Edição

Poder Judiciário, democracia e probidade

20 de outubro de 2017

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Há alguns anos, o Instituto Justiça & Cidadania vem promovendo e participando de encontros internacionais que visam ao debate sobre temas relativos ao Direito e ao Poder Judiciário. Nesta edição, trazemos a cobertura do mais recente evento no qual tivemos a oportunidade de estar presentes, acompanhando de perto a intensa troca de informações e experiências entre juristas do Brasil e da Itália, o “Congresso Internacional de Jurisdição Superior Italiana e Brasileira: uma comparação”. Em destaque, como matéria de capa, a palestra proferida pelo Ministro Antonio ­Saldanha Palheiro, do Superior Tribunal de Justiça, sobre Ativismo Judicial, tema tão debatido nos últimos tempos. Um seleto grupo de especialistas, entre eles magistrados das cortes superiores das duas ­nações, abordou no mesmo encontro diferentes ­aspectos de seus respectivos ordenamentos jurídicos. Além de um possível encaminhamento de propostas de cooperação que promovam o intercâmbio de ­conhecimentos, o evento marcou a retomada do relacionamento com o país europeu, depois de um longo intervalo de tempo.

Assim como ocorreu na Itália, o mesmo tipo de debate tem sido realizado com os juristas de Portugal e dos Estados Unidos. São ocasiões importantes para registrarmos similaridades e diferenças entre o Poder Judiciário brasileiro e os dos citados países. Mais do que agregar uma “bagagem” de informações, tais encontros representam a oportunidade de também expor para o mundo a ­consolidação de nosso ordenamento jurídico. É no confronto das diferentes peculiaridades das leis e normas de cada um desses países que percebemos que o Brasil está bem à frente em muitos aspectos.

Esta ponderação nos serve de pano de fundo para abordar o panorama que vemos na vida política ­nacional nos dias de hoje, quando o Poder Judiciário assumiu papel central na condução dos caminhos que devem proporcionar o que, esperamos, seja uma ampla renovação institucional. Há pouco mais de três anos, desde que a Operação Lava Jato foi ­deflagrada, não vemos mais pedra sobre pedra no cenário político. Uma conjuntura que afeta a todas as esferas do poder público e, também, a alguns setores do empresariado nacional.

Como declarou o juiz federal Sérgio Moro, durante evento realizado nos Estados Unidos no início deste ano, “o Judiciário é o principal defensor do combate à corrupção”, salientando que, até hoje, “o Congresso e o Poder Executivo não deram contribuição substantiva para atacar este problema sistêmico do País”.

Sim, um problema sistêmico e histórico, surgido, mais exatamente, quando da chegada da Família Real à então colônia portuguesa. Nosso País, explorado em suas riquezas naturais, teve a lisura de suas instituições públicas já comprometidas no nascedouro. É como se continuássemos, até o presente, fazendo ­valer o “jeitinho brasileiro” pelo bem individual e pela continuada exploração dos cofres públicos.

Reverter este mal histórico agora depende, em muito, do amparo em um Judiciário atuante, íntegro, competente e operativo. Esta é uma instituição nacional integrada por magistrados e magistradas capazes e ­capacitados, donos de profundos conhecimentos, que nos dão as salvaguardas para transitar por este ­momento crítico com a certeza de que a Justiça será feita.

Este olhar é o mesmo que nos traz Norma Cavalcanti, presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), em seu artigo “O ­Ministério Público está aqui”, em que destaca a cria­ção, pela Constituição Federal de 1988, do referido órgão como instituição autônoma e garantidora dos direitos e garantias fundamentais. Reforçando o que foi até aqui escrito, a autora ressalta o grande serviço prestado à nação pelo MP no combate à corrupção.

Voltando à questão do fortalecimento institucional, é neste mesmo sentido que avançam os dois acordos de cooperação técnica assinados pela ­Advocacia-Geral da União (AGU) e as 27 procuradorias-gerais estaduais e do Distrito Federal. Um deles cria o Fórum Nacional da Advocacia Pública e o outro dispõe sobre assistência dos entes jurídicos federal e estaduais na representação do Brasil perante a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos – e cujos detalhes estão em reportagem desta edição.

Depois de pontuar a solidez que fortalece o Poder Judiciário brasileiro, nos resta ponderar que há quem observe toda esta “tempestade” que movimenta radicalmente as esferas do poder público brasileiro com um olhar de desespero. Há quem diga que seria preciso “refundar” o Brasil. Há quem clame por uma nova Constituinte. E há também quem acredite que chegamos ao fundo do poço.

Eu prefiro acreditar que esta verdadeira “revolução” na vida pública, que abala figuras e instituições antes intocadas, nos deixará como herança um novo País. Mesmo em meio à intranquilidade que grassa o mundo como fruto dos efeitos da chamada “desglobalização” – tema central do artigo do ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski –, não há que se pensar negativamente, quando se tem a democracia como um dos pilares de sustentação.

Como ensina o magistrado, citando o filósofo Norberto Bobbio: “(…) nos tempos atuais, quem pensa em democracia, seja qual for a sua opção político-ideológica, há de ter sempre como referência incon­tornável a plena fruição dos direitos funda­men­tais, compreendidos em suas várias gerações ou dimensões (…) esses direitos, desenvolvidos ao longo de distintas gerações, de há muito, se encontram suficientemente estudados e, mais, compilados em diferentes cons­tituições, tratados internacionais e leis ordinárias, o que representaria um sinal do progresso da huma­ni­dade, sendo agora o momento de colocá-los efeti­va­mente em prática”.

Portanto, neste momento crítico de revisão da política – e das instituições – nacional, ainda de acordo com Lewandowski “andaremos bem se – no mínimo – fizermos coincidir a ideia de democracia com a efetivação dos direitos fundamentais da pessoa humana, sem quaisquer concessões ou recuos”.

É esta mesma democracia que nos conduziu à nossa Constituição cidadã, promulgada em 1988, assim como oportunizou a Lei de Improbidade Administrativa (Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992), que em 2017 completou 25 anos. Portanto, tem o nosso Judiciário reconfirmada sua missão de continuar a zelar pela probidade na gestão pública e combater de maneira eficiente a corrupção no Brasil. Nós, brasileiros, não mais toleramos qualquer proposta em sentido contrário.