Os impactos do parágrafo único do art. 40 da Lei nº 9.279/1996 na sustentabilidade do SUS

5 de julho de 2021

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Nos últimos anos, as discussões a respeito da revogação do parágrafo único do art. 40 da Lei nº 9.279/1996, a Lei de Propriedade Industrial (LPI), vinham sendo travadas e, a decisão proferida no âmbito da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) nº 5529 vem favorecer a saúde pública no Brasil. Principalmente na expectativa de minimizar o impacto causado com a extensão do prazo de vigência das patentes de medicamentos, que no Brasil, invariavelmente, perdurava para além de 20 anos, impedindo a entrada de concorrentes no mercado farmacêutico.

Por ser um dos membros da Organização Mundial do Comercio (OMC), o Brasil é signatário do acordo internacional Agreement on Trade/ Related Aspects of Intellectual Property Rights (TRIPS), incorporado ao ordenamento jurídico nacional pelo Decreto nº 1.355/1994.

Cabe ressaltar que TRIPS é um Acordo de mínimos e determina um prazo de pelo menos 20 anos de proteção a partir da data do depósito. Ao promulgar a LPI, o Brasil inseriu o dispositivo que admite a extensão de prazo da vigência da patente (não será inferior a dez anos a contar da data de concessão) como uma forma de compensar o depositante, caso houvesse atraso do Estado no procedimento de análise do pedido de patente.

Com a finalidade de subsidiar a discussão, vale ressaltar que o depósito do pedido de patente confere ao depositante uma expectativa de direito, ou seja, o depositante terá seu direito assegurado de forma retroativa à data de depósito do pedido a partir da concessão da carta-patente, na afirmação do Estado de que o pedido cumpriu todas as exigências administrativas, as condições e os requisitos legais.

Assim, frisa-se que o depósito de pedido de patente no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), por si só, confere ao requerente a expectativa de direito que será confirmada como direito de exclusividade do produto após a finalização do exame técnico.

Desta forma, observa-se claro efeito bis in idem, pois o requerente conta com proteção contra a contrafação desde o depósito até o final da vigência da patente independente do tempo necessário para a concessão e ainda será recompensado com prorrogação do prazo de vigência. Em outras palavras, o requerente terá monopólio do mercado de medicamentos garantido e ainda com prazo estendido ilimitado a depender do tempo de análise do INPI.

Do impacto econômico estimado para aquisição dos medicamentos – Em estudo realizado pela equipe técnica do Ministério da Saúde em 2020 foi dimensionada a economia de recursos na aquisição de medicamentos que já poderiam ter suas patentes extintas sem a incidência da extensão das patentes. A estimativa de economia de recursos caso a patente não tivesse incidido no benefício do parágrafo único do art. 40 da LPI foi calculada considerando o pressuposto que os medicamentos sintéticos teriam um desconto de 35% do seu preço, e os medicamentos biológicos teriam um desconto de 15% considerando um cenário conservador da entrada de concorrentes no mercado. Em um segundo cenário de descontos, mais próximos do que acontece na prática de mercado quando há concorrentes, foi considerado um desconto no preço praticado de 70% para genérico e 30% para biossimilares.

Neste contexto foram obtidos os seguintes resultados, cuja análise evidencia pelo menos dois medicamentos para câncer, Bevacizumabe e Gefitinibe com tempo de extensão superiores a dez anos, enquanto os demais variam, entre quatro e oito anos.

Período de extensão das patentes correspondentes aos medicamentos e os valores de aquisição praticados em 2019

Dos cenários calculados foi possível observar uma economia de R$ 1,6 bilhões na estimativa de aquisição de apenas dez medicamentos, enquanto em um cenário de descontos frequentemente praticados a economia chegaria a R$ 3,2 bilhões se a extensão acima de 20 anos não existisse.

A decisão do Supremo Tribunal Federal e sua modulação para processos farmacêuticos impacta muito na oferta do mercado de similares no Brasil. O Brasil teve muito sucesso na adesão da política de genéricos, hoje o mercado farmacêutico nacional movimenta quase que R$ 86 bilhões de faturamento anual, sendo que 80% das apresentações vendidas são de genéricos e similares.

A queda da extensão das patentes possibilita que o mercado nacional, que tem um parque tecnológico especializado em medicamentos genéricos e similares, possa aumentar a oferta desses produtos. Com mercado farmacêutico concorrencial há tendência de queda dos preços praticados na ponta para o consumidor final, fato que pode se estender aos medicamentos de alto custo se for considerada a entrada de novos biossimilares no mercado propiciando a concorrência e, consequente redução do impacto orçamentário das terapias.

Pode-se citar ainda como exemplo a motivação das Parceiras para Desenvolvimento Produtivo (PDPs). As ditas parcerias ocorrem a partir da identificação pelo Ministério da Saúde dos medicamentos considerados estratégicos para as políticas públicas de saúde. Os parceiros do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, leia-se laboratórios públicos e privados das indústrias farmoquímica e farmacêutica se agrupam em parcerias para propor ao Ministério um projeto de desenvolvimento tecnológico ou transferência de tecnologia com o objetivo de estruturar e capacitar os laboratórios públicos para produzir o dito medicamento no País, a custos mais acessíveis com vistas a abastecer o Sistema Único de Saúde (SUS).

Do ponto de vista do acesso a novas tecnologias, para que um medicamento seja utilizado no SUS, após a concessão do registro sanitário pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e definição do seu preço-teto pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) o medicamento está apto a ser comercializado no País. Mas, para que ele seja incorporado ao SUS, ele precisa passar pela análise da Comissão Nacional de Incorporação Tecnológica (Conitec), que faz uma análise na perspectiva de custos e efetividade, pensando no impacto econômico coletivo que aquela incorporação vai proporcionar ao sistema de saúde.

A vigência da patente do produto é um fator a ser considerado na análise pela Comissão, pois se há indicativo de perdurar o monopólio de mercado, a conta dos custos aumenta e muito no impacto orçamentário. Mas se há indicativo de expiração da patente, há perspectiva de novos entrantes, novos concorrentes no mercado que podem propiciar a queda no custo do tratamento. Muito frustrante era observar que algumas tecnologias não eram incorporadas pelo preço elevado no Brasil, com previsão de monopólio de mercado de mais cinco a dez anos, e identificar que em outros países a população poderia ter acesso pois já existiam versões similares ou biossimilares com preço reduzido.

Notas__________________________

1 ADI 5529, Processo eletrônico. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4984195. Acesso em: 03/06/2021.

2 Agreement on Trade/Related Aspects of Intellectual Property Rights (TRIPS). Disponível em: file:///C:/Users/lutty/Downloads/27-trips-portugues1%20(2).pdf. Acesso em: 03/06/2021.

3  Decreto No 1.355, de 30 de Dezembro de 1994. Promulga a Ata Final que Incorpora os Resultados da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d1355.htm. Acesso em: 03/06/2021.

4 Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos, “Anuário Farmacêutico 2019-2020”.