O trabalhador também tem direito ao agora 

2 de maio de 2025

Carlos Ragazzo Professor da Fundação Getúlio Vargas Direito Rio

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A economia brasileira carrega paradoxo pouco visível, mas de grande impacto: bilhões de reais em créditos reconhecidos pela Justiça do Trabalho seguem represados por anos em processos judiciais que, embora com decisão de mérito, ainda não foram pagos. O dinheiro que poderia estar circulando no mercado, aquecendo o consumo e garantindo dignidade a milhares de famílias, permanece bloqueado por entraves operacionais, burocráticos ou financeiros. 

Esses créditos seguem em discussão no Judiciário por meio de recursos protelatórios, uma vez que o mérito das discussões já foi encerrado ou, mesmo após vencer a disputa judicial, o titular do crédito – ex-trabalhador ou advogado – continua dependendo da lentidão estrutural para receber o que é seu por direito. Conforme o Data Lawyer Insights 2024, o tempo médio efetivo para o recebimento integral desses créditos na Justiça do Trabalho é de aproximadamente 4,8 anos.

A cessão de crédito trabalhista representa alternativa legítima, segura e transformadora. Trata-se de um instituto jurídico previsto no Código Civil que permite, ao titular de um crédito reconhecido pela Justiça, transferi-lo voluntariamente a uma empresa especializada, recebendo parte do valor antecipadamente. Não é um empréstimo, mas uma alienação de um direito já constituído, sem criação de dívida ou pagamento posterior.

Apesar da legitimidade da cessão e dos benefícios concretos, trata-se, ainda, de prática pouco conhecida, inclusive entre advogados. O desconhecimento limita o acesso a uma alternativa viável para enfrentar os efeitos da demora judicial. Por isso, iniciativas que promovem a informação e a educação financeira e jurídica são fundamentais. 

O segmento já movimentou cifras relevantes, antecipando milhares de créditos trabalhistas e injetando bilhões de reais diretamente no mercado. Para se ter uma ideia da dimensão do setor, apenas a BT Créditos – atualmente a maior empresa do segmento – já antecipou mais de 11 mil créditos e injetou mais de R$ 3 bilhões na economia. A segurança jurídica das operações é garantida por mecanismos rigorosos de governança, compliance e due diligence, assegurando confiança e transparência aos envolvidos.

A cessão também beneficia advogados ao antecipar honorários, garantindo previsibilidade e sustentabilidade financeira aos escritórios, especialmente diante da imprevisibilidade do tempo judicial. Em um setor dependente diretamente do êxito das causas, essa previsibilidade pode representar a sobrevivência profissional. 

Do ponto de vista macroeconômico, trata-se, efetivamente, de uma política pública realizada sem subsídios estatais, com claros efeitos sociais. Estima-se que a Justiça do Trabalho registre mais de dois milhões de novas ações por ano, com um volume crescente de execuções paradas. A cessão oferece alternativa real para transformar esse passivo em ativo social e econômico. 

Nada disso elimina a necessidade de boas práticas, regulação e transparência. Mas a solução não está em interditar o debate, e, sim, em qualificar a operação e permitir que os titulares dos créditos tenham o direito de escolher. Com informação e segurança jurídica, o modelo pode alcançar milhões de brasileiros que hoje aguardam, sem opções, a conclusão de seus processos. 

O Brasil precisa aprender a lidar com o tempo da Justiça, que enfrenta dificuldades nada triviais. Mas, enquanto isso não muda, é justo e legítimo que existam instrumentos capazes de reduzir o impacto desse tempo sobre a vida de quem mais precisa. A cessão de créditos trabalhistas não é um desvio da Justiça. É, muitas vezes, a única forma de torná-la efetiva. Porque o trabalhador, definitivamente, também tem direito ao agora.

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