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O notável defensor de Tiradentes

5 de outubro de 2002

Jornalista, advogado, escritor e escrivão da Sta. Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro

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Na galeria dos grandes advogados brasileiros está ausente o nome de José de Oliveira Fagundes.

Nem mesmo o Barão do Rio Branco, em “Efemérides Brasileiras”, uma espécie de bíblia dos acontecimentos brasileiros de 1500 até a República, menciona uma única vez, aquele que na época, foi considerado um dos maiores advogados da colônia.

Quem era Oliveira Fagundes? Um carioca, nascido em 1752, que cursou leis na Universidade de Coimbra, formando-se em julho de 1778 e soube enfrentar as iras do Vice-Rei, Conde de Rezende, ao defender o Alferes Tiradentes.

Em 1779, se achava na Corte, tendo sido testemunha em várias habilitações de colegas seus perante o desembargador do Paço.

Não fosse o historiador Herculano Matias incansável na pesquisa para restabelecer os fatos ligados à vida de Tiradentes, o país nada ou pouco saberia sobre tão importante advogado.

Graças a essa valiosa colaboração, a Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro pôde fazer acréscimos ao trabalho “A defesa de Tiradentes, pelo advogado da Santa Casa – Documentos Inéditos”, elaborados por Ubaldo Soares, arquivista da Instituição.

Inacreditavelmente, esse livro, de edição reduzida, não é encontrado, sequer na Biblioteca Nacional, ou mesmo no arquivo da Misericórdia.

Como advogado e escrivão da Santa Casa mergulhei nos seculares arquivos da Instituição, no sentido de revelar a atuação do notável defensor de Tiradentes.

Com base em documentos autênticos e inéditos, dispondo por dever de ofício do velho arquivo da Misericórdia, apenas explorado por Vieira Fazenda e Félix Ferreira, cuidou-se de pesquisar se, de fato, o Dr. Oliveira Fagundes teria pertencido ao contencioso da Instituição.

Isto porque, consta do documento oficial – os autos da Inconfidência Mineira que: “Os encarregados da Alçada nomearam para a defesa dos Réus, o advogado da Santa Casa da Misericórdia José de Oliveira Fagundes…”

Folheados todos os livros não foram encontrados quaisquer registros alusivos a esse fato.

A possibilidade de um equívoco ou omissão do funcionário responsável pelos registros foi totalmente descartada, eis que lá se encontram, em termos solenes, até mesmo os nomes de empregados e subalternos, tais como porteiros, serventes, boticários e outros.

O que realmente se verificou é que foi ele, sim, admitido como irmão da Santa Casa, em termos assinado em 1790 e convidado pelo Mordomo dos Presos, de nome também esquecido, para atuar como advogado dos conjurados, em 31 de outubro de 1791.

A mordomia dos presos da Santa Casa da Misericórdia dos Rio de Janeiro tem como objetivo defender os deserdados da sorte, por dever do compromisso oriundo da Santa Casa de Lisboa, fundada em 1498.

Resulta, pois, que a Santa Casa o convidara para defender Tiradentes, apenas, em caráter eventual e, jamais, como pertencente ao contencioso.

Luiz Wanderley Torres, um dos melhores biógrafos de Tiradentes, em seu livro “Áspera entrada para liberdade” diz: “Na verdade não houve processo e, sim, uma farsa”.

O “processo farsa” tramitou por três anos, e o advogado Oliveira Fagundes, foi vítima de todas as chantagens jurídicas possíveis, visando dificultar o seu árduo trabalho.

Quanto a magnífica atuação do Dr. Fagundes, informa Joaquim Norberto, no livro “História da Conjuração Mineira”, edição do Instituto do Livro: “Teve o advogado poucos dias para estudar o volumoso processo”.

No dia 2 de novembro de 1791 teve vista dos autos e a defesa foi apresentada a 23 do mesmo mês.

Em 18 de abril de 1792, foi conhecida a sentença dos 23 presos, 11 dos quais condenados à morte, sendo a lista encabeçada por Tiradentes.

Apresentados os Emargos, foi-lhes negado provimento. Foram concedidos apenas trinta minutos para apresentar o Recurso, em sua última Instância, e quando estava a caminho do Fórum, já encontrou os carpinteiros que montavam o cadafalso, tendo assim a certeza de que o Recurso já estaria sumariamente indeferido.

Examinados os livros de despesas que se encontram no arquivo da Santa Casa, deparamo-nos com o recibo dos honorários recebidos pelo Dr. José de Oliveira Fagundes, no valor de 200$000 (duzentos mil réis), datado de 21 de abril de 1793, um ano, portanto, após a execução de Tiradentes.

Da mesma forma foram encontrados documentos que mostram ter a Santa Casa pago a quantia a de 200 réis, pela alva de algodão usada por Tiradentes a caminho da forca.

Durante o trajeto, precedido pelo estandarte da Misericórdia, osculou o crucifixo da Irmandade, relíquia guardada na Igreja de Nossa Senhora do Bonsucesso.

Graças à valiosa colaboração dos historiadores Herculano Matias, Luiz Wanderley e Ubaldo Soares foi possível arrancar do ostracismo a singular figura do notável advogado José de Oliveira Fagundes.