Considerações sobre política econômica e tributária, à luz da Constituição

5 de julho de 2004

Ives Gandra da Silva Martins Membro do Conselho Editorial, Professor emérito das universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP e CIEE

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Neste pequeno trabalho pretendo retomar temática que tem sido objeto de minha permanente reflexão.

Estou convencido que, no Brasil atual três são os fatores de inibição do desenvolvimento, a saber: tributos, juros e burocracia.

O triângulo anti-desenvolvimentista, no Brasil, é constituído pelo excesso de burocracia, excesso de tributos e excesso de juros. Nenhuma economia mundial suporta tal conjunção letal, nem mesmo a indiscutível capacidade de empresários e trabalhadores brasileiros de superar as crises.

O Brasil caminha para trás. O PIB negativo de 2003,  do primeiro ano da gestão Lula, contrasta, dramaticamente, com o PIB positivo da Rússia, China, Índia e México, os três primeiros, acima de 6%.

A burocracia, dos três males, é o maior. Quem não controla despesas, precisa sempre de um tributarista. As máquinas e as exigências documentais se multiplicam, o governo privilegia correligionários com a indicação para uma infinidade de cargos, “engordando” as estruturas com novos ministérios, secretarias e departamentos, preenchidos por seus aliados não com base no preparo e na competência, mas como forma de compensar apoios e silêncios quanto a crises, inclusive de conteúdo relacionado com à integridade moral, como ocorreu no caso Waldomiro. Desde 1992, pela primeira vez, cresceu o número de servidores públicos, na gestão de Lula. Reverteu, pois, o governo, a tendência de enxugar a máquina administrativa esclerosada.

As medidas provisórias, leis, regulamentos, instruções, portarias sobre os mais diversos aspectos da vida econômica nacional, crescem, como cogumelos, gerando uma dificuldade monumental, até mesmo para que o cidadão possa demonstrar que existe. Para obter senhas e documentos, fica horas e horas em filas, quando não, dias.

Para exportar produtos, as exigências burocráticas são infindáveis, razão pela qual, nada obstante o crescimento das exportações – por força de um mercado em ascensão no mundo –  ficamos escandalosamente abaixo do México e China, assim como da Índia e da Rússia.

E o custo operacional suportado pelas empresas para atender às inúmeras exigências burocráticas é de tal ordem, que, muitas vezes, a informalidade se apresenta como o único caminho, para evitar o jugo da tirânica, não razoável e inútil burocracia.

Tem-se a impressão de que os burocratas são o “grande irmão”, do livro de Orwell. Tudo controlam, tudo vêm, tudo dificultam, tudo atrasam, para que possam mostrar que eles, burocratas, que vivem às custas dos contribuintes, são necessários.

Os tributos são aéticos, imorais e indecentes. Para um país que não presta serviços públicos adequados – os países que se encontram na mesma situação têm a carga entre 15 a 20% do PIB — exigir da população o equivalente a 38%, é, como diria Boris Casoy, um escândalo. Deveriam os governos, políticos e burocratas, ter vergonha de uma carga deste nível, destinada em grande parte para pagar privilégios dos detentores do poder, na ativa e na inatividade.

Tributo bom, como dizia Everardo Maciel, é tributo simples. Nós tivemos uma fantástica “contribuição de pioria”, com as medidas provisórias 135 (agora, Lei 10833/04) e 164 que elevaram, consideravelmente, a COFINS e complicaram, fantasticamente, a forma de seu recolhimento, a demonstrar que o lema do Erário é “quanto mais complicado, tanto melhor”.

Os juros, muito acima dos juros reais de todos os países –parece que apenas a Turquia tem juros maiores— poderiam ter sido calibrados a menor, há algum tempo. Juros elevados destróem as empresas, tiram competitividade e tornam a dívida do Poder Público, nas três esferas de governos, cada vez maior, aumentando, e não diminuindo, o risco país. É que, sem crescimento econômico e com crescimento da dívida, tem-se o receio de que, um dia, o país não possa pagá-la.

Se os nossos políticos e burocratas fossem mais patriotas, certamente, já estariam pensando, há muito, em reduzir o tamanho da máquina, em extinguir ministérios, secretarias e repartições, em simplificar as exigências, em reduzir os privilégios previdenciários e de outra natureza dos detentores do poder, em aliviar a carga tributária, em diminuir  –embora com margem razoável para remunerar o capital—os juros, em simplificar o sistema tributário, em não permitir ingresso na burocracia se não por concursos e não por serem os escolhidos amigos do rei. Instituiriam  reforma política, em que a fidelidade partidária, o voto distrital misto, a redução dos partidos de aluguel e a responsabilização efetiva dos administradores públicos seriam a tônica dos governos. Enfim, pensariam em maneiras de servir ao país e não de garantir os votos, nas próximas eleições, pois só assim o Brasil poderia sair desta estagnação, que os detentores do poder provocaram.

Se isto não ocorrer, continuaremos a patinar no mediocre 1% aproximado do comércio mundial e no desemprego, com redução de competitividade econômica, interna e externa, caminhando, a passos largos, para o retrocesso.

Burocracia, tributo e juros são um triângulo vicioso, que precisa ser desfeito, e só o será, quando os governos apostarem mais na sociedade do que na sua brutal incapacidade de dirigir o país.

Neste quadro delineado, é de se compreender o permanente descumprimento dos direitos fundamentais do contribuinte principalmente no que diz respeito à capacidade contributiva.

Desde que Marshall declarou que o poder de tributar é o poder de  destruir e desde que Adolfo Wagner notou que a propensão dos detentores do poder para gastar aumenta na mesma proporção em que se aumentam os tributos, considerando irreversível a redução das despesas públicas,  que o conflito entre os direitos do contribuinte de estar sujeito a uma tributação justa e o do Estado de exigir do cidadão aquilo que, na maioria das vezes, não auxiliou ganhar, aplicando mal uma parcela de arrecadação, é permanente.

Raramente na humana história a tributação foi justa, na medida em que o cidadão paga tributo ao Estado para que este lhe preste serviços públicos. Parte, porém, do que paga é destinada a custear os privilégios e a manutenção dos detentores do poder, razão pela qual, como demonstrei, em meu “Teoria da Imposição Tributária” (Ed. LTR, 1998, 2a. ed.), a norma tributária é necessariamente uma norma de rejeição social, em face de ser a carga tributária sempre maior do que a necessária para a sustentação dos privilégios de políticos e burocratas.

É de se lembrar que todos aqueles que se aprofundam no conhecimento da história percebem que o povo sempre serviu mais aos detentores do poder que estes ao povo, sendo a corrupção e a má administração pública o corolário necessário da história, em todos os períodos e em todos os espaços geográficos.

O poder é necessariamente corrupto e Lord Acton razão tinha quando dizia que “o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente”. Basta comparar o custo das obras públicas com aquele das obras privadas para se perceber que a corrupção e a concussão são as armas mais constantes da gestão da coisa pública, sendo este o motivo que torna o diferencial tão grande, entre um e outro.

Nesta linha de raciocínio, a formulação doutrinária de juristas, economistas, sociólogos, filósofos e historiadores, na busca de uma política tributária ideal, esbarra na certeza de que, na prática, a teoria é sempre outra, e quem tem o poder de tributar sempre tributa mal, o mais das vezes sem qualquer respeito aos direitos individuais, o que exacerba a litigiosidade entre Fisco e Contribuinte.

E, no Brasil, não é diverso o quadro, pois num país em que o serviço público é de péssima qualidade (saúde, educação, segurança, previdência privada, transportes etc.),  a carga tributária, destinada à manutenção dos privilégios do poder (aposentadoria oficial 10 vezes superior ao do segmento privado), atinge o elevado percentual de 38% do PIB, que representa a mais alta carga tributária do mundo, se relacionados em nível da carga, PIB e qualidade de serviço público prestado, sobre ser quase o dobro daquela suportada pelos povos   dos    países emergentes, que raramente atinge 20% do PIB.

O brasileiro obrigado a se auto-prestar serviços públicos –o que não ocorre nos países desenvolvidos- destina 38% do produto interno bruto a sustentar menos de10% da população enquistada na autonomia política, financeira e administrativa de 5.500 entidades que compõem o concerto da Federação brasileira.

Por esta razão, houve por bem, o constituinte, colocar os direitos dos contribuintes entre as cláusulas pétreas da lei suprema, os quais, embora violentados, o mais das vezes, pelas autoridades, que buscam arrecadação a qualquer custo para enfrentar os crônicos “déficits” das más administrações públicas, representam direitos de 2ª geração, de particular relevo.