Palanque eleitoral

5 de outubro de 2002

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Um conceituado advogado nos enviou o artigo abaixo, com recomendação de anonimato. Como o assunto se coaduna com o espírito e princípios que defendemos -, de plena e total independência do judiciário nos julgamentos, não se curvando aos trabalhos e pressões da mídia, nem ao clamor preparado de multidões conduzidas e condicionadas a interesses próprios -, damos guarida a tristeza do desolado pai, que se constrange com o ocorrido, face o julgamento em que acompanhou o filho, no início de sua formação profissional.

O editor

Meu filho inicia formação para ser o que costumam chamar profissional do Direito (magistrado, procurador, defensor, advogado, promotor etc) e ontem, dia 5 de agosto, resolvi levá-lo para assistir uma sessão do órgão judicante de maior hierarquia da mais elevada corte da justiça estadual: o Órgão Especial, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

Logo que nos instalamos numa das confortáveis poltronas destinadas ao público, pude observar a emoção e o brilho nos olhos do jovem. A suntuosidade do ambiente, a imensa mesa em “u”, com destaque para o dirigente dos trabalhos e as cabeças grisalhas que se destacavam no contraste com as vestes talares negras, tudo impressionava o quase neófito ao meu lado.

Eis que aumenta a quantidade de pessoas na platéia e logo identificamos entre os presentes alguns políticos, em campanha eleitoral. Inicialmente pensamos que estivesse programada alguma sessão especial de homenagem ou algo parecido. Mas logo ficamos esclarecidos acerca do motivo de tanta gente e, especialmente, da presença dos candidatos, quando o presidente do tribunal apregoou o início do julgamento de um embargo regimental que tratava de gratuidade nos ônibus.

Sem brilho oratório, mas com muita objetividade e clareza, o Desembargador Relator apresentou ao colegiado a primeira questão preliminar. Para nossa surpresa, o Relator foi vencido pela maioria, embora as razões dos vencedores não tenham nos convencido.

Apresentada ao colegiado a segunda questão preliminar, com a repetição da forma e resultado da anterior, já se podia identificar a predisposição para ser contra, como se adredemente combinada ou compromissada.

E quando o Desembargador Relator apresentou a terceira e última preliminar, a repetição dos comportamentos não deixou dúvida para nenhum dos presentes, nem para o meu filho. E eu, perplexo, tentava justificar para meu filho, temeroso de vê-lo desestimulado.

Para culminar, houve a decisão de mérito, absolutamente desconforme com o direito exposto pelo Desembargador Relator, com manifestações que distorciam o direito, ao ponto de citar um dispositivo constitucional e ignorar outro de idêntica hierarquia, chegando mesmo a confundir questão de competência com inexistência de instância recursal.

Provavelmente ruborizado, haja vista que sentia aquecida a minha face, tentei manter a boa imagem da instituição judiciária, apoiando-me na corajosa manifestação de um dos Desembargadores que, inconformado, dirigiu-se aos seus pares para dizer que depois de “inventarem um processo, inventarem um recurso, e inventarem um prazo recursal” não poderia deixar de ser reconhecido que estavam diante de um caso político, “um problema que os políticos colocaram no colo dos Desembargadores”, e que, vencido nas preliminares e não tendo o seu voto capacidade para modificar o resultado do julgamento, votaria a favor dos políticos, até porque não sabe se, votando contra, poderia sair incólume do tribunal, se a platéia fosse insuflada pelos políticos.

Como grande final, terminada a votação, os políticos candidatos invadiram o espaço destinado aos Desembargadores e, como se estivessem num programa de jurados da televisão, cumprimentavam os julgadores.

Esse é o Rio de Janeiro ! A polícia inspira a letra de Chico: “… chama o ladrão…”; os políticos são populistas, clientelistas, despreparados, oportunistas etc.; e, agora, o Judiciário se transforma em palanque eleitoral para candidatos.