Edição

Paradoxo ambiental

31 de março de 2006

Membro do Conselho Editorial; Presidente da Light S.A.

Compartilhe:

“Não há solução mágica para se obter energia barata e cem por cento limpa. A busca dessa utópica alternativa tem paralisado as decisões e causado um custo econômico e ambiental muito elevado.”

 O licenciamento ambiental de novas usinas hidráulicas tem ocorrido em doses homeopáticas, a despeito dos esforços dos ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente. Depois de muito empenho, foi possível disponibilizar, para o leilão realizado em dezembro de 2005, apenas nove empreendimentos, quando a meta original era 17. E para piorar a situação, a Justiça concedeu duas liminares na última hora, restando para o leilão apenas sete locais aptos a sediar a construção de novas usinas.O rigor ambiental dos órgãos licenciadores, do Ministério Público e da Justiça, bem como os interesses específicos contemplados na legislação, têm provocado um paradoxo ambiental: é burocraticamente mais simples produzir energia elétrica no Brasil queimando derivados de petróleo ou carvão, que contribuem para o efeito estufa, do que utilizando água. Isso porque tem sido mais fácil conseguir licença ambiental e menos provável a ocorrência de entraves jurídicos para uma usina térmica do que para uma hidráulica, e, adicionalmente, as usinas a carvão competem em condições muito favoráveis, como se não existisse o custo de extração do carvão (na realidade esse custo é rateado entre os consumidores).

O paradoxo pode ser observado no referido leilão: as usinas hidráulicas venderam 47% da energia total (265 milhões de MWh) para contratos de 30 anos ao preço médio de R$ 114,23 por MWh, e as usinas térmicas, 53% (299 milhões de MWh) para contratos de 15 anos ao preço médio de R$ 123,80. Isso num país que utilizou menos de 30% de seu potencial hidráulico, enquanto na Europa e nos Estados Unidos já foram utilizados mais de 70%.

Não se trata de defender uma matriz de energia elétrica baseada cem por cento em fonte hídrica. Não seria prudente “colocar todos os ovos numa mesma cesta’’. Por outro lado, poucos especialistas, tanto em energia como em meio ambiente, defenderiam a repartição observada no leilão (47% versus 53%). Se o resultado tivesse sido mais compatível com a experiência brasileira, por exemplo, 80% versus 20%, o consumidor teria economizado, ao longo dos anos, cerca de R$ 1,8 bilhão. O suficiente, por exemplo, para construir cem mil casas populares. Além disso, deixariam de ser lançados na atmosfera, a cada ano, cerca de 4 milhões de toneladas de dióxido de carbono.

As liminares que retiraram os empreendimentos de Dardanelos (MT) e Mauá (PR) do leilão causaram, sob o ponto de vista econômico, um prejuízo aos consumidores de energia, ricos e pobres, equivalente ao pagamento à vista, em dezembro de 2005, respectivamente, de R$ 82 milhões e de R$ 108 milhões (adotando taxa anual de desconto de 6%). Os juízes que concedem liminares dessa natureza são em geral bombardeados com informações e argumentos daqueles que se opõem às obras porque não aceitam a agressão ao meio ambiente ou porque se solidarizam com os membros da comunidade que teriam que mudar de domicílio, e às vezes de profissão, para viabilizar o enchimento do reservatório.

Trata-se de legítimos interesses de natureza local que devem ser considerados e respeitados. Há, no entanto, dois outros aspectos de natureza global que têm sido freqüentemente ignorados: primeiro, o direito de a grande maioria silenciosa de consumidores brasileiros em ter energia mais barata possível e, segundo, o direito de uma maioria ainda mais abrangente, formada por toda a humanidade, em ter a atmosfera limpa e livre do efeito estufa.

Não há solução mágica para se obter energia barata e cem por cento limpa. A busca dessa utópica alternativa tem paralisado as decisões e causado um custo econômico e ambiental muito elevado. É preciso que a sociedade exija do Executivo, Legislativo e Judiciário uma visão que equilibre o interesse local, que tende a se opor a novas usinas hidráulicas, com o global, que tende a defendê-las. Essa visão é pré-requisito para a tomada de decisões que conciliem meio ambiente, crescimento econômico e justiça social.