Posse no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

5 de dezembro de 2004

Desembargador do TJERJ, membro da Associação Juízes para a Democracia, membro do Conselho Editorial da Revista Justiça & Cidadania

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O perfil do judiciário

“Qual o perfil dos juízes que estão sendo selecionados e preparados, ao longo desses quase quinze anos, entre o início dos anos 90 e o começo do novo século? Estão sendo recrutados aqueles que resolverão problemas intersubjetivos ou os que interferem em políticas públicas e interpretam as leis para a consecução do bem comum. Os que tornam reais os direitos constitucionais ou os que, burocraticamente, promovem o andamento dos processos?  O que deseja a sociedade?

Os problemas do mundo não mudaram tanto desde então, e o Judiciário continua, hoje, com o mesmo dilema, quase como no paralelo do mito de Orfeu.
O novo perfil do Judiciário deve ser adequado ao mundo atual, e não nos é dado o direito de olhar para trás, devemos ‘lamber as nossas feridas’ e avançarmos firmes em direção ao futuro.

Não há democracia, digna desse nome, sem Judiciário forte e independente. E com uma nova estrutura de poder gerada a partir de uma necessária democratização interna, poderemos fazer uma revolução silenciosa. Se isso ocorrer, em breve o povo estará como aliado, orgulhoso dos seus magistrados, defendendo nas ruas as suas prerrogativas, que são, no fundo e ao cabo, as garantias do estado de direito.

É preciso avançar mais, muito mais.

O Judiciário que se quer, moderno e democrático, é como planta que exige cultivo. Não cresce em climas inóspitos. Só viceja em lugares onde sopram ventos da liberdade, onde os mandatários no plano administrativo são escolhidos pelo voto de todos os seus pares. Onde todos os Juízes são partícipes da administração, e não meros expectadores ou destinatários de regras impostas, com viés de subordinação que não deveria existir.

Como poder encarregado de julgar a moralidade administrativa dos demais, o Judiciário não pode aceitar, internamente, deslizes com a ética. A confusão entre a coisa pública e privada levou a desvios, como por exemplo, o nepotismo e o apadrinhamento nas contratações de pessoal, que tanto custo de credibilidade nos acarreta.

A luta pela democratização do acesso à justiça, transparência no Judiciário,  critérios objetivos para promoções e remoções, com o fim das sessões e votos secretos em decisões administrativas; a eleição direta para os cargos de direção dos tribunais e do órgão especial; a defesa real das prerrogativas; a participação na elaboração do orçamento e uma maior democratização interna; além do fim do nepotismo, foram e serão prioridades para as entidades de classe.”

A importância de lutar pelos sonhos

“Foram dez anos de uma Justiça a serviço da população infanto-juvenil e suas famílias em que se privilegiou a aproximação com a população mais carente como no projeto “Justiça nas Comunidades”, através do qual o Poder Judiciário vai ao encontro das necessidades do povo, gratuitamente; da mesma forma como em o “Escola de pais”, consagrado internacionalmente e apresentado em Congressos no exterior servindo de modelo de reintegração familiar de crianças em conflito com a família; o Família Solidária que promove a aproximação social entre os que possuem e tem espírito solidário e os mais necessitados; o Projeto “Pais Trabalhando”, o qual graças a sensibilidade da administração do Tribunal de Justiça tem dado emprego e sustentabilidade para tantos pais antes desempregados e violentos; o BECA-Banco de Empregos, Cursos e Aperfeiçoamento que conseguiu colocar no mercado de trabalho mais de 30000 adolescentes; o programa “Engraxando hoje para brilhar amanhã” que evitou que jovens ingressassem na mão-de-obra marginal. Citei apenas alguns dos muitos projetos e programas que fez com que o Judiciário do Rio de Janeiro se transformasse em paradigma para outras Varas especializadas no resto do país.

Agradeço a todos que, consciente ou inconscientemente, me ensinaram a sonhar e a caminhar na direção desses sonhos, pois como Luther King, eu també tive um sonho.

No Tribunal de meus sonhos, não haveria controle ideológico, respeitar-se-ia a autoridade. O Conselho de vitaliciamento e a Escola da Magistratura seriam plurais, pólos de incentivo a um conhecimento crítico, aberto ao novo, e o conhecimento transdiciplinar seria reconhecido e exigido dos Magistrados, tanto dos iniciantes quanto dos decanos do Tribunal. Haveria um maior entrosamento com a representação civil da sociedade para que o magistrado melhor se informe sobre a realidade da população excluída, encarcerada, dos movimentos populares, dos sem-terra, dos sem direitos respeitados, dos torturados, dos explorados, das minorias sexuais e étnicas. Haveria maior sensibilidade e conhecimento da realidade do sistema carcerário tanto do sistema sócio-educativo quanto do sistema penitenciário.

Sonhei que havia ingressado num Tribunal de Justiça onde o nepotismo fosse uma prática abandonada. Lembrando São Paulo, “Combati o bom combate, terminei a minha obra. Guardei a fé”. É assim, com o coração partido de saudade e sofrimento pelo ato de despedida, mas feliz por haver cumprido o meu dever, parto para outra trincheira, onde pretendo, com toda humildade, continuar servindo à causa das crianças e adolescentes mais excluídos e suas famílias, além de prestar toda minha contribuição para o aperfeiçoamento do Judiciário para que a cada dia esteja mais presente na vida dos cidadãos servindo à causa da verdadeira Justiça.

Quero ainda, destacar a honra de estar ingressando nesse Tribunal de Justiça na cadeira deixada pelo Eminente Desembargador Gustavo Adolpho Küll Leite, substituir sua excelência aumenta muito a minha responsabilidade, mas tudo farei para honrar esse lugar que o destino me reservou.

Concluindo, quero manifestar a minha fé nesse Deus que criou o céu, a terra, o sol, as estrelas, tudo fez e tudo criou para o seu louvor. Peço que me afaste de qualquer forma de mágoa ou rancor, ressentimento ou qualquer pensamento ruim em relação ao próximo, fazendo de mim um instrumento de sua paz.  Que eu seja um instrumento de união entre todos os magistrados, serventuários e, sobretudo aqueles que por terem fome e sede de Justiça são os bem aventurados aos quais temos o dever de servir e entregar a prestação jurisdicional com a humildade de quem tem a consciência  de estar na função judicante para servir e não para ser servido.”