Os miseráveis, o Senado e a rejeição do PLC 17

26 de outubro de 2021

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O Ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, afirmou recentemente que qualquer medida abaixo de um patamar civilizatório mínimo fixado pela Constituição é porta aberta para a barbárie. Os sem-teto, os com fome e os sem oportunidade de trabalho mostram que ela já está batendo às nossas portas.

O alto nível de desemprego e a degradação do trabalho formal no Brasil não foram provocados exclusivamente pela pandemia, mas, sobretudo, pelas normas introduzidas pela reforma trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467), que provocou uma profunda alteração no Direito material individual e coletivo, bem como no Processo do Trabalho.

A Lei de 2017 apareceu como uma tábua de salvação diante dos efeitos da crise econômica de 2014/2016, acompanhada da promessa de combate ao desemprego mediante a criação de novos postos de trabalho. Todavia, o resultado obtido em 2017 não só estagnou a economia, como fez crescer o trabalho informal, o desemprego, a subcontratação e o trabalho “por conta própria”. 

A farsa se repete em plena pandemia, sem ter havido a superação dos graves efeitos causados pela crise sanitária, social e econômica. Desta feita, ao menos, alcançamos um final feliz. O Senado Federal, em 1º de setembro, rejeitou o PLC 17 (projeto de lei de conversão da MP 1045), que não se restringiu a manter a inconstitucional redução de jornada e de salários sem prévia negociação coletiva sindical. O PLC extrapolou ao propor alterações que não guardam relação direta ou indireta com o objetivo de se restabelecer um plano emergencial de manutenção do emprego e da renda, enquanto durar a pandemia.

Com rápida tramitação no Congresso e sem haver discussão com os juristas trabalhistas e com as entidades representativas de trabalhadores e de empregadores, o projeto, que tinha inicialmente 25 artigos, terminou com 93 dispositivos normativos.

Qualquer semelhança com as promessas e expectativas criadas com a “reforma” de 2017, e que não aconteceram, não é mera coincidência.

Em resumo, o PLC 17 (MP 1045) retomou a autorização para redução de salário e suspensão de contrato, medidas que provocaram o desaquecimento da economia em razão da redução da capacidade de consumo; instituiu o Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego (Priore), com previsão de redução da alíquota do FGTS e da multa indenizatória, deixando parte dos trabalhadores sem a proteção social plena da Consolidação das Leis do Trabalho, e criou o Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva (Requip), estabelecendo em caráter definitivo três novas formas de contratação, sem a garantia de um pagamento mínimo de horas por mês, refletindo, consequentemente, na integralidade do pagamento das férias e do décimo terceiro. O Requip aumentaria a precarização da contratação com vínculo de emprego, além da prejudicial isenção do recolhimento dos encargos previdenciários.

O PLC reforçou também as restrições de acesso à Justiça do Trabalho, condenando trabalhadores desempregados a pagarem custas e honorários.

Com os direitos sociais sob ataques e uma nova ameaça de extinção da Justiça do Trabalho, por conta dos empecilhos de acesso, saiu vitoriosa a mobilização que levou o Senado a rejeitar o PLC, em defesa dos valores orientados pela Constituição Federal, pois, interpretando a fala do Ministro Fachin, a ausência desses direitos traz a fome, a violência, o adoecimento, e a morte.