Previdência justa e sustentável

5 de fevereiro de 2003

Ricardo Berzoini Ministro da Previdência Social

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A Previdência Social completa hoje 80 anos de existência no Brasil, fechando um ciclo que impõe um profundo balanço. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, eleito por quase 53 milhões de votos e pela esperança na construção de um Brasil melhor, assumiu, na campanha, o compromisso de tratar a Previdência Social como uma prioridade do governo. Por sua relevância social e seu impacto econômico, sua reforma será um dos pilares do novo país. Um pilar fundado em dois pressupostos essenciais: justiça social e viabilidade financeira. A necessidade de um sistema que possa ser sustentável e, ao mesmo tempo, justo socialmente nos dirige a um conjunto de medidas que possam conferir segurança aos beneficiários de hoje e de amanhã. Previdência é exatamente isso: planejar o futuro.

No Brasil, convivemos com três sistemas previdenciários: o Regime Geral de Previdência Social (RGPS, aplicado aos trabalhadores em geral e administrado pelo INSS), o Regime Próprio dos Servidores Públicos (destinado aos funcionários de carreira do Estado – nos três níveis da federação) e o Sistema Complementar (em que fundos de pensão ou empresas de previdência aberta buscam assegurar um benefício adicional à aposentadoria). Pretendo discutir alguns pontos relativos ao RGPS e ao Regime Próprio dos Sevidores Públicos.

O RGPS, que o cidadão conhece por meio dos postos do INSS, será alvo de uma grande mudança de gestão. Há críticas graves e procedentes que terão, por parte do Ministério da Previdência Social e da direção do INSS, respostas objetivas e, quando necessário, duras. Aposentados e pensionistas, que, por décadas, deram seu suor para sustentar filhos e, às vezes, até mesmo netos, devem ser tratados com o devido respeito. As acusações de fraude na concessão de benefícios ou na arrecadação não ficarão sem resposta. É obrigação nossa combatê-las de modo incansável. Para tanto, vamos reforçar a fiscalização e ampliar as parcerias com o Ministério Público e com a Polícia Federal. Além disso, a sonegação será tratada com rigor. O sonegador, além de descumprir suas obrigações, faz concorrência desleal aos contribuintes corretos. A fragilidade tecnológica do sistema de concessão de benefícios e da cobrança de contribuições também precisa ser superada. Anos de omissão prejudicaram a Dataprev, reduzindo sua capacidade de prevenir riscos e fraudes sofisticadas.

Com essas mudanças, queremos recuperar a credibilidade do INSS, que tem sido desgastada muito mais pela ingerência política de certos grupos que por seu corpo de funcionários – em geral, comprometidos com o espírito público que deve pautar a ação do Estado.

Essas mudanças, porém, não são suficientes. Temos muitos trabalhadores na informalidade, que não contribuem para o INSS. São vítimas da crise econômica que reduz as vagas de emprego com carteira assinada. Isso se reflete na arrecadação e no futuro previdenciário desses milhões de brasileiros. O INSS também é responsável pela concessão de benefícios com forte repercussão social, entre eles os destinados aos trabalhadores rurais. Atualmente, mais de 18 milhões de pessoas superam a linha da pobreza porque têm acesso a uma aposentadoria  de R$ 200. Esse subsistema custa mais de R$ 14 bilhões e é plenamente justificável por seu impacto social.

O Regime Próprio dos Servidores Públicos é hoje o principal foco de atenção da sociedade. Estão em debate propostas de mudança na legislação que rege as concessões de aposentadorias e pensões aos servidores da União, dos Estados e dos municípios. O que se quer, em linhas gerais, é transformar o sistema atual – complexo e, em alguns casos, até injusto – num conjunto de regras claras e, sempre que possível, isonômicas. Esse debate não será, porém, meramente fiscal, tratando o servidor público como uma unidade estatística a ser enquadrada num modelo econômico liberal. O servidor tem de ser valorizado e respeitado. Deve-se dar conhecimento da realidade financeira do Estado a ele e à sociedade, que paga por seus serviços. Não há recursos para financiar as regras atuais. Ademais, felizmente, vive-se hoje cada vez mais. É preciso, portanto, reequilibrar as contribuições necessárias aos benefícios, que duram mais.

A rediscussão das regras da Previdência Social está na agenda de praticamente todos os países – desenvolvidos ou em desenvolvimento. Não devemos mudar por conta de modismos. Nem vamos ceder a argumentos tecnocráticos. A partir do debate, que deve contar com a participação de todos, queremos chegar a um regime que represente mudar com segurança, respeitando direitos e garantindo um futuro melhor.