Edição 145
Reforma trabalhista
11 de setembro de 2012
Narciso Gonçalves dos Santos Advogado e Presidente do Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros de Nova Iguaçu
É inegável a urgência de uma reforma trabalhista, ou de uma revisão que seja, no estágio atual do ordenamento jurídico sobre relação jurídica de emprego.
A legislação atual, com o natural e desejável escopo protetivo do trabalhador, demanda revisão para permitir uma flexibilização das rígidas normas vigentes, de sorte a viabilizar o crescimento da economia e, consequentemente, das oportunidades de emprego decente e sustentável.
Costuma-se sustentar, sem fundamento, que toda vez que se fala em flexibilização se quer, realmente, a supressão de direitos trabalhistas. Não é verdade.
O trabalho, como direito social do indivíduo e fonte de subsistência digna do trabalhador, não se proporciona com palavras, nem com simples intenções. O ideal fora da realidade, da reserva do possível, transforma-se em mero devaneio.
Estamos diante de uma economia globalizada, mas não de uma sociedade globalizada, que não permite um regramento dito voltado para o social, sem uma visão mais ampla do que ocorre no mundo, diante da manifesta transcendência econômica do trabalho. Assim, legislar sobre direito do trabalho sem considerar o direito econômico, especialmente, o direito econômico do trabalho, é editar lei tendente a acirrar o conflito entre capital e trabalho, incapaz de promover verdadeira Justiça Social.
Fenômenos como o da terceirização de serviços, teletrabalho, cooperativismo, empresa individual de responsabilidade limitada, são resultantes da realidade imposta pela economia.
Causa surpresa que nos dias atuais ainda surjam, por exemplo, projeto de lei que pretenda impedir a terceirização por concessionárias de serviços públicos ou de emenda constitucional que busque assegurar ao empregado doméstico a plenitude dos direitos dos empregados urbanos e rurais, mais prejudicando que beneficiando essa classe de trabalhadores, pelo estímulo à informalidade, ambas as hipóteses em total falta de sintonia com a atualidade econômica.
O Direito do Trabalho não pode continuar apartado do Direito ao Trabalho e a Justiça do Trabalho como a Justiça dos desempregados. Antes de se tutelar o emprego é preciso criar-se o emprego. O social e o econômico juntos no Direito Econômico do Trabalho.
Washington Albino Peluso de Souza, em estudo sobre o Direito Econômico do Trabalho, ressalta com absoluto descortino dos tempos atuais:
Voltemos, portanto, ao Trabalho, nos institutos do Direito Econômico. Por certo, enquanto “fato econômico”, figura como conteúdo da norma de todos eles. Seu posicionamento quanto aos resultados, porém, difere de uns para os outros. Na relação “custo benefício”, tanto econômico como social, comparece nos dois lados da relação. Na Produção, entra na formação do custo, figurando ao mesmo tempo como o primeiro indicador do preço, que se concretiza na Circulação, passando a receber avaliação na Repartição pelo ganho (salário), para encerrar o ciclo no Consumo, a partir da relação entre as necessidades a serem satisfeitas e os recursos para fazê-lo, definindo a qualidade de vida.
A política econômica referente a estas etapas corporifica-se em instrumentos jurídicos que antecedem, e por vezes, se sobrepõem ao “contrato de trabalho”. Efetivamente, até que este seja concretizado, haverá medidas legais de política econômica que garantam o emprego, que determinem o “quantum” do salário a ser pago e as necessidades a que deva atender, tão importantes, como vimos, que chegam a assumir hierarquia constitucional.
A revisão ou a reforma trabalhista é uma imposição que, diversamente dos que a rejeitam, tende a permitir uma flexibilização que possa aliar o fato econômico ao fato social com o equilíbrio necessário ao alcance do justo.
A negociação entre empregadores e empregados tornou-se, gradativamente, imperativo lógico de solução do conflito entre capital e trabalho, pela maior aproximação dos atores sociais, sobrepondo-se ao quase sempre olímpico distanciamento do legislado.
Para tanto, deve-se buscar a plenitude da liberdade sindical para o fortalecimento da autonomia da vontade privada coletiva e sua manifestação pela representatividade dos sindicatos na defesa dos interesses de trabalhadores e patrões, na regência preferencial das relações individuais de trabalho, obviamente sob a garantia dos direitos sociais constitucionais dos trabalhadores.
O conhecido estudioso do trabalhismo, José Pastore, em artigo recentemente veiculado no jornal “Estado de São Paulo”, sob o título “A era dos acordos coletivos”, em 19 de junho do corrente, é enfático ao afirmar que “o Brasil precisa de regras que respeitem o que é negociado entre as partes. Não há razão para a lei ou a sentença querer dar a última palavra sobre o que julgam ser bom ou ruim para empregados e empregadores.”
Com efeito, se a Constituição da República passou a assegurar o direito de greve, libertou os sindicatos, ainda que ainda não plenamente, das amarras estatais, e reconheceu a força obrigatória das convenções e acordos coletivos, o fez, inequivocamente, para viabilizar a regulamentação dos direitos trabalhistas pela via do contrato normativo, de modo a permitir a substituição do legislador pelos próprios agentes envolvidos na relação material, como fonte autônoma de Direito do Trabalho.
Realce maior merece o fato de que três dentre os incisos que relacionam os direitos sociais dos trabalhadores admitem a própria flexibilização de seus comandos por convenção ou acordo coletivo, justamente os que tratam das condições primordiais do contrato de trabalho: salário e duração do trabalho.
O prestígio da negociação coletiva, como fonte primordial do direito do trabalho, resultaria, ainda, em manifesto benefício para a própria Justiça do Trabalho, na medida em que levaria à diminuição do número de conflitos e, por conseguinte, na redução do excessivo número de ações que hoje está a desafiar a capacidade dessa nobre Justiça Especializada de cumprir a sua missão constitucional até então desempenhada a contento, a custo de enorme esforço daqueles que, com reconhecida dedicação e espírito público, estão investidos da responsabilidade pela entrega da prestação jurisdicional desejada pela sociedade como um todo.
Em conclusão, aguarda-se que o Brasil, na evolução econômica e social que ostenta no cenário mundial, aprimore sua legislação trabalhista, como ferramenta indispensável ao seu contínuo crescimento.
Notas _______________________
1 http://www.trt3.jus.br/escola/download/revista/rev_54/Washington_Souza.pdf