Reforma tributária deve ser ampla – OAB apresenta propostas e contesta projeto do Governo que eleva carga tributária

10 de setembro de 2020

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Uma reforma tributária ampla, que inclua estados e municípios e que não represente aumento de carga tributária. Esses são os pontos fundamentais defendidos pela OAB Nacional na discussão das propostas de reforma em debate no Congresso Nacional. A Ordem entregou documento ao Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e ao Ministério da Economia, com pontos para perfeiçoar os projetos, após o Governo Federal ter apresentado texto com proposta de criar a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) em substituição ao PIS/Cofins.

“O que o Governo está propondo não é uma reforma tributária. É uma mudança no PIS/Cofins com o novo nome de CBS, aumentando a carga tributária para praticamente todo o setor de serviços”, afirmou o Presidente da OAB Nacional, Felipe Santa Cruz. A alíquota de 12% proposta aumenta a carga tributária em cerca de R$ 50,3 bilhões, de acordo com cálculos do Observatório Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).

“A OAB não é contra a reforma tributária. Nós defendemos que se faça efetivamente uma reforma tributária, que se verifique o equilíbrio de todo o sistema conjunturalmente. Há pleno reconhecimento de que a estrutura tributária do País precisa ser amplamente modificada, com princípios de simplificação, transparência e justiça. E não uma reforma que signifique aumento de carga tributária”, disse.

Além de considerar que a proposta do Governo, na prática, é somente um aumento de impostos, o Procurador Especial de Direito Tributário da OAB, Luiz Gustavo Bichara, alerta para a falta de um processo de transição de regras. “O Governo Federal preocupou-se mais em resolver seu problema de arrecadação e não olhou para a situação dos demais entes federados e dos contribuintes”, afirmou.

Bichara e o Presidente da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB, Eduardo Maneira, assinam o documento com as propostas da Ordem conjuntamente com Felipe Santa Cruz. “Temos um sistema tributário velho para uma economia nova”, considera Maneira. Ele classifica o sistema brasileiro como complexo e de alta litigiosidade, na contramão das melhores práticas internacionais.

Bichara explica que, pela proposta do Governo, o aumento para os contribuintes já submetidos à sistemática não cumulativa de PIS e Cofins será de 9,25% para 12%. Para aqueles inúmeros outros contribuintes, em sua maioria prestadores de serviços, o incremento anunciado é de 3,65% para 12%.

Santa Cruz lembra que 75% dos contribuintes estão no setor de serviços, segundo o IBGE, e que serão atingidos por essa proposta do Governo. No caso das sociedades dos advogados, por exemplo, a alíquota sobe de 3,65% para 12%. “Muito se fala dos advogados, mas esse regime vale para a maioria dos empreendedores brasileiros”, afirmou. Ele cita, por exemplo, médicos, dentistas, psicólogos, arquitetos, desenvolvedores de softwares e jornalistas.

O Presidente da OAB contesta o argumento de defensores da CBS de que a carga tributária dos prestadores de serviço seria reduzida, pois os 12% correspondentes à nova incidência seriam sempre repassados no preço do serviço, onerando a ponta final. “Eu pergunto se, no meio dessa crise, um pai de classe média que tiver o aumento de 12% na mensalidade da escola de seus filhos terá condições de mantê-los na escola. O impacto será terrível para a classe média.”

Para o Presidente da OAB, o caminho correto é seguir na discussão da reforma tributária na forma das propostas de emenda constitucional (PECs) que já estão tramitando no Legislativo, a PEC 45/2019 e a PEC 110/2019. Apesar de algumas diferenças relevantes, ambas visam a criação de um imposto sobre valor agregado (IVA), que seria o Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS).

“Essas propostas, que estão sob a relatoria do Deputado Agnaldo Ribeiro, discutem o novo regime tributário, um reequilíbrio dentro desse regime e com transição, para a segurança da sociedade”, afirmou Santa Cruz. Para ele, o espaço para o debate é o Congresso Nacional, que representa a pluralidade da sociedade brasileira.

“A OAB defende uma verdadeira e ampla reforma tributária, e por isso a prioridade deve ser dada para as PECs que estão no Congresso. Mas, como contribuição ao debate, também apresentamos propostas de alteração ao projeto de lei do Governo, que cria a CBS”, afirmou Santa Cruz.

O documento entregue a Rodrigo Maia apresenta emenda ao Projeto de Lei nº 3.887/2020, no qual endereça os seguintes pontos para aperfeiçoamento:

1 necessidade de ajuste redacional para efetivar a adoção do crédito financeiro;

2 aumento escalonado da alíquota de CBS devida pelos profissionais liberais de profissão regulamentada até o patamar de 12%;

3 possibilidade de exclusão das perdas com inadimplência da base de cálculo do tributo;

4 repasse compulsório do tributo no preço aos contratos vigentes;

5 adoção de prazo para o ressarcimento em espécie do crédito eventualmente acumulado;

6 extensão da isenção para as entidades previstas no art. 13 da Medida Provisória 2.158-35/2001, que atuam em prol do interesse público e não têm finalidade lucrativa.

“Esses ajustes aprimoram o projeto da CBS, mas a Ordem dos Advogados do Brasil reafirma sua convicção de que o momento é propício para a aprovação de uma proposta mais ousada, ampla, que aproxime o País de outros sistemas tributários mais modernos. Devemos buscar a simplificação e, ao mesmo tempo, a justiça fiscal”, afirma o documento. A Ordem argumenta que a tributação do consumo não pode ser vista apenas sob a perspectiva da União Federal, sendo fundamental a participação dos estados e municípios na elaboração de um novo sistema tributário.

“Temos agora a oportunidade histórica de fortalecer o nosso modelo federativo, aposentando um modelo que produz distorções gravíssimas há tempos. A OAB irá participar ativamente para contribuir para o aperfeiçoamento do projeto de reforma tributária que, ao adotar o IVA (IBS) como a opção mais viável, simplifica e racionaliza a tributação do consumo, representando um avanço significativo do sistema tributário nacional”, completa.

Ao propor o escalonamento do aumento de alíquota para profissionais liberais, o documento da OAB explica que a alíquota geral de 12% sem qualquer tipo de diferenciação acarretará grande elevação da carga tributária para os profissionais liberais. Ainda que reunidos em uma pessoa jurídica, os profissionais liberais não exercem atividade econômica com organização dos fatores de produção, mas unicamente com o próprio esforço intelectual.

Dessa forma, segue o documento, os profissionais liberais não adquirem insumos tributados para fazer face a um aumento imediato da alíquota, de 3,65% para 12%, e podem ter dificuldades em repassar imediatamente o novo tributo aos clientes, especialmente em relação aos contratos já firmados.

“O resultado será um absurdo aumento da carga tributária a ser suportado exclusivamente pelos prestadores de serviços, o que afronta a própria justificativa da CBS, que, segundo a própria exposição de motivos afirma, não objetiva gerar aumento de arrecadação em relação aos níveis atuais”, afirma a Ordem.

Nas propostas apresentadas, a OAB sugere a fixação de prazo para ressarcimento em espécie do crédito acumulado. Embora o PL nº 3.887/2020 preveja essa possibilidade, não há qualquer previsão de quanto tempo o Poder Público poderá dispor para apreciar o pedido e devolver os tributos. “Por isso, sugere-se a adoção do prazo de 60 dias para depósito em conta corrente do contribuinte, período mais que suficiente para que se faça uma análise prévia quanto a procedência do pedido.”

A Ordem lembra no documento que esse prazo já é adotado pelo Governo para a devolução de créditos em alguns regimes tributários especiais. Posteriormente, no prazo de cinco anos, a administração tributária deverá solicitar os documentos que entender necessários para fazer uma análise e, então, proferir uma decisão sobre o pleito do contribuinte. Em caso de indeferimento, o contribuinte deverá interpor os recursos cabíveis na legislação para o processo administrativo tributário.

Outra mudança proposta pela OAB é quanto à isenção para entidades representativas das categorias profissionais ou econômicas. O PL nº 3.887/2020 deixa de mencionar as entidades sem fins lucrativos, como associações e fundações, no rol das pessoas isentas da CBS. Essas entidades, historicamente, gozam de isenção da Cofins e recolhem o PIS pela alíquota diferenciada de 1% sobre a folha de salários.

“Tais entidades não auferem receitas, mas possuem ingressos, além de serem agentes imprescindíveis ao Estado brasileiro, de forma que a ausência de previsão expressa no projeto poderá acarretar uma desnecessária judicialização do tema, o que será extremamente pernicioso, tanto para o terceiro setor, quanto para o próprio Governo”, alerta o Conselho Federal da OAB, apresentando proposta de inclusão dessas entidades na lista de isenção.