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Poder Judiciário – Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – Décima Primeira Câmara Cível Apelação Cível Nº 2000.001.23.010

5 de novembro de 2001

Mello Tavares Desembargador

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INDENIZAÇÃO.

MORTE DE PACIENTE EM ESTABELECIMENTO DE SAÚDE.

RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA CLÍNICA  E DE SEUS SÓCIOS.

APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (LEI 8078/90).

As provas colidas nos autos atestam os maus tratos no péssimo atendimento médico-hospitalar e de enfermagem às pacientes, na falta de cuidados mínimos com a sua saúde e higiene, como servir-lhes água contaminada, em flagrante desrespeito à regras comesinhas de medicina sanitária. A clínica é uma empresa fornecedora de serviços de saúde e, como tal,  ex vi do artigo 14, da Lei 8078/90, responde objetivamente, pelos danos causados aos consumidores de seus produtos, salvo nos casos de culpa exclusiva da vítima ou de terceiros, o que não ocorreu na espécie.

Inegável se afigura o sofrimento moral das autoras-apelantes: o de verem parentes tão próximos, submetidos a um injusto e cruel tratamento, privados de meios adequados, para satisfazer suas necessidades vitais, por culpa dos que tinham a obrigação de lhes prestar assistência condigna, até porque eram remunerados para isso.

A ampla repercussão que os fatos aqui narrados e comprovados à sociedade, tiveram na mídia, concorreu certamente para agravar, ainda mais, os estados de angústia e dor das demandantes, pela contínua exposição pública da tragédia vivida por seus íntimos familiares.

Demonstrado o dano moral, impõe-se a quem lhe deu causa, o dever de repará-lo, razão pela qual dá-se provimento ao recurso, para condená-los, solidariamente, a pagarem 1000 (mil) salários mínimos, sendo 500 (quinhentos) salários mínimos para cada autora, filha e neta da paciente, bem como a indenizá-las das despesas efetuadas com sepultamento.

Custas e honorários advocatícios fixados estes em 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação.

Vistos, relatados e discutidos esses autos de Apelação Cível nº 2000.001.23.010, em que são apelantes Maria de Lourdes Gonçalves e outra  e apelados Mansur José Mansur e outros.

ACORDAM os Desembargadores que compõem a Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por maioria, em dar provimento ao recurso, vencido o JDS Desembargador Edson Vasconcelos, Relator, que negava provimento ao mesmo, sendo designado para o acórdão o Desembargador Mello Tavares, Revisor.

Adota-se o relatório de fls.1459/1461, na forma regimental.

DA PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM, FORMULADA PELOS APELADOS (MANSUR JOSÉ MANSUR, EDUARDO QUADROS SPÍNOLA E MARIA TEREZA VELLOSO SPÍNOLA).

Quanto a preliminar argüida pelos apelados, dela se conhece.

Embora argüida em contra-razões de apelados, sempre há possibilidade de haver inversão do resultado da lide, nada significando, portanto, a sua rejeição pela decisão interlocutória irrecorrida, pois não se verifica preclusão lógica, para o julgador, das questões de ordem pública, nas quais se incluem as condições da ação.

Mas, conhecendo-a, deve-se negar-lhe acolhimento, porquanto o douto Juiz sentenciante bem equacionou a controvérsia no despacho saneador, distinguindo perfeitamente a legitimação para a causa e a responsabilidade pelo alegado fato lesivo que constitui a causa de pedir.

Nesse passo, a participação societária dos apelados Eduardo Spínola e Maria Tereza Spínola, por si só, atribui-lhes legitimidade para a polaridade passiva, segundo a doutrina da desconsideração da personalidade jurídica, que confere ao sócio responsabilidade executiva na eventual condenação pecuniária da empresa. A sua exclusão envolve, pois, matéria de mérito, que não pode ser resolvida como prévia processual.

No que toca ao apelado Mansur José Mansur, também apontado como responsável pelo fato lesivo – questão igualmente meritória – a circunstância de não ser sócio da Clínica Santa Genoveva não o ilegítima para responder ao pedido.

Trata-se de ação indenizatória por danos morais, proposta pela filha e neta de vítimas de maus tratos, contra a Clínica na qual elas estavam internadas quando se deu a sua morte, figurando como co-réus, os respectivos sócios.

Consistiriam os maus tratos no péssimo atendimento médico-hospitalar e de enfermagem às pacientes, na falta de cuidados mínimos com a sua saúde e higiene, como servir-lhes água contaminada, em flagrante desrespeito a regras comezinhas de medicina sanitária.

A causa de pedir não se prende ao resultado morte, mas ao dano moral provocado pelo cruel e desumano tratamento dispensado à mãe e a avó das autoras, durante o período de sua internação.

Rege a solução da lide o Código de Defesa do Consumidor.

A 1ª. Ré, Clínica Santa Genoveva, é uma empresa fornecedora de serviços de saúde e, como tal, ex vi do art. 14, da Lei 8.078/90, responde objetivamente pelos danos causados aos consumidores de seus produtos, salvo nos casos de culpa exclusiva da vítima, ou de terceiros, o que não ocorreu na espécie.

Com efeito, em inspeção feita no local, após uma sucessão de óbitos denunciada por parentes dos mortos, que provocou um verdadeiro clamor público, o Conselho Regional de Medicina deste Estado, assim descreve os precários serviços médicos e as condições de hospedagem oferecidos pela Clínica ré aos seus clientes (fls. 261/273):

“Visita realizada para apuração dos 83 óbitos de pacientes idosos veiculados pela imprensa.

A Clínica não possui Comissão de Ética, Óbito, Revisão de Prontuário e Infecção Hospitalar. Mesmo sendo orientado pelos Conselheiros do CREMERJ, que tais comissões, são exigências do Conselho, o Dr. Spínola, informou que o corpo clínico, não se dispõe a compor essas comissões. Segundo o Dr. Eduardo Spínola, a clínica é a maior referência do Hospital Municipal Souza Aguiar, mas atende ao restante da rede como …….. proposta de atendimento a pacientes terminais, sem possibilidades terapêuticas de tratamento.

Mesmo assim, não foram constatadas as condições técnico-éticas para a prestação desse atendimento, uma vez que não foram encontrados os recursos para atendimento de emergência, tais como, material parada cardiorespiratória, medicamentos, material de entubação, bem como, total falta de recursos humanos, pois na ocasião da visita do CREMERJ, encontravam-se apenas três médicos para o atendimento de 285 pacientes internados. Segundo informações apuradas pelo CREMERJ, a Clínica Santa Genoveva sofreu fiscalização do COREN no ano de 1995, onde foram constatadas as péssimas condições de saneamento básico.”

“INTERNAÇÕES:

Foi apurado que até setembro de 1995, a Clínica Santa Genoveva era destinada a internação de pacientes idosos, sem possibilidades terapêuticas de tratamento, havendo entretanto, uma triagem desses pacientes. A casa de saúde não internava pacientes colostomizados, diabéticos, com escaras, pacientes com fraturas ortopédicas, entre outras patologias graves.

A partir de outubro de 1995, a clínica abriu as portas para realizar qualquer tipo de internação, sem nenhum critério de seleção ou isolamento de determinadas patologias. Sem o mínimo de recursos materiais e com equipe reduzida, à partir dessa data os óbitos evoluíram substancialmente.

Passamos a descrever abaixo os setores vistoriados por este Conselho:

PAVILHÃO FEMININO – (1º piso)

Todo o pavilhão encontrava-se em péssimas condições de funcionalidade, haviam três pacientes aguardando o banho, sendo que, uma das pacientes estava recebendo soro, outra completamente despida, todas descalças. O piso de todo o pavilhão estava molhado e escorregadio, sendo lavado por profissionais de limpeza. Notamos, também, vários ralos dos corredores abertos. Em se-guida, pudemos observar outra paciente idosa, que havia acabado de sair do banho, sendo transportada em cadeira de rodas, comple-tamente despida, e molhada sem toalha, ou qual-quer cobertura que resguardasse sua privaci-dade, ou evitasse o choque de temperatura.

ENFERMARIAS

O número de leitos por enfermaria varia de acordo com a demanda, a maioria apresenta-se com três leitos, que não obedecem a distância entre si, ditadas pelo Ministério da Saúde. Faltam lençóis, as camas encontram-se em péssimas condições de manutenção. Algumas inclusive são servidas por colchões utilizados para fisioterapia, inadequados para a proposta de atendimento. Estes são colocados nos leitos para suprirem a quantidade de internações admitidas pela instituição.

BANHEIROS

Os banheiros funcionam externos as enfermarias, com 3 vasos sanitários e 1 chuveiro, não há box, quando os pacientes tomam banho, o banheiro fica completamente molhado e o piso escorregadio. Em geral todos em precário estado de conservação e higiene, apresentavam também vazamentos e infiltrações.

RECURSOS HUMANOS

É total a falta de profissionais de saúde, somando médicos e equipe de enfermagem.

Atualmente a clínica possui apenas 7 médicos diaristas, totalizando em média 40 pacientes para cada médico diarista e 7 plantonistas, sendo 1 único plantonista em plantão de 24 horas, para atender a todo o hospital, inclusive tendo que se deslocar de um pavimento para o outro, obrigado a atender todas intercorrências das diversas patologias.

Segundo informações colhidas pelo CREMERJ, a situação da Clínica Santa Genoveva, se agrava mais ainda, nos finais de semana, devido ao quantitativo reduzido de enfermeiros, ocorrendo situações, de se ter um único enfermeiro, nos plantões de sábado e domingo para atender os dois pavilhões. Com isso, sobe ainda mais as atribuições do médico plantonista, que se vê obrigado a realizar a higiene dos pacientes por ele assistido, além de acumular todas as funções da equipe de enfermagem.

Na ocasião de nossa visita, haviam apenas 2 auxiliares de enfermagem no pavilhão feminino, que se revezavam na assistência aos pacientes, foi constatado a falta de assistência médica e de enfermagem adequadas.

LABORATÓRIO

Segundo informações prestadas pelo Dr. Eduardo Espínola, a clínica possuía serviço de laboratório próprio, e com a falta de verbas, o mesmo foi desativado, sendo esse serviço prestado atualmente pelo Laboratório Lâmina.

Foi apurado pelo CREMERJ, que os médicos passam por grandes dificuldades, quando necessitam solicitar exames em pacientes por eles assistidos, pois a conduta médica é questionada pela administração da casa de saúde, e até mesmo pela chefia de enfermagem. Esta chefia, além de questionar a conduta dos profissionais, se encarrega de dificultar determinados procedimentos, designando  profissionais sem o mínimo de conhecimento de suas funções.

Os pacientes ali internados, são os mais atingidos, pois ocorrem situações em que os médicos solicitam o exame laboratorial, que são realizados de sete em sete dias, pelo Laboratório Lâmina, sempre as segundas feiras. Os profissionais passam por dificuldades, quando necessitam realizar exames de urgência fora do dia pré determinado.

Foi apurado também por este Conselho, que os serviços do Laboratório Lâmina, só começaram a ser prestados, no auge dos surtos diarreicos, que culminaram diversos óbitos.

PAVILHÃO MASCULINO

Todas as enfermarias apresentavam péssimas condições de higiene, nelas eram abrigados pacientes de diversas patologias, inclusive pacientes contaminados, sem nenhuma regra para controle de infecção hospitalar.

O corredor externo as enfermarias, mantinha o piso molhado, como foi constatado em todos os pavimentos visitados, pois o hospital passava por uma limpeza geral. Ali, encontrava-se grande quantidade de pacientes, alguns sentados outros perambulando, em situação completamente ociosa, sem nenhuma atividade de reabilitação, que preenchesse o período de internação.

BANHEIROS

Todos em estado precário de higiene e conservação, alguns pacientes reclamaram da falta de água quente nos chuveiros.

AMBULÂNCIAS

Segundo foi apurado por esta Coordenação, os profissionais passam por dificuldades quando há necessidade de remover pacientes em ambulância, seja para realizar exames, ou para transferência para outras casas de saúde para receber tratamento especializado.

Os médicos não tem autonomia para transferir pacientes, pois a palavra final fica a cargo da administração da casa de saúde, que faz uso de autonomia para contrariar diagnósticos e determinações dos profissionais médicos.

POSTO ENFERMAGEM

Localizada em local de pouca higiene, onde constatamos baldes com panos de chão misturados com medicamentos e materiais de suturas, a mesma pia utilizada para preparo de medicação, era também utilizada para lavagem de panos de chão.

Em análise a algumas papeletas, foi constatado pelo Coordenador da COFIS, que faltavam as folhas de evolução. As prescrições são descritas pelo médico, para serem administradas por três dias, e se for o caso acrescidas.

MEDICAMENTOS

Não existe controle de psicotrópicos, o estoque de medicamentos é reduzido. A farmacêutica comparece ao hospital apenas uma vez no mês, ficando entregue toda a rotina da farmácia aos auxiliares de enfermagem e a administração da clínica, que se encarrega da distribuição, sem nenhum controle.”

Diante deste quadro caótico, também a CEDAE informa que no exame realizado no dia 31 de maio de 1996, com água coletada naquele dia, esta apresentava coliformes fecais, tendo sido retiradas das cisternas, reservatórios e das 26 caixas superiores, quantidade significativa de lama escura e com forte mau cheiro, conforme ofício assinado pelo Presidente da CEDAE, Dr. José Maurício de Lima Nolasco, dirigido ao Secretário de Saúde do Estado do Rio de Janeiro, que ora transcrevemos:

“No intuito de subsidiarmos V. Exª. com informações concretas em  relação a ações desenvolvidas pela CEDAE no tocante à Clínica Santa Genoveva cumpre-nos informar o seguinte: “Desde o dia 01/04/89 acha-se levantado o ramal predial da referida Clínica  devido ao desabamento ocorrido no local em virtude das fortes chuvas e, consequentemente, não existe, desde aquela época, abastecimento da CEDAE para a referida Clínica; A Clínica deveria ter executado obra para o restabelecimento do abastecimento de água no local o que não ocorreu até a presente data, embora tenham sido cientificada pela Companhia; Como não foram executadas as obras necessárias, a Clínica ficou sendo abastecida através de manancial local (sem nenhum tratamento); As amostras foram coletadas para exame rápido com indicação para coliformes fecais (TESTE M-7) e para exame normal (MEIO M – ENDO). Os resultados, no dia, indicaram a presença de coliformes fecais nos itens (a), (c) e (d) e, ainda, coliformes totais no reservatório superior a 30.000l, item (b).

Tendo em vista os resultados das análises determinamos a limpeza e a desinfecção dos reservatórios, das cisternas e das vinte e seis caixas superiores da referida Clínica, tendo os serviços sido executados no dia 02/06/96, o que, aliás, V. Exª. pôde observar;

Durante a execução dos referidos serviços foram retiradas das cisternas, reservatórios e caixas superiores quantidades significativas de lama escura e com forte mau cheiro. Observe-se que a presença de tais quantidades de lama já seria suficiente para contaminar toda e qualquer água colocada nas cisternas para a utilização pela Clínica;”

A Comissão Parlamentar de Inquérito, instaurada pela Assembléia Legislativa deste Estado, além de constatar que a Clínica Santa Genoveva funcionava ilegalmente. Assim, relata a origem das doenças que vitimaram os pacientes:

“CONCLUSÕES DA CPI – RESOLUÇÃO Nº 331/96

1. Causas das mortes

Em 3 de maio de 1996, foi iniciada a investigação epidemiológica, porém até aquela data, não houve notificação de ocorrência de diarréia aos órgãos de saúde. Considerando ainda que 25,5% dos casos não constaram dos registros específicos, existem indícios de a doença ter tido início em 15/05/96, com elevação dos índices entre 16 e 21 de maio daquele ano.

O fato é extremamente grave porque a diarréia é doença sabidamente de notificação compulsória, conforme o guia de Vigilância Epidemiológica do Ministério da Saúde, que estabelece o dever de todo cidadão notificar a ocorrência de algum caso suspeito, obrigação inerente à profissão médica e outras profissões da área de saúde.

2. Resultado dos exames coletados.

.2.4. Dos 359 prontuários analisados e da coleta de informações, que não constam dos prontuários, podemos concluir, conforme relatório em anexo do Instituto Noel Nutels, que:

– A diarréia ocorreu em mais de 38% do universo de 100 pacientes;

– A duração do episódio diarréico, teve duração média de 2 a 7 dias, em mais de 40% dos casos.

2.5. Foram utilizados procedimentos terapêuticos diversos, nem sempre adequados, consoante os prontuários e administrada medicação logo no primeiro dia em 13.5% dos pacientes. As prescrições foram feitas para três dias sem acompanhamento médico.

2.6. O índice de positividade, apesar do uso de medicamentos, foi de 33,9%, considerado alto índice.

2.7. Os pacientes mais lesados (desidratação e outras intercorrências) constituindo 49% dos casos, estavam na faixa etária entre 60 e 79 anos.

3. Fica evidente a correlação entre os dados epidemiológicos do surto de diarréia com o exame realizado pela Cedae na água que abastece as instituições internas da clínica;

Verificamos:

A primeira coleta realizada no dia 31/05/96 pela CEDAE, revelou que as águas da cisterna e do reservatório, bem como da nascente estavam impróprias para consumo humano. (Ofício CEDAE/GP 748/96 em anexo).

A quantidade de lama escura e o forte mau cheiro, já seriam suficientes para contaminar toda e qualquer água colocada nas cisternas para utilização pela clínica (Ofício CEDAE/GP nº 704/96, em anexo).

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Da Legalização da Clínica.

O Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro, na pessoa do seu Presidente Dr. Bartholomeu Penteado Coelho, por documento próprio (Cremerj – Ofício Gabinete 137/97, de 02 de abril de 1997), declarou que a Clínica Santa Genoveva estava funcionando ilegalmente, pois não tinha a “Certidão de Anotações de Responsabilidade Técnica”, e nem o “Certificado de Inscrição de Empresa” do ano de 1996 em virtude de não cumprir as exigências. Esta documentação encontra-se anexada.

Óbitos

O livro de óbitos da Clínica indica que consultado desde janeiro de 1995, foi observado um aumento progressivo de óbitos desde outubro de 1995. A média foi duplicada e até triplicada, em relação aos meses iniciais de 1995.

Não conseguimos acompanhar, por falta de registros, o número de internos e/ou internações por mês deste período.

Laudo de exame de prontuários de pacientes falecidos apreendidos pela fiscalização sanitária da SES/RJ.

“O exame dos prontuários dos pacientes falecidos na Clínica Santa Genoveva não foi encontrado em nenhum deles, nem o Plano Terapêutico e nem mesmo o resumo do prontuário do hospital de origem. São prontuários singelos contendo apenas anotações realizadas durante o mês em curso e o resumo da internação. As observações médicas se restringem a expressões: “hemodinamicamente bem”. “inalterado”. “sem alterações”. “sem queixas”. Às vezes essas evasivas são interrompidas bruscamente pelo plantonista pela expressão “constatado o óbito”. Tudo indica que as anotações foram feitas sem que o paciente fosse examinado diariamente, apenas sendo feitas as visitas de período em período, fraudando-se a.

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1. Os fatos apurados por essa Comissão Parlamentar de Inquérito provam que todos os pacientes internados na Clínica Santa Genoveva estiveram expostos a risco de vida. Do total de pacientes internados morreram 102.

2. A morte desses pacientes obriga o Poder Público, em todos os níveis de governo, a adotar medidas de punição contra as pessoas físicas e jurídicas que contribuíram ativamente ou por omissão para esse desfecho trágico. Do mesmo modo, é necessária a implementação de regras, visando o saneamento do sistema de saúde no Estado do Rio de Janeiro e a introdução de dispositivos que previnam a ocorrência de outros fatos dessa mesma natureza.”

Depoimentos colhidos na instrução do feito, confirmaram os pareceres das entidades ouvidas sobre as causas do trágico acontecimento:

A testemunha Antônio Carlos Velloso Tuche (fls. 1.249), esclarece: “que a clínica funcionava sem legalização do CREMERJ e não tinha comissão de óbito, a qual é encarregada de detectar as causas das mortes ocorridas; que a clínica não tinha comissão nenhuma; que chegou ao conhecimento do conselho que a água da clínica estava contaminada, mas tal constatação não foi feita pelo depoente, inclusive porque não é sanitarista; que havia deficiência no quadro de funcionários; que não havia farmacêutica responsável no hospital; que confirma o parecer que se encontra nos autos e constatou irregularidades na clínica.”

De seu turno, Josias Acioli Ferreira (fls. 1.251), informa: “que foram constatadas algumas irregularidades na clínica e feitas exigências para sua regularização; que foi feita uma coleta da água da clínica e enviada ao Instituto Noel Nutels que constatou estar aquele líquido contaminado; que foi notado o mau estado da cozinha, sendo exigidas obras na clínica; que o depoente não constatou qualquer alimento contaminado, pois fizeram um exame apenas a olho nu, apesar de depois ter ouvido falar que tal fato havia sido constatado; que a água examinada vinha de uma nascente, imaginando que era a que servia à clínica no dia a dia; que não havia procedimento correto de coleta de lixo; que não houve constatação de falha de higiene, mas sim instalações precárias, que podem levar à falta de higiene; que não constatou-se medicamentos fora de validade, mas sim a ausência de identificação quando fracionado, acarretando dúvidas quanto àquele prazo; que a relação médico paciente estava aquém do desejável.”

A circunstância de terem alguns depoentes testemunhado em favor da Clínica-apelada, elogiando o tratamento que nela receberam seus familiares, não ilide os laudos técnicos das autoridades que inspecionaram o local e constataram a má qualidade dos seus serviços de saúde e a ausência de condições mínimas de higiene, como a existência de água contaminada. Essas irregularidades foram também apontadas por outras testemunhas.

É pacífico o entendimento doutrinário e pretoriano de que, a partir da Constituição Federal de 1988, o dano moral se tornou ressarcível monetariamente.

Inegável se afigura o sofrimento moral das autoras apelantes: o de verem parentes tão próximos submetidos a um injusto e cruel tratamento, privados de meios adequados para satisfazer as suas necessidades vitais, por culpa dos que tinham a obrigação de lhes prestar assistência condigna, até porque eram remunerados para isso.

A ampla repercussão que os fatos aqui narrados e comprovados à saciedade tiveram na mídia, concorreu certamente para agravar ainda mais o estado de angústia e dor das demandantes, pela contínua exposição pública da tragédia vivida por seus íntimos familiares.

Demonstrado o dano moral, impõe-se a quem lhe deu causa o dever de repará-lo.

O eminente Ministro Costa Leite, em judicioso pronunciamento sobre o tema, asseverou:

“A indenização por dano moral, contrariamente ao que ocorre com a concernente ao dano material, não se funda na restitutio in integrum, pois é impossível repor o estado anterior à lesão, em decorrência mesmo do efeito desta. Outra é a sua natureza jurídica. Consoante Windseheid, visa a compensar a sensação de dor da vítima com uma sensação agradável em contrário…. A indenização tem, pois, caráter compensatório. De acordo com o que escorreitamente observa Maria Helena Diniz, traduzindo o pensamento que predomina na doutrina e na jurisprudência, a reparação em dinheiro viria neutralizar os sentimentos negativos de mágoa, dor, tristeza, angústia, pela superveniência de sensações positivas de alegria, satisfação, pois possibilitaria ao ofendido algum prazer que, em certa medida, poderia atenuar o seu sofrimento. Nessa ordem de idéias, tem-se que a reparação deve ser proporcional à intensidade da dor, que, a seu turno, diz com a importância da lesão para quem a sofreu. Não se pode perder de vista, porém, que à satisfação compensatória soma-se também o sentido punitivo da indenização, de maneira que assume especial relevo na fixação do quantum indenizatório a situação econômica do causador do dano… não há um parâmetro próprio para estimar-se o valor a ressarcir, tal asseverou o Ministro Barros Monteiro em palestra no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, acrescentando que há o Juiz de recorrer aos princípios da equidade, ao bom senso, ao arbitrium boni viri, com menção ao magistério de Caio Mário da Silva Pereira, segundo o qual a soma não deve ser tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva….” (artigo dado a público via Internet – Revista Tela Jurídica. http/www.telajurídica.com).

Quanto a litigância de má-fé, não se vislumbra na hipótese vertente, na qual os apelados exerceram o direito de defesa, conferido constitucionalmente, sem ofender a dignidade da Justiça.

Por essas razões, caracterizada a culpabilidade dos réus pelas terríveis provações a que se viram submetidas as vítimas, durante a sua estada no nosocômio, rejeita-se a preliminar de ilegitimidade passiva dos 2º, 3º e 4º réus, e no mérito,  dá-se provimento ao recurso, para, reformando a sentença de 1º grau, condenar os réus, solidariamente, a ressarcir as autoras pelos danos morais sofridos, fixados em 1000 (mil) salários mínimos, bem como a indenizá-las das despesas efetuadas com o sepultamento.

Custas e honorários advocatícios, fixados estes em 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação.

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