O que a PEC não diz

2 de junho de 2019

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Muitas das discussões travadas em torno da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 06/2019 giram em torno das severas restrições explícitas em seu texto, como a redução do Benefício de Prestação Continuada (BPC), a aposentadoria do trabalhador rural, a elevação da idade, tempo de contribuição e pontuação, as regras de transição, assuntos que, felizmente, permeiam os debates sobre a reforma da Previdência. Mas as discussões precisam avançar no que a PEC propõe quase que silenciosamente.

Em questionável técnica legislativa, alguns direitos previstos na Constituição Federal são expurgados do manto da Magna Carta sem maiores explicações, em uma aposta de que, no árido terreno da PEC, a supressão de certas normas passasse despercebida.

Verdadeira subtração silenciosa de direito ocorre quanto à necessidade de atualização das contribuições previstas no §3° e no §17 do art. 40 ao Regime Próprio, e §3° do art. 201 ao Regime Geral. Fora do texto constitucional, nada garantiria que o segurado mantivesse o verdadeiro valor das contribuições recolhidas por décadas, permitindo enriquecimento ilícito do Estado quando do cálculo da aposentadoria.

O mesmo se diga à previsão de reajustamento dos benefícios para preservação de seu valor real (atuais §8° do art. 40 e §4° do art. 201), retirada pela PEC da esfera de proteção constitucional, com o que as aposentadorias sucumbiriam à fúria da inflação.

Em ambos os casos, fica o segurado descoberto de garantia mínima à atualização monetária sem que os artigos que os substituíram sequer versem sobre o tema.

O que a PEC 06 não diz causa maior perplexidade do que seu conflituoso texto afirma. Ao substituir a “proteção à maternidade, especialmente à gestante”, por “salário-maternidade” no art. 201, a PEC omite que estimula diferença de tratamento às mulheres, com possível desoneração das empresas de manter o salário àquela em gozo de licença maternidade.

O que a PEC não diz é que a previdência complementar já existe aos servidores públicos, sujeitos ao mesmo teto do Regime Geral, e é superavitária, sem motivo para prever sua privatização, salvo o acintoso interesse do mercado financeiro nesse nicho.

A PEC silencia que a necessidade de equilíbrio financeiro e atuarial dos regimes já está na Constituição e deve ser observada por todo o período, mas, ao propor, “singelamente”, que o equilíbrio seja a tempo presente e com despesas e receitas projetadas ao futuro, desconsidera as contribuições descontadas do segurado e as devidas pelo empregador, chamando o segurado a se solidarizar com a má gestão e convidando-o a um regime contributivo apenas para adiante.

Ora, desde 1998 a Constituição prevê que sejam criados fundos para rentabilidade das contribuições, para fazer frente as aposentadorias futuras. Qual ente público instituiu nesses 20 anos tais fundos, verdadeiramente, proporcionando investimento ao montante recolhido?

A PEC se alicerça na afirmação de que o custo da previdência hoje é significativo, mas não diz que por décadas as contribuições à previdência foram tratadas como receita corrente.

Sutilmente, constitucionaliza o parcelamento de dívidas de empresas à seguridade em até 60 vezes, e admite que os entes públicos devem ao regime próprio, mas propõe a desconstitucionalização dos direitos do segurado, tornando-os mais vulneráveis ao frágil quórum de uma lei complementar, que certamente já teria sido alcançado enquanto os debates sobre a PEC 06 são travados.

Ao propor um regime de capitalização individual de previdência, a PEC silencia como, e se, haverá contribuição do empregador, não esclarece o financiamento e manutenção dos demais direitos da seguridade social, tampouco diz sobre proteção às altas taxas cobradas pelo mercado financeiro, da qual todos somos reféns, inclusive o próprio Estado, que há décadas paga juros da dívida.

A PEC propõe um verdadeiro cheque em branco e pretende que seja assinado pelo constituinte derivado, sem dizer exatamente a quem é nominal.