Edição 253
Reforma tributária e a tributação da advocacia
3 de setembro de 2021
Eduardo Maneira Presidente da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB Nacional
A tributação dos rendimentos dos advogados sempre enfrentou resistências e incompreensões. Atualmente, no momento em que se discute a reforma tributária no País, não raro se ouve que “é preciso acabar com os privilégios dos advogados”. Pura retórica carregada de desinformação.
A verdade é que a tributação dos advogados nada tem de diferente da tributação dos médicos, dentistas, psicólogos, engenheiros, arquitetos e de todos aqueles que exercem alguma profissão regulamentada. Os advogados podem ser tributados na pessoa física como profissionais autônomos ou como celetistas e, organizados em sociedade, podem ser tributados na sistemática do Simples, do lucro presumido ou do lucro real, tal como todos os profissionais acima mencionados.
No que se refere à tributação municipal pelo Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), se submetem a um regime de tributação fixa, desde o Decreto-lei nº 406/1968 (art. 9º, §§1º e 3º), sendo sim uma exceção à regra de se calcular o ISSQN a partir de uma alíquota incidente sobre o valor dos serviços prestados.
O Supremo Tribunal Federal, em reiterada jurisprudência, firmou o entendimento de que é inconstitucional lei municipal que disponha de modo divergente ao Decreto-lei 406/1968, sobre a base de cálculo do ISSQN, tendo no julgamento do RE 940769/RS, em 24/04/2019, fixado a tese jurídica ao Tema 918 da sistemática da repercussão geral, nos seguintes termos:
“É inconstitucional lei municipal que estabelece impeditivos à submissão de sociedades profissionais de advogados ao regime de tributação fixa em bases anuais na forma estabelecida por lei nacional”.
Apresentado o cenário atual da tributação da Advocacia, passemos para o exame das propostas de reforma tributária e da sua repercussão sobre as receitas dos advogados e dos profissionais liberais em geral.
Propostas em tramitação – As duas principais propostas de reforma tributária que tramitam no Congresso Nacional, a PEC 45/2019, da Câmara dos Deputados, e a PEC 110/2019, do Senado Federal, têm por foco a tributação dos bens e serviços, ou, por outras palavras, a tributação do consumo.
A PEC 45/2019 que tramita na Câmara, apresentada pelo Deputado Baleia Rossi (MDB-SP) e elaborada pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), propõe a substituição de cinco tributos (PIS/Cofins/IPI/ICMS/ISS) por um único imposto do tipo IVA, chamado Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), complementado por um imposto seletivo federal, com incidência monofásica sobre bens e serviços geradores de externalidades negativas, como, por exemplo, os cigarros.
De acordo com a proposta, a alíquota do IBS será uniforme para todos bens e serviços, não terá qualquer benefício fiscal, com incidência não-cumulativa, crédito amplo, tributação no destino, desoneração completa das exportações e dos investimentos, com arrecadação centralizada e distribuição da receita para a União, os estados e os municípios. A gestão do novo imposto seria da Agência Tributária Nacional que coordenaria a fiscalização feita pelos fiscos federal, estaduais e municipais, bem como cuidaria da administração financeira, da interpretação e consulta.
Propõe-se uma alíquota única, uniforme, na faixa de 25%. Isto representa um aumento brutal para a tributação dos rendimentos da advocacia. Atualmente, as sociedades de advogados pagam ISSQN em valores fixos anuais, por profissional, de modo desvinculado da receita auferida sobre a sociedade. Sobre a receita propriamente dita, as sociedades pagam PIS/Cofins cujas alíquotas somadas atingem 3,65%. Pela proposta da PEC 45/2019, passaríamos de 3,65% para 25%. A OAB manifestou-se em diversas oportunidades sobre a necessidade de o setor de serviços ter alíquota diferenciada para se corrigir essa enorme distorção.
Já a PEC 110/2019, que tramita no Senado, foi, a rigor, a reapresentação da PEC 293/2004, do Deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), que havia sido aprovada na Comissão Especial da Câmara em dezembro de 2018.
Pela redação original da PEC 110/2019 criava-se um tributo estadual, IBS, que substituiria nove tributos, (IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, Cide-Combustível, Salário-Educação, ICMS e ISS), com alíquotas fixadas por lei complementar. O relator, Senador Roberto Rocha (PSDB-MA), propôs um IBS dual: um federal – resultado da fusão de cinco impostos federais e mais as contribuições de competência da União; e um estadual – resultado da fusão do ICMS e do ISS. Pela proposta do Senador Roberto Rocha, o imposto seletivo, que originalmente teria função arrecadatória, passaria, tal como na PEC 45/2019, a ter função extrafiscal.
A PEC 110, ao contrário da PEC 45, prevê a possibilidade de concessões de benefícios fiscais, mantém a Zona Franca de Manaus e permite a existência de alíquotas diferenciadas.
O Governo Federal apresentou, em 21 de julho de 2020, o que chamou de primeira parte da proposta de reforma tributária, que prevê a extinção do PIS e da Cofins e a criação da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), com alíquota única de 12%. Esta alíquota também significaria um aumento significativo para a advocacia que, como vimos anteriormente, paga 3,65% sobre a receita bruta. Registre-se, ainda, que a CBS não elimina o ISSQN, que continuaria a ser cobrado das sociedades de advogados.
Merece também ser lembrada a proposta do Simplifica Já, capitaneada pela Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf) e pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais de Tributos dos Municípios e Distrito Federal (Anafisco), por meio da emenda substitutiva global nº 144 à PEC 110/2019, cujos principais aspectos seriam a uniformização do ISS e do ICMS e a desoneração parcial da folha de pagamentos.
Mais recentemente, em 2021, o Governo Federal apresentou o projeto de lei nº 2.337/2021 que altera substancialmente a legislação do imposto sobre a renda das pessoas jurídicas, notadamente com o fim da isenção de dividendos e redução das alíquotas incidentes sobre o lucro das empresas. De acordo com a proposta, os dividendos seriam tributados em 20%, ficando isentas as sociedades que tiverem receita anual de até R$ 4.800.000.
As sociedades de advogados, como as dos demais profissionais liberais, apresentam certas particularidades que tornam desaconselhável a tributação dos dividendos. Importante notar que os profissionais liberais vivem unicamente de seu esforço intelectual.
Nos moldes propostos, a tributação de dividendos implicará em dupla tributação econômica dos lucros auferidos pelas sociedades de advogados, tornando mais complexa a apuração dos tributos das sociedades de pessoas que se notabilizam por regras mais flexíveis de distribuição dos lucros aos sócios – o que, certamente, aumentará a litigiosidade tributária.
Aprovação inoportuna – No Brasil, temos um sistema tributário que vive constantes momentos de turbulência, que geram incertezas e, consequentemente, insegurança jurídica. Entendemos que a reforma tributária é absolutamente necessária para trazer simplificação ao sistema tributário brasileiro, torná-lo menos litigioso, garantir a previsibilidade e o fortalecimento da federação, além de adequá-lo a um novo tempo, de uma nova economia que terá por protagonistas os serviços de alta tecnologia, o comércio eletrônico e o mundo virtual.
Mas, sendo realistas, no momento excepcional pelo qual estamos passando, em razão da pandemia e, talvez, principalmente, pela crise política, não temos condições de tratar de uma reforma tributária, que exige amplo debate e um grande pacto político e federativo.
As propostas de reforma da tributação do consumo, apresentadas por meio das PECs 45 e 110 trariam avanços, sem dúvidas. Reunir os tributos sobre o consumo – ICMS, IPI, ISS, bem como o PIS e a Cofins – em um único imposto, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) nacional, simplificaria e daria maior eficiência ao sistema. Isso poderia diminuir a carga e praticamente eliminaria a guerra fiscal. Mas falta liderança e vontade política para avançar com uma reforma dessa monta.
As propostas, por meio de projetos de lei do governo, de unificação do PIS e da Cofins, bem como a do Imposto de Renda, nem poderiam ser chamadas de reforma tributária. Não resolvem problemas antigos e trazem problemas novos, além de representar aumento de complexidade e de carga tributária.
Mais grave ainda é o fato de que essas propostas foram apresentadas sem prévio debate na sociedade, e com o carimbo de urgência no Congresso Nacional, sem passar pelas comissões permanentes. Falta transparência nos números, uma análise mais apurada dos impactos sobre os preços, as empresas e sobre os entes federados.
Por todos estes motivos, consideramos que a aprovação nestes termos de qualquer proposta de reforma tributária é inoportuna, podendo trazer incertezas, insegurança, aumento de carga e mais complexidade ao sistema, ou seja, tudo o que não se deve esperar de uma reforma tributária.