Relativização da coisa julgada

12 de fevereiro de 2016

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INTRODUÇÃO

Com o avanço das relações interpessoais e o surgimento de novos meios de aperfeiçoá-las, verifica-se uma crescente conscientização social e, por conseguinte, uma incessante busca da sociedade civil por mais profundo conhecimento do rol de direitos que lhe que assiste, a fim de capacitar-se a exercê-los e buscar sua satisfação perante o Judiciário.

Ocorre que o elemento buscado pela sociedade no Judiciário não tem sido apenas o pronunciamento judicial que, em tese, dá fim às controvérsias, mas, grosso modo, o ideal de Justiça. Como o processo é conduzido por homens, falhos por natureza, muitas vezes esse ideal não é alcançado.

Considerando que as decisões de mérito são dotadas de um elemento que tem a função, por excelência, de lhes conferir perenidade, a sociedade começa a questionar o real sentido deste instituto, seu alcance e, em um degrau mais avançado de pesquisa, os meios para relativizá-lo, seguindo em busca da Justiça sob a bandeira de que o Direito deve adequar-se à sociedade, não delimitar sua atuação.

A este elemento dá-se o nome jurídico de Coisa Julgada. E debates infindáveis têm sido travados acerca da relativização da Coisa Julgada. Ponderam-se diversos valores e princípios, como Justiça, Segurança Jurídica, Razoabilidade, Verdade Real, entre outros.

O Direito atual já não mais admite valores absolutos. Não se pode conjecturar sequer uma hierarquia abstrata entre princípios e direitos. Na mesma medida em que não existe liberdade absoluta, não se pode afirmar, sem se estar diante de um caso concreto, que o Princípio da Segurança Jurídica haverá de prevalecer ante a própria busca pela Justiça, ou vice-versa.

Ao admitirmos, assim, que os ramos da sociedade estão em constante evolução, perceberemos que o Direito deverá acompanhá-la, sob pena de a ela não se adaptar, o que conduziria apenas ao seu perecimento. Disto, concluímos desde já que, sob o risco de se perenizarem injustiças, determinados pontos não podem ser ignorados pelo Direito.

Acontece, com freqüência, de o Direito não ser capaz de perseguir, pela via positiva, os avanços tecnológicos por que passa a sociedade. Esse acontecimento, em nosso ver, é deveras natural. Como já nos ensina o mestre Maximiliano, “O legislador é antes uma testemunha que afirma a existência do progresso do que um obreiro que o realiza.”1.

Desta sorte, caberia ao Poder Judiciário, quando instado a tanto, promover as adequações necessárias para evitar que determinados direitos pereçam sob o fundamento de não haver legislação que os discipline de modo adequado.

Há de ressaltar, contudo, que se prima por uma sociedade em que se respeitem posicionamentos e decisões judiciais. A segurança jurídica é mister às relações interpessoais e, em última análise, ao caminhar firme da própria sociedade, como ilustra o prof. Sérgio Ricardo2:

(…) não fosse a coisa julgada, a prestação jurisdicional exercida através do processo não seria instrumento de paz social e segurança nas relações jurídicas.”

Ao abordarmos, então, a relativização da Coisa Julgada, expressão máxima da segurança jurídica, haveremos de conduzir os estudos sempre na tênue linha do equilíbrio abstrato entre a busca pela Justiça e o respeito pelas instituições, buscando tão-somente analisar circunstâncias em que seria cogitável descobrir o manto da Coisa Julgada de decisões que levam à injustiça.

 COISA JULGADA

Em primeiro lugar, há de se dizer que a Coisa Julgada é fenômeno intrinsecamente conectado a sentenças, aqui entendidas não em sentido estrito, mas em sentido amplo, como as decisões que põem termo à fase de conhecimento do processo, sejam elas proferidas pelos juízos de 1º, 2º ou grau extraordinário.

Erigida a garantia fundamental pela Constituição da República em seu art. 5º, XXXVI, a Coisa Julgada é tratada por parte da Doutrina como mais que um instituto; por autores como José Augusto Galdino da Costa3, é vista como princípio.

O princípio da Coisa Julgada tem por escopo impedir que se profira nova sentença em outra demanda, envolvendo as mesmas partes, causa de pedir e pedido idênticos, sobre os quais já se tenha decidido anteriormente. O que se quer preservar, na verdade, com esse princípio é a estabilidade da decisão anterior no tempo e a harmonia dos julgados.”

 Feitas estas breves considerações preliminares, passaremos a tratar deste instituto jurídico com maior cautela.

1) Formação da Coisa Julgada

Verifica-se o aparecimento da Coisa Julgada no momento em que há o trânsito julgado, ou seja, quando a relação jurídica outrora estabelecida já não pode mais ser discutida nos autos do processo em questão.

E o trânsito em julgado acontece com a prolação de uma sentença irrecorrível, com o transcurso do prazo para interposição de eventuais recursos ou mesmo com a renúncia, expressa ou tácita, ao direito de recorrer.

Com muito mais propriedade que estas linhas, ensina o eminente processualista Barbosa Moreira4:

No direito brasileiro, a coisa julgada (material ou simplesmente formal – ao contrário do que pode parecer à vista do teor literal do art. 467, que só àquela se refere) jamais se constitui enquanto a decisão comporte algum recurso, seja qual for.”

2) Conceito

Seguimos a explanação com análise do conceito de Coisa Julgada. O art. 6º, §3º, do Decreto-Lei nº 4.657/42 traz a seguinte definição:

Art. 6º

(…)

§ 3º Chama-se Coisa Julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.”

Em nosso ver, a despeito dos esforços do legislador, este conceito, assim como a tentativa de conceituar sentença no art. 162, §1º, da Lei nº 5.869/73 (CPC) não esgota a questão de forma adequada.

O próprio Código de Processo Civil traz um conceito de Coisa Julgada em seu art. 467, que acaba por também não satisfazer totalmente a Doutrina abalizada.

Art. 467. Denomina-se Coisa Julgada Material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.”

Sendo os conceitos obras, por excelência, não dos legisladores, mas da Doutrina, citamos o conceito do mestre Liebman para, após, tecer nossos comentários de modo a alcançar um conceito. Segundo o eminente jurista, conceitua-se Coisa Julgada “a imutabilidade do comando emergente de uma sentença”5.

Em nosso ver, considerada a leitura do artigo 469 do CPC, elaboramos o conceito seguinte: Coisa Julgada não é efeito. Coisa Julgada é qualidade da sentença e, enquanto tal, incide sobre seu dispositivo de modo a torná-lo imutável no processo quando da impossibilidade de interposição de recurso adequado.

 Ao elaborarmos este conceito, procuramos permitir sua adequação aos dois aspectos da Coisa Julgada, que serão tratados adiante: a Coisa Julgada Formal (também chamada de Preclusão) e a Coisa Julgada Material.

3) Aspectos da Coisa Julgada

Haja vista tratar-se de fenômeno complexo, a Coisa Julgada apresenta dois aspectos, sendo um deles essencial e o outro, acidental no processo. Estamos a falar das Coisas julgadas formal e material (ou substancial), respectivamente.

Seguindo o padrão inicialmente estabelecido, à luz da noção ampla de sentença, Coisa Julgada Formal é qualidade de toda e qualquer sentença, seja ela terminativa (sem análise do mérito, na forma do art. 267 do CPC) ou definitiva (com análise do mérito, consoante art. 269 do CPC).

3.1 – Coisa Julgada Formal

A Coisa Julgada Formal ocorre no momento do trânsito em julgado, seja porque se esgotaram os recursos ou porque todos os recursos passíveis de utilização não foram aproveitados. Independentemente de ter havido pronunciamento acerca do mérito trazido aos autos, a decisão judicial, salvo regra excepcional em sentido contrário, não poderá ser alvo de discussão no âmbito de um mesmo processo.

Se esse processo findo não teve a oportunidade de permitir uma decisão de mérito, o litígio que se veiculava no bojo daquele processo não pôde ser dirimido pelo Estado-juiz, o que permitirá, excetuando-se a hipótese do art. 267, V, seja a questão trazida novamente à apreciação judicial por intermédio de uma nova ação deflagrando um novo processo.

A Coisa Julgada Formal – ou preclusão – não impede, via de regra (exceção disciplinada no art. 268), que o litígio venha a ser trazido novamente à discussão em sede de outro processo.

Art. 267. Extingue-se o processo, sem julgamento do mérito:

(…)

V – quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de coisa julgada;

(…)

Art. 268. Salvo o disposto no art. 267, V, a extinção do processo não obsta a que o autor intente de novo a ação. A petição inicial, todavia, não será despachada sem a prova do pagamento ou do depósito das custas e dos honorários de advogado.”

Por questões de coerência, fique claro que a ‘coisa julgada’ a que se refere o art. 267, V, é a Coisa Julgada Material, sobre a qual passamos a dissertar a seguir.

3.2 – Coisa Julgada Material

A Coisa Julgada Material, por sua vez, é fenômeno jurídico cuja aparição se dá apenas em sentenças onde há análise de mérito.

Quando há decisão de mérito, observa-se a formação da Coisa Julgada Material, fator impeditivo de que esta decisão judicial possa vir a ser rediscutida em outro processo. Ensina Alexandre Câmara6 que:

Esta consiste na imutabilidade e indiscutibilidade do conteúdo (declaratório, constitutivo ou condenatório) da sentença de mérito, e produz efeitos para fora do processo. Formada esta não poderá a mesma matéria ser novamente discutida, em nenhum outro processo.”

Como se verifica, portanto, a Coisa Julgada Formal sempre é qualidade da sentença, mas a Coisa Julgada Material é qualidade apenas da sentença de mérito. Deste pensamento, pode-se extrair a conclusão lógica de que não há Coisa Julgada Material sem Coisa Julgada Formal, embora o caminho inverso não seja verdadeiro. Explica com clareza o tema o Prof. Humberto Theodoro Júnior7:

A Coisa Julgada Formal pode existir sozinha em determinado caso, como ocorre nas sentenças meramente terminativas, que apenas extinguem o processo sem julgar a lide. Mas a Coisa Julgada Material só pode ocorrer de par com a Coisa Julgada Formal, isto é, toda sentença para transitar materialmente em julgado deve, também, passar em julgado formalmente.

William Douglas e Sylvio Motta8 são de clareza ímpar ao estabelecerem que “(…) é inexorável: assim como todo rio deságua no mar, todo processo acaba em coisa julgada.”

4) Limites da Coisa Julgada

Mesmo a coisa julgada, instituto que se traduz como a força de lei entre as partes que impõe o juiz quando da sua decisão, encontra bitolas.

 E o passo indispensável ao tratar destes limites consiste em diferenciá-los entre objetivo e subjetivo.

4.1 – Limite Objetivo

A busca do limite objetivo da CJ necessariamente passa pela verificação do quê efetivamente transitou em julgado. É o tratamento que o juízo dá ao pedido no momento de proferir sua sentença, consoante regra positivada no art. do CPC:

Art. 469. Não fazem coisa julgada:

I – os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença;

Il – a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença;

III – a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo.”

Em linha deveras simples, mas sempre correta, Dinamarco, Ada e Cintra9 nos elucidam a questão:

Estabelecer os limites objetivos da coisa julgada significa responder à pergunta: quais partes da sentença ficam cobertas pela coisa julgada?

A sentença é formada, via de regra (exceção nos Juizados Especiais, onde é dispensado o relatório), por relatório, fundamentação e dispositivo (ou decisum). Em nosso sentir, à causa de pedir se refere a fundamentação, da mesma forma que, ao pedido, se relaciona o decisum.

Consoante regra processual, tudo que não integrar o objeto da causa estará desamparado pela autoridade da Coisa Julgada. Disso decorre a conclusão de que o manto da Coisa Julgada recairá tão somente sobre o que efetivamente foi formulado como pedido no processo. Vemos esta regra como corolário do Princípio da Congruência.

 Não é outra a conclusão de Moacyr Amaral Santos10 a tratar do problema da limitação objetiva da CJ:

Está na conclusão da sentença da sentença, no seu dispositivo, o pronunciamento do juiz sobre o pedido, acolhendo-o ou rejeitando-o. Esse pronunciamento, que consiste num “comando” acolhendo ou rejeitando o pedido, e, pois, atribuindo ou não ao autor o bem pretendido, é que se torna firme e imutável por força d coisa julgada. A sentença se prende ao pedido e ao pedido se liga a coisa julgada que da sentença dimana.”

4.2 – Limite Subjetivo

O limite subjetivo da CJ diz respeito aos sujeitos que estarão sob a incidência da eficácia da Coisa Julgada.

 Hipóteses extraordinárias à parte, uma vez que este não é o ponto nevrálgico do nosso estudo, as pessoas atingidas pela Coisa Julgada serão aquelas que figuraram nos pólos passivo e ativo da demanda decidida, não se verificando a produção de quaisquer efeitos em relação a terceiros. É essa a regra do art. 472 do CPC, senão vejamos:

Art. 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros.”

Sérgio Bermudes11 ilustra brilhantemente, como de praxe, a ratio legis desta limitação:

Uma razão de ordem lógica, que inspira a pertinente regra jurídica, diz que ninguém pode ser afetado no seu direito, ou na sua pretensão, por uma sentença, proferida em processo de que não foi parte. A coisa julgada não pode ter eficácia de tal alcance que envolva pessoas estranhas á relação processual na qual se formou. Há que ser contida nos seus efeitos, de modo a não atingir terceiros estranhos à atividade jurisdicional de que emergiu.”

5) Desconstituição da Coisa Julgada – Da Ação Rescisória

A partir deste item, por razões eminentemente práticas, denominaremos a Coisa Julgada Material de Coisa Julgada.

A Coisa Julgada, a despeito de sua função assecuratória da segurança jurídica nas relações, pode ser objeto de desconstituição, consoante permissivo do sistema processual positivo.

Não estamos ainda a tratar da hipótese de desconstituição da coisa julgada por meio da aplicação da teoria de sua relativização. A coisa julgada, até dois anos após sua formação, pode ser desfeita por intermédio da propositura de Ação Rescisória, tratada nos artigos 485 a 495 do CPC.

5.1 – Ação Rescisória

A Ação Rescisória, como a obviedade gramatical faz crer, não tem natureza jurídica de recurso, já que a primeira relação processual já está definitivamente julgada.

Diferentemente do que ocorre com os recursos, a ação rescisória não via a impedir a formação de coisa julgada. Na hipótese em estudo, eis que o processo alcançou seu final, já houve formação de coisa julgada e o que se pode ir a juízo requerer sua cisão. Trata-se, enfim, de uma ação de natureza dúplice contra uma sentença.

Possui em regra natureza dúplice, uma vez que os pedidos são pela desconstituição da decisão atacada e por novo julgamento da questão outrora decidida.

Por se tratar de instrumento tendente a desconstituir o instituto que melhor ilustra o ideal de segurança jurídica, indispensável à continuidade nas relações jurídicas, a ação rescisória só poderá ser proposta nos casos a que a lei alude (art. 485, CPC).

Considerado o sistema processual e a presença do instituto na Carta magna, este rol taxativo e exíguo nos parece ser nada mais que uma tentativa legítima de salvaguardar a coisa julgada equilibrando-a com as noções basilares de Justiça. Pela firmeza ao tratar da questão, mais uma vez citados Humberto Theodoro Júnior12:

Note-se, outrossim, que os fundamentos da rescindibilidade previstos no art. 485 são taxativos, sendo impossível cogitar-se de analogia para criarem-se novas hipóteses de ataque à res iudicata.

Nem, tampouco, se admite que os defeitos que tornam rescindível a sentença possam ser alegados em simples embargos á execução. Só a ação rescisória tem força adequada para desconstituir a coisa julgada.”

5.2 – Da Coisa Soberanamente Julgada

Alcançamos, enfim, aquela que será o real objeto da Teoria da Relativização da Coisa Julgada.

Do ponto de vista pragmático, enquanto há instrumentos legais tendentes a desconstituir ou frear a coisa julgada, não há espaço para aplicação desta teoria, já que é perfeitamente possível ajuizar ação rescisória ou promover a interposição de recursos, respectivamente.

O real objeto, então, se torna a coisa soberanamente julgada. Aquela que retrata qualidade de sentença que não poderá ser objeto de ação rescisória, seja porque esta já foi proposta sem sucesso, seja porque já transcorreu, do trânsito em julgado, o prazo a que alude o art. 495 do Código de Processo Civil:

Art. 495. O direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão.”

6) Da Finalidade da Coisa Julgada – Segurança Jurídica

Essa tão necessária definitividade da decisão judicial no nosso ordenamento jurídico tem a finalidade precípua de alcançar a paz no campo das relações sociais, a segurança nas relações jurídicas e materializar a importância da prestação jurisdicional.

O professor Vicente Greco Filho13, ao tratar do assunto, é sobremaneira sensível à questão, conduzindo a questão sob ótica mais conservadora que a da atual Doutrina sobre o tema:

Para atender à necessidade de segurança e estabilidade, existe o fenômeno da coisa julgada. Após serem esgotados todos os recursos, a decisão judicial torna-se imutável, não podendo ser alterada ainda que, objetivamente, tenha concluído contrariamente ao direito.”

 Acontece que aquele obstáculo intransponível que decorre da Coisa Julgada, até pouco tempo atrás, vinha sendo considerado com absoluta indiscutibilidade, ou seja, não sendo através do caminho da ação rescisória a chave para desligar o campo de força, cujo segredo se constitui num daqueles fundamentos previstos pelo legislador como rol exaustivo, que permitem a rescisão, se entendia intransponível o obstáculo da Coisa Julgada, independentemente do conteúdo da decisão certa, errada, justa ou injusta.

 7) Da Relativização da Coisa Julgada

Surgiu uma questão no campo das ações de estado, que levou o STJ a discutir o assunto. O problema está hoje especificamente apoiado no campo das ações de investigação de paternidade, tendo em vista o descobrimento de novos meios de provas, como o teste de DNA.

A discussão, no âmbito do STJ, iniciou- se com a ideia de que, se surgisse um novo meio de prova, esse fato seria capaz de permitir á parte ressuscitar em novo processo a mesma discussão que se travara há tempos em uma outra ação de investigação de paternidade.

Em 1998, essa questão foi decidida pela 3ª turma do STJ, num acórdão da lavra do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, entendendo ser absolutamente impossível, a quebra da indiscutibilidade que é a Coisa Julgada, pelo fato de surgirem novas provas, pois isso geraria total intranquilidade e insegurança no campo das relações jurídicas.

Segundo o fundamento utilizado, ninguém mais poderia ter certeza que a última decisão judicial proferida no processo, teria mesmo o status de indiscutibilidade e definitividade.

Para a Terceira Turma do STJ, fica preclusa, com a Coisa Julgada, a possibilidade de as partes pretenderem reabrir a discussão daquele litígio já julgado, mesmo sob argumento de que surgiram de provas, que não foram produzidas no processo anterior.

A jurisprudência do TJ do Rio de Janeiro espelha esse entendimento, ou seja, não é pelo mero surgimento de novas provas que se permite à parte vencida trazer o litígio através de outro processo para uma nova apreciação judicial. Em linha direta, a Teoria da Relativização da Coisa Julgada ainda não emplacou e vem encontrando resistência mesmo na Doutrina.

Segundo esse posicionamento, enquanto pendentes a eficácia da Coisa Julgada, não há instrumento jurídico capaz de vulnerar a decisão judicial diverso da ação rescisória.

No ano de 2002, porém, a Quarta Turma do E. STJ, enfrentando situação análoga, proferiu acórdão da lavra do Ministro Sálvio de Figueiredo entendendo ser possível, e até recomendável no campo das ações de estado, a relativização da Coisa Julgada.

Nesse acórdão, o STJ entendeu, que nas ações de estado, estaria implícita uma cláusula segundo a qual as decisões judiciais são proferidas modus in rubus, ou seja, a despeito da Coisa Julgada, poderia a parte atravessar o campo de força em outro processo, pedindo a outro juiz que reexamine aquela decisão à luz dessa prova que não existia no processo anterior.

Até então, a relativização da Coisa Julgada não era acolhida.

Havia propostas, argumentos favoráveis e contrários, mas sem penetração no campo processual. Esse acórdão abriu importante precedente, admitindo a vulnerabilidade da Coisa Julgada nas ações de estado, quando surge novo meio de prova (REsp nº 226.43614, publicado em 04/02/02).

Vale reafirmar que, se a parte vencida quiser discutir a decisão proferida no processo findo, coberto pela Coisa Julgada, decerto não será pelo meio da relativização da Coisa Julgada que tentará a reabertura da discussão, pois se trata de hipótese excepcionalíssima.

A parte vencida detém um meio para apagar o campo de força para reaver a discussão quanto aquela decisão, objeto do processo anterior. Esse caminho é a ação rescisória, cuja admissibilidade, como já demonstramos, é cercada de requisitos.

A rescisão dos efeitos da Coisa Julgada há de ser sempre interpretada em caráter excepcional, portanto restritivo, na medida em que a Coisa Julgada é fundamental para preservar a importância da prestação jurisdicional, trazendo como conseqüência a pacificação no campo social e a segurança nas relações jurídicas.

CONCLUSÃO

Considerando todos os elementos estudados, observa-se que a relativização da Coisa Julgada é uma tentativa de corrigir situações que, apesar de equivocadas, foram perenizadas pelo Judiciário.

Há de se ter em mente, contudo, que isso não significa um enfraquecimento do Direito ou das instituições sócio-jurídicas. Trata-se de uma medida de extrema exceção que visa a equilibrar do modo mais eficaz possível a segurança jurídica e a busca da Justiça.

Vicente Greco15 apresenta este conflito com a maestria que lhe é peculiar ao ensinar que:

As normas processuais, quando estruturam o desenvolvimento da atividade das partes e do juiz, devem atender a bens jurídicos nem sempre conciliáveis. De um lado, deve ser estabelecido sistema processual que garanta a efetivação do direito e da justiça da forma mais perfeita possível; de outro, deve ser garantida a estabilidade das relações jurídicas, a fim de que não se instaure a insegurança, terrivelmente prejudicial à convivência social.”

Como se vê, não se trata de questão a ser resolvida pelo legislador, eis que não é abstrata. Por ser necessária análise do caso de modo a emitir julgamento razoável diante desta ponderação de princípios, será preciso que o Judiciário atue caso a caso de modo a estabelecer as hipóteses em que será aplicável a relativização da Coisa Julgada.

 Em nosso sentir, esta mitigação da coisa julgada não é um retrocesso, mas o reconhecimento de que o Direito, enquanto conjunto de normas de aplicação social, deve adequar-se às complexidades da sociedade com escopo de manter-se eficaz.

Outrossim, a relativização da Coisa Julgada é um grande avanço na percepção dos ideais sociais de Justiça e proteção de direitos que não puderam, por razões excepcionais, ser tutelados no momento adequado.

1MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2003. p. 10.

2FERNANDES, Sergio Ricardo de Arruda. Questões Importantes de Processo Civil – Teoria Geral do Processo. 2ª edição. DP&A Editora. Rio de Janeiro, 2002, p. 130.

3COSTA, José Augusto Galdino. Princípios Gerais no processo Civil. Editora Procam, Rio de Janeiro, 1997, p. 87.

4MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Novo Processo Civil Brasileiro. 22ª edição, revista e atualizada. Editora Forense. Rio de Janeiro, 2002, p. 122.

5LIEBMAN, Enrico Túlio. Eficácia e Autoridade da Sentença, tradução brasileira, 3ª edição. Editora Forense, Rio de Janeiro, 1984, p. 54.

6CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Volume 1, 8ª edição revista e atualizada segundo o Código Civil de 2002. Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2003, pp. 464 e 465.

7THEODORO, Humberto Júnior. Curso de Direito Processual Civil. Volume 1, 28ª edição revista e atualizada. Editora Forense. Rio de Janeiro, 1999, p. 529.

8DOUGLAS, William; MOTTA FILHO, Sylvio Clemente da. Direito Constitucional. 12ª edição revista e atualizada até a Emenda Constitucional nº 39/02. Editora Impetus. Rio de Janeiro, 2003, p. 86.

9CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Candido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 19ª edição, revista e atualizada. Malheiros Editores. São Paulo, 2003, p. 308.

10SANTOS, Moacyr Amaral dos. Primeiras linhas de Direito Processual Civil, volume 3, 21ª edição, revista e atualizada. Editora Saraiva. São Paulo, 1999, p. 62.

11BERMUDES, Sergio. Introdução ao processo Civil. Editora Forense. Rio de Janeiro, 1996, p. 182.

12Ob. cit., p. 656.

13GRECO, Vicente Filho. Direito Processual Civil Brasileiro. Volume 1. 16ª edição, atualizada. Editora Saraiva, 2002, p. 53.

14RESP 226436 / PR ; RECURSO ESPECIAL.1999/0071498-9 Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, 4ª Turma: “PROCESSO CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. REPETIÇÃO DE AÇÃO ANTERIORMENTE AJUIZADA, QUE TEVE SEU PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE POR FALTA DE PROVAS. COISA JULGADA. MITIGAÇÃO. DOUTRINA. PRECEDENTES. DIREITO DE FAMÍLIA. EVOLUÇÃO. RECURSO ACOLHIDO. Não excluída expressamente a paternidade do investigado na primitiva ação de investigação de paternidade, diante da precariedade da prova e da ausência de indícios suficientes a caracterizar tanto a paternidade como a sua negativa, e considerando que, quando do ajuizamento da primeira ação, o exame pelo DNA ainda não era disponível e nem havia notoriedade a seu respeito, admite-se o ajuizamento de ação investigatória, ainda que tenha sido aforada uma anterior com sentença julgando improcedente o pedido. II – Nos termos da orientação da Turma, “sempre recomendável a realização de perícia para investigação genética (HLA e DNA), porque permite ao julgador um juízo de fortíssima probabilidade, senão de certeza” na composição do conflito. Ademais, o progresso da ciência jurídica, em matéria de prova, está na substituição da verdade ficta pela verdade real. III – A Coisa Julgada, em se tratando de ações de estado, como no caso de investigação de paternidade, deve ser interpretada modus in rebus. Nas palavras de respeitável e avançada doutrina, quando estudiosos hoje se aprofundam no reestudo do instituto, na busca sobretudo da realização do processo justo, “a Coisa Julgada existe como criação necessária à segurança prática das relações jurídicas e as dificuldades que se opõem à sua ruptura se explicam pela mesmíssima razão. Não se pode olvidar, todavia, que numa sociedade de homens livres, a Justiça tem de estar acima da segurança, porque sem Justiça não há liberdade”. IV – Este Tribunal tem buscado, em sua jurisprudência, firmar posições que atendam aos fins sociais do processo e às exigências do bem comum.

15Ob. cit., p. 53.