Pelo fim da impunidade nos casos de crimes patrimoniais contra mulheres

9 de setembro de 2024

Tarcísio Bonfim Presidente da Conamp

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A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), entidade de âmbito nacional que representa mais de 16 mil membros ativos e inativos do Ministério Público dos Estados e da União, atua mais uma vez na luta por justiça e igualdade em nosso país. Um sério problema que precisa ser enfrentado no atual sistema penal brasileiro é a aplicação das “escusas absolutórias” em casos de violência doméstica, previstas no artigo 181 do Código Penal. Essas normas, antiquadas e distanciadas da realidade, isentam de punição aqueles que cometem crimes patrimoniais contra membros da família, mesmo em contextos de abuso e violência doméstica.

Tal prática não apenas contradiz os princípios de igualdade e dignidade humana, mas também ignora as complexidades das dinâmicas familiares modernas e os direitos fundamentais das vítimas, predominantemente mulheres. Por isso, a Conamp propôs ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), visando declarar a inconstitucionalidade dessas escusas quando aplicadas em situações de violência doméstica.

Nos tribunais, vemos exemplos claros da injustiça perpetrada por essas normas. Homens que, sob o manto da impunidade, subtraem bens de suas esposas, ou pais que usurpam a propriedade de suas filhas, são isentos de qualquer responsabilidade penal, perpetuando-se, assim, um ciclo de abuso e de dependência financeira. Esses casos não são meras estatísticas; são realidades devastadoras que minam a autonomia e a liberdade financeira das vítimas, mantendo-as em situações de vulnerabilidade e de risco.

A Conamp, ao defender essa mudança legislativa, não apenas luta pelos direitos das vítimas, mas também pela atualização do nosso sistema penal para refletir os valores contemporâneos de respeito e de proteção a todas as mulheres. A entidade sustenta que as “escusas absolutórias”, tal como estão previstas, são resquícios de um período em que o Direito Penal não contemplava adequadamente a realidade da violência doméstica e a necessidade de proteger todas as partes envolvidas.

Como maior entidade representativa do Ministério Público brasileiro, a Conamp tem papel importante no fomento de discussões que visam reformar e aperfeiçoar políticas públicas e a legislação, levando sempre em conta as realidades sociais atuais. Por meio de ações diretas e propostas de mudança legislativa, trabalha incessantemente para garantir que a justiça seja não apenas aplicada, mas também acessível e justa para todos, especialmente para aquelas pessoas em situações de maior risco e de vulnerabilidade social.

Essa atuação está em perfeita sintonia com a realidade constitucional posta, em que as instituições e poderes da República precisam agir nas suas esferas de atuação e competências com a devida independência e harmonia, sem prescindir do diálogo que aproxima e das premissas de união, integração e cooperação.

A análise da matéria ventilada na ADPF 1885/DF pelo Supremo Tribunal Federal poderá ser um importante marco evolutivo do Direito Penal brasileiro e para a proteção contra a violência doméstica no país. É uma oportunidade para o Brasil demonstrar seu compromisso com a igualdade de gênero e com um sistema de justiça que protege, em vez de prejudicar, as vítimas de abuso.

Busca-se, na mesma perspectiva, que os órgãos e as instituições do sistema constitucional de justiça reprogramem suas ações e olhares para uma proteção mais efetiva do direito das vítimas, reposicionando-as no lugar que lhes é constitucionalmente devido: como sujeito de direitos e destinatárias de toda a dignidade enquanto valor fundante maior.

Com essa ação, a Conamp não apenas defende a aplicação equânime e atualizada das leis, mas também reafirma seu compromisso com a justiça e a igualdade. A sociedade brasileira, cada vez mais consciente de seus direitos e das garantias legais, não pode aceitar que desculpas baseadas em normas antiquadas perpetuem injustiças tão graves. É essencial que o sistema penal seja um reflexo dos valores da nossa sociedade, promovendo a justiça e a proteção para todos.

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