Bueno de Godoy5 entende que esta deve ser intrinsecamente perigosa e que, por esta razão, seja capaz de suscitar a responsabilidade sem culpa de quem a exerce.

A atividade desempenhada pelo atleta profissional pode ser considerada como sendo de risco? Em relação ao clube empregador cujo atleta sofreu acidente de trabalho, será aplicada a responsabilidade objetiva ou subjetiva? A jurisprudência não é unânime e existem decisões em ambos os sentidos.

Não são poucos os casos em que se discute a ocorrência de acidente de trabalho que tramitam no Judiciário trabalhista. Também são frequentes os pedidos de pagamento de indenização decorrente da não contratação do seguro obrigatório por parte do clube empregador.

No mês de janeiro de 2014 foi divulgada pela imprensa nacional a notícia de uma decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 7a Região, com sede no Ceará, que condenou o Ceará Sporting Club a indenizar um zagueiro que foi demitido após lesão ocorrida durante um treinamento.

A decisão, proferida pela maioria dos Desembarga­dores, considerou a prova pericial produzida nos autos, que afirmou a existência de sequelas definitivas que impediam o retono do atleta aos gramados e, desta forma, a ruptura do ligamento cruzado anterior do joelho direito foi considerada como acidente de trabalho passível de reparação indenizatória.

O referido clube também foi condenado ao pagamento de 25 meses de salário ao atleta, pois 12 meses se referiam à estabilidade provisória e 13 meses pelo fato do clube não ter contratado o seguro obrigatório exigido pela lei desportiva.

Tal fato demonstra, de forma definitiva, que apesar da firme previsão contida no art. 45 da Lei Pelé, muitos clubes a deixam de cumprir.

O referido acórdão foi proferido nos autos do RO- 1198-33.2011.5.07.0013, cabendo aqui a transcrição de determinados trechos da decisão. Verbis:

(…) DA ESTABILIDADE PROVISÓRIA OU INDENIZAÇÃO PELO PERÍODO CORRESPONDENTE DA LEI 8.213/91
Segundo o §3o do art. 28 da Lei 9.615/98, aos atletas profissionais aplicam-se as normas gerais trabalhistas e as da seguridade social, ressalvadas, por óbvio, as peculiaridades expressas nesta Lei ou pactuadas nos contratos individuais de trabalho. Como visto, a julgadora de base, apesar de reconhecer que restou indene de dúvidas o acidente de trabalho sofrido pelo reclamante, por ocasião de treinamento oficial realizado no clube reclamado, do qual advieram sequelas que o incapacitaram definitivamente ao exercício da atividade de jogador de futebol (laudo médico pericial de fls. 168/171), indeferiu o pleito de estabilidade, unicamente, por se tratar de hipótese de contrato por prazo determinado, o que, segundo assentou no decisum, torna indevido referido pleito, verbis: “A garantia de emprego de que trata o art. 118 da Lei 8.213/91 busca proteger continuidade da relação do vínculo empregatício, pressupondo a existência de um contrato por prazo indeterminado, o que não é o caso. Ademais, impõe-se referir, complementarmente, que o reclamado não possui a exclusividade na emissão da CAT, o que poderia ter sido providenciado pelo próprio autor. Ora, dúvidas não restam de que, a teor do preceituado no art. 30 da Lei 9.615/98, em regra, são por prazo determinado os contratos de trabalho dos atletas profissionais, senão vejamos: ‘Art. 30. O contrato de trabalho do atleta profissional terá prazo determinado, com vigência nunca inferior a três meses nem superior a cinco anos’. (Redação dada pela Lei nº 9.981, de 14.7.2000). Então, aqui, cumpre apenas analisar o cabimento, ou não, do instituto previsto no art. 118, da Lei 8.213/91 (estabilidade provisória por acidente de trabalho) ao reclamante, cujo contrato era por prazo determinado.” Data venia do entendimento esposado no comando sentencial, e de acordo com o posicionamento mais recente da Superior Corte Trabalhista, o simples fato de se tratar de contrato por prazo determinado não deve ser o suficiente ao alijamento do obreiro à percepção do benefício em comento. Para tanto, basta que se constate que, em momento algum, a norma previdenciária prefalada excluiu dos possíveis beneficiários da estabilidade acidentária, os trabalhadores com contrato a termo, pena de violação a princípios constitucionais maiúsculos protetivos dos direitos sociais nas relações de trabalho. (…)6

Portanto, de acordo com entendimento constante na decisão que, inclusive, invocou precedentes do Tribunal Superior do Trabalho, o simples fato de se tratar de contrato por prazo determinado não deve ser suficiente ao alijamento do empregado à percepção da estabilidade provisória.

Nesse sentido é pacífica a jurisprudência, conforme se infere da Súmula no  378 do C. TST, cujo item III é expresso em assegurar que “o empregado submetido a contrato de trabalho por tempo determinado goza da garantia provisória de emprego decorrente de acidente de trabalho prevista no no art. 118 da Lei nº 8.213/91”.

É importante destacar que, no caso em tela, o contrato de trabalho do atleta tinha prazo de vigência de 3 anos e duraria de novembro de 2008 a novembro de 2011. Porém, a lesão ocorreu no início do ano de 2009 e o clube decidiu rescindir o contrato do atleta em dezembro de 2010, portanto, 11 meses antes do término do contrato.

Em julgamento realizado no dia 26.2.2014, a 1a Turma do TST deu provimento ao Recurso de Revista do atleta nos autos do RR-393699-47.2007.5.12.0050 e condenou o Joinville Esporte Clube a pagar R$ 100.000,00 (cem mil reais) de indenização por danos morais e materiais a um jogador do time que sofreu lesão na cartilagem do calcanhar durante o jogo e fez com que o jogador encerrasse a sua carreira.

Nesse caso, o pedido de indenização foi rejeitado pelo TRT que apurou a inexistência de culpa da agremiação desportiva que custeou o tratamento médico e tomou as providências necessárias para tentar reverter a lesão.

Todavia, o relator do processo no Tribunal Superior do Trabalho, Ministro Walmir Oliveira da Costa, aplicou a teoria da responsabilidade objetiva do empregador, pois, segundo o magistrado, é fato público e notório que a competitividade e o desgaste físico, inerentes à prática desportiva, são fatores que podem desvalorizar o atleta que sofre lesões, seja durante os treinos ou nas partidas.

O Ministro avaliou que é obrigação dos times profissionais de futebol zelar pela saúde física dos atletas e reparar possíveis danos que a atividade profissional possa causar. Desta obrigação, adviria a responsabilidade objetiva de reparar o dano causado, independentemente de culpa, ainda mais quando o legislador passou a obrigar os clubes a pagarem apólices de seguro para os atletas.

A ementa constante do acórdão acima mencionado foi publicada no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho do dia 6/3/2014 e segue abaixo. Verbis:

RECURSO DE REVISTA. ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL. ACIDENTE DE TRABALHO. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL.
1. O Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região, não obstante reconhecer que o acidente ocorreu enquanto o autor desenvolvia sua atividade profissional em benefício do clube réu, bem como que, em virtude do infortúnio, o atleta não teve condições de voltar a jogar futebol profissionalmente, concluiu que a entidade desportiva não teve culpa no acidente de trabalho, além de haver adotado todas as medidas possíveis para tentar devolver ao autor a capacidade para o desenvolvimento de suas atividades como atleta profissional, não sendo possível a sua recuperação porque a medicina ainda não tinha evoluído ao ponto de permitir a cura total. Razões pelas quais a Corte “a quo” rejeitou o pedido de indenização por dano material e dano moral. 2. Ocorre, todavia, que, conforme o disposto nos arts. 34, III, e 45, da Lei no 9.615/98, são deveres da entidade de prática desportiva empregadora, em especial, submeter os atletas profissionais aos exames médicos e clínicos necessários à prática desportiva, e contratar seguro de vida e de acidentes pessoais, vinculado à atividade desportiva, para os atletas profissionais, com o objetivo de cobrir os riscos a que eles estão sujeitos. 3. Em tal contexto, incide, à espécie, a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, segundo o qual, haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. 4. Dessa orientação dissentiu o acórdão recorrido. Recurso de revista parcialmente conhecido e provido.
(TST – 1a Turma – Rel. Ministro Walmir Oliveira da Costa – RR-393600-47.2007.5.12.0050 – Recorrente: Tiago Dutra Regis – Recorrido: Joinville Esporte Clube – Publicado no DEJT: 6.3.2014)

Esse precedente trata-se de verdadeiro leading case no âmbito da Justiça do Trabalho, pois é a primeira vez que a mais alta Corte Trabalhista do país enfrenta essa matéria quando se trata de atleta profissional de futebol. Inúmeros são os precedentes que aplicam a teoria da responsabilidade objetiva e determinam que o empregador pague indenizações independente de culpa, porém, nesses casos os riscos das atividades exploradas são incontestáveis, em sua maioria.

Em razão da disposição contida no art. 7o, XXVIII, da Constituição Federal é comum se afirmar a necessidade da existência de culpa ou dolo do empregador, bem como o nexo causal entre a atividade desempenhada e o dano, a fim de que seja caracterizado o dever de indenizar. Contudo, pondera e alerta o juiz Ney Maranhão7 que tal dispositivo deve ser analisado em consonância com o caput deste mesmo artigo, no qual está consagrado que além dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais relacionados naquele dispositivos, também são direitos dos trabalhadores outros que visem à melhoria de sua condição social.

Todo ser humano está sujeito a lesões, de diferentes graus e sequelas, ocasionadas pelo simples fato de estar vivo, valendo aqui lembrar o dizer de Guimarães Rosa, em Grande Sertão Veredas: “Viver é muito perigoso”. Contudo, viver sujeito a determinado risco é ainda mais perigoso.

Com efeito, a prática do futebol, indubitavelmente, está inserida dentre aquelas modalidades esportivas que exigem elevados esforços físico e muscular.

Também são frequentes as mortes ocasionadas por problemas de saúde, sendo que a medicina preventiva poderia evitar que tragédias acontecessem em campo, como no fatídico e lamentável caso do jogador Serginho do São Caetano.

Mais recente foi o episódio do jogador italiano Piermario Morosini, de 25 anos, que veio a falecer após uma parada cardíaca em campo, o que demonstra que o risco é inerente à atividade, independentemente de onde é praticada.

No Distrito Federal e no Rio de Janeiro, por exemplo, existem leis locais que obrigam o exame médico dos praticantes de esportes, o que demonstra a preocupação do poder público com eles.

A própria Lei Pelé é taxativa em enumerar os deveres específicos que o atleta tem que cumprir, além daqueles deveres inerentes a qualquer contrato de trabalho. Assim dispõe o art. 35 da Lei no 9.615/98. Verbis:

Art. 35. São deveres do atleta profissional, em especial:
I – participar dos jogos, treinos, estágios e outras sessões preparatórias de competições com a aplicação e dedicação correspondentes às suas condições psicofísicas e técnicas;
II – preservar as condições físicas que lhes permitam participar das competições desportivas, submetendo-se aos exames médicos e tratamentos clínicos necessários à prática desportiva;
III – exercitar a atividade desportiva profissional de acordo com as regras da respectiva modalidade desportiva e as normas que regem a disciplina e a ética desportivas.

Essas regras, na visão de Jean Marcelo Mariano Oliveira8, demonstram todo o caráter especial do contrato de trabalho do atleta profissional de futebol, cujo sujeito passivo está obrigado a determinadas práticas sequer imagináveis para as demais formas laborais.

Com efeito, o atleta profissional, além dos deveres inseridos no dispositivo acima mencionado, também deve observar a obediência, a diligência e a fidelidade, esta última entendida como respeito ao caráter ético da relação contratual.

Para efetiva delimitação das hipóteses de insubordinação e indisciplina aplicáveis ao atleta profissional, imperiosa a análise dos aspectos que diferenciam o contrato de trabalho desportivo destacados por Álvaro Melo Filho9:

• Aspectos desportivos (treinos, concentração, preparo físico, disciplina tática em campo);

• Aspectos pessoais (alimentação balanceada, peso, horas de sono, limites à ingestão de álcool);

• Aspectos íntimos (uso de medicamentos dopantes; comportamento sexual);

• Aspectos convencionais (uso de brincos, vestimenta apropriada);

• Aspectos disciplinares (ofensas físicas e verbais a árbitros, dirigentes, colegas, adversários e torcedores, ou recusa em participação em entrevistas após o jogo).

Portanto, os deveres do atleta profissional se projetam para muito além daquele período em que o jogador está à disposição do seu clube empregador, o que não ocorre com o trabalhador comum, sendo que tal característica é definida por José Affonso Dallegrave Neto10, como uma relação de hiper-subordinação entre o atleta e o clube empregador, na medida em que aquele se submete às estritas diretrizes deste, dentro e fora do campo, em jogos, treinos e sessões preparatórias, assumindo o compromiso de não apenas jogar, mas de se dedicar ao máximo possível.

Por outro lado, as entidades desportivas também devem obedecer determinadas obrigações que estão arroladas na legislação desportiva, mais especificamente no art. 34 da Lei Pelé. Verbis:

Art. 34. São deveres da entidade de prática desportiva empregadora, em especial:
I – registrar o contrato especial de trabalho desportivo do atleta profissional na entidade de administração da respectiva modalidade desportiva;
II – proporcionar aos atletas profissionais as condições necessárias à participação nas competições desportivas, treinos e outras atividades preparatórias ou instrumentais;
III – submeter os atletas profissionais aos exames médicos e clínicos necessários à prática desportiva.

Além de todo o risco físico a que o atleta é exposto, ainda existe uma forte pressão psicológica em razão da alta competitividade a que está submetida o jogador. Tanto o risco quanto a disputa são inerentes à própria profissão, tanto é que em uma bola “dividida” os jogadores devem ser agressivos (sem ser maldosos ou desleais) para obter sucesso naquela disputa. Neste momento, a possibilidade de uma lesão sequer passa pela cabeça do atleta, pois o mais importante é a conclusão da jogada.

Por fim, insta salientar que ao clube empregador é aplicada a disposição contida no art. 2o da CLT que conceitua empregador como a empresa que assume os riscos da atividade econômica; logo, é a própria Consolidação das Leis do Trabalho que está adotando a teoria da responsabilidade objetiva exatamente para a responsabilidade concernente aos danos sofridos pelo empregado em razão da simples execução do contrato de trabalho.

Os riscos a que são submetidos os atletas durante o período em que estão vinculados ao clube empregador estão presentes e são inerentes à própria prática desportiva, daí porque é possível se aplicar a teoria da responsabilidade objetiva ao clube empregador, na hipótese de ocorrência de acidente de trabalho; ainda mais quando não se fazem presentes aspectos objetivos como, por exemplo, ausência de contratação do seguro, nos termos do art. 45 da Lei Pelé, não observância dos deveres do atleta e do clube (artigos 34 e 35 da Lei Pelé), exigência de treino ou esforço excessivo, dentre outros. Exceção a esta regra seria na hipótese em que houvesse a culpa exclusiva do atleta, ou nos casos em que este tenha concorrido para a ocorrência do dano.

Notas _____________________________________________________________________

1 FILHO, Álvaro Melo. Nova Lei Pelé Avanços e Impactos. p. 217 – Ed. Maquinaria – 2011.
2  VEIGA, Mauricio de Figueiredo Corrêa da; SOUSA, Fabrício Trindade de. A Evolução do Futebol e das Normas que o Regulamentam. Aspectos Trabalhistas-Desportivos. p. 79. Ed. LTr, 2013.
3 O referido dispositivo legal já teve sua constitucionalidade ques­tionada na medida em que o art. 7o, I, da Constituição Federal determinaria que apenas Lei Complementar é que poderia prever outras modalidades de estabilidade fora dos casos inscritos no próprio Diploma Constitucional. Todavia, quando do julgamento da ADIn no 639-8/600, pelo STF, o Ministro Joaquim Barbosa decidiu pela constitucionalidade do art. 118 da Lei no 8.213/91.
4 MARTINS, Sérgio Pinto. Direitos Trabalhistas do Atleta Profissional de Futebol. p. 129. Ed. Atlas, 2011.
5 GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Responsabilidade Civil pelo Risco do Acidente. Ed. Saraiva. 1. ed.,  2009, p. 91.
6 Disponível em <http://portaldeservicos.trt7.jus.br/portalservicos/buscaProcesso/externoNovaBuscaProcessoPorNumero.jsf;jsessionid=44CEE60851532CD0AC0C6F39607A6325.portal09 > Acesso realizado em 28.2.2014.
7 MARANHÃO, Ney. Meio Ambiente Laboral Futebolístico e Responsabilidade Civil, In Direito do Trabalho Desportivo. Os Aspectos Jurídicos da Lei Pelé frente as Alterações da Lei n. 12.395/11 – Org. BELMONTE, Alexandre Agra; MELLO, Luiz Philippe Vieira de; BASTOS, Guilherme Augusto Caputo. Ed. LTr, 2013, p. 189.
8 OLIVEIRA, Jean Marcel. O Contrato de Trabalho do Atleta Profissional de Futebol. LTr, 2009, p. 95.
9 FILHO. Álvaro Melo. Balizamentos jus-laboral-desportivos. Artigo publicado na obra Atualidades sobre Direito Esportivo no Brasil e no Mundo, tomo II/ Guilherme Augusto Caputo Bastos, coordenador, Brasília, DF, páginas 22/23.
10 NETO, José Affonso Dallegrave. Dano Praticado por Atleta Profissional, In Direito do Trabalho Desportivo. Os Aspectos Jurídicos da Lei Pelé frente as Alterações da Lei n. 12.395/11 – Org. BELMONTE, Alexandre Agra; MELLO, Luiz Philippe Vieira de; BASTOS, Guilherme Augusto Caputo. Ed. LTr, 2013, p. 176.