“O mundo do trabalho mudou”

4 de outubro de 2024

Da Redação

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Ministro Aloysio Corrêa da Veiga assume a Presidência do TST e aponta modernização tecnológica, promoção de práticas sustentáveis e mais celeridade como prioridades da gestão

Em meio a um cenário desafiador para o Judiciário, o novo presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Aloysio Corrêa da Veiga, se prepara para assumir a liderança da Corte com a responsabilidade de enfrentar um acervo processual volumoso e a crescente judicialização. 

Em entrevista exclusiva, ele discute os principais desafios que a gestão deve encarar, como a modernização tecnológica, a promoção de práticas sustentáveis e a busca por maior celeridade na entrega da justiça. 

Além disso, o ministro aborda o papel do TST na harmonização das decisões entre as diferentes instâncias e comenta sobre a importância de fortalecer a cooperação entre os poderes para garantir uma Justiça do Trabalho mais eficiente e adaptada às novas realidades do mercado.

Nesta conversa, o ministro também re­flete sobre o uso de inteligência artificial como ferramenta de apoio à jurisdição, destacando o equilíbrio necessário entre inovação e a indispensável atuação humana nas decisões judiciais. Confira a entrevista: 

Revista Justiça & Cidadania – Quais são os principais desafios que o senhor identifica para sua gestão como presidente do TST e como pretende enfrentá-los?
Ministro Aloysio Corrêa da Veiga
Penso que o maior desafio que irei enfrentar na presidência do Tribunal Superior do Trabalho não é diferente dos desafios que enfrentam todos os presidentes de tribunais superiores, que é o número de processos existentes. Hoje há um acervo de quase 600 mil processos.É preciso priorizar a entrega da prestação jurisdicional em tempo razoável. Para tanto, se torna necessário utilizar de ferramentas da área da tecnologia da informação em benefício do destinatário final, que é o jurisdicionado. Projetos existem, vamos implantá-los.

JC – Quais serão os projetos institucionais prioritários para o TST durante seu mandato? E para a Justiça do Trabalho?
MACV –
Para o Tribunal Superior do Trabalho, é necessário ter em mente, por todo meu mandato, a adoção de vários projetos institucionais hoje já existentes em outras instâncias, voltados para a celeridade da jurisdição. A sociedade demanda que as partes tenham seus processos concluídos no menor tempo e com a máxima qualidade. A Justiça do Trabalho não é apenas o TST, é todo cidadão, cada Tribunal Regional trabalhando em conjunto, e pretendo estar junto de cada um, enfrentando com união o desafio de implementar novos projetos, além de priorizar os já existentes para estimular a cultura de conciliação nacional, com apoio aos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs) de todo o país e do TST. 

JC – O aumento do número de processos e a judicialização no país é cada vez mais alta. Quais alternativas e soluções que o senhor identifica para lidar com essa questão, especificamente na Justiça do Trabalho?
MACV –
Como disse inicialmente, esse momento é crucial para mudança de paradigmas. Não apenas a gestão de processos, mas as iniciativas das partes e advogados. O processo hoje é cooperativo, e o objetivo é buscar a justa e efetiva decisão de mérito.

JC – Em termos de inovação tecnológica, quais projetos o TST está desenvolvendo e quais outros o senhor acha imprescindíveis para modernizar o acesso à Justiça do Trabalho e melhorar a eficiência do julgamento dos processos?
MACV – O Tribunal atualmente está envolvido em vários projetos de inteligência artificial e de automação, mas sempre com a consciência de que são sistemas de apoio para decisão. Neste momento, não é possível pensar em decisões automatizadas, mas podemos utilizar vários sistemas para o fim de acelerar a jurisdição. Para a modernização estão sendo estudadas algumas inteligências artificiais que muito impressionam pela capacidade de leitura de processos, e de sintetização de relatórios, como o sistema Galileo do Tribunal Regional do Trabalho da 4a Região (RS), para utilização no Supremo Tribunal Federal (STF). No TST, estamos criando uma secretaria de gestão de processos, com o fim de estimular a adoção de sistemas que utilizem com racionalização a elaboração de minutas, com cuidadosa coleta de informações dos processos. Penso que o diagnóstico é necessário. Conhecendo bem cada processo, temos como criar formas de trabalhar com maior  harmonia, inclusive com melhor identificação de casos idênticos, para um sistema de precedentes mais eficiente na Justiça do Trabalho.

JC – O senhor mencionou em outras ocasiões a importância de uma justiça mais acessível e ágil. Como vê o uso da inteligência artificial e outras tecnologias na agilização dos processos trabalhistas?
MACV –
Hoje ainda vejo com cautela, mas tenho me impressionado como o tempo tem trazido para todas as áreas muitas vantagens na utilização de IA. Neste momento, todos os estudos se voltam para os sistemas que estão sendo apresentados, mas reafirmando que não substituem a participação do juiz, na revisão das decisões antes do julgamento. 

JC – Com relação à sustentabilidade, como a Justiça do Trabalho pode contribuir para essa causa? Já existe o uso de práticas mais ecológicas no ambiente administrativo da Justiça do Trabalho que julgue importantes?
MACV –
Não tenho dúvidas de que o Tribunal Superior do Trabalho tem apresentado atuação diferenciada e sua conduta tem sido exemplo a ser seguido em todas as áreas, instituindo inclusive o prêmio Justiça do Trabalho Sustentável, na promoção da sustentabilidade. Penso que é muito importante essa atuação para promoção da sustentabilidade. Há muito tempo, inclusive, o Tribunal tem atuado buscando dar
cumprimento à Agenda 2030 da ONU em todos os compromissos consignados na Estratégia Nacional do Poder Judiciário de 2021/2026.

JC – O TST tem o papel de uniformizar a jurisprudência, mas ainda é alto o número de processos, nas instâncias inferiores, que não seguem essas diretrizes e que acabam contribuindo para o alto número de processos. Como solucionar isso?
MACV –
Na atualidade, o sistema de justiça tem passado por transformações. O modelo herdado até o século XX, pela adoção apenas do sistema da civil law se mostrou ineficiente. A aproximação com a common law nos mostrou que a cultura de precedentes traria coerência, estabilidade e previsibilidade nas decisões judiciais. A adoção dos precedentes qualificados sinalizam, com maior efetividade, a interpretação da lei em caso concreto.

JC – Recentemente, o Tribunal Regional Federal da 2a Região, o Tribunal Regional do Trabalho da 1a Região e o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro firmaram acordo de cooperação técnica visando proporcionar maior eficiência às demandas em matéria de entidades familiares e reflexos previdenciários, trabalhistas e sucessórios no sistema de justiça. O senhor acha que essa iniciativa poderia ser estendida para todo o Brasil?
MACV –
Não só acho como a temos celebrado no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho. Trata-se de algo tão importante que foi iniciativa que auxiliou muito os trabalhos do TST na última gestão, conforme pode-se verificar inclusive nos resultados obtidos pelo CEJUSC/TST, e que foram recepcionados por vários tribunais regionais. Creio que os atos de cooperação se traduzem em modalidade excelente de colaboração entre os órgãos e as empresas e se espera que sejam utilizados de forma cada vez mais ampla, abrangendo mais ramos do Judiciário, como no caso que uniu três tribunais regionais, de esferas diferentes, para um fim maior, que é dar maior eficiência às demandas que têm repercussão nas três áreas.

JC – Em sua opinião, ministro, como a Justiça do Trabalho pode contribuir para o equilíbrio entre a proteção dos direitos trabalhistas e a flexibilização necessária para promoção da competitividade econômica?
MACV –
A Justiça do Trabalho, em sua atuação, é responsável pela paz social. A competência que lhe é atribuída pela Constituição Federal é a de julgar os conflitos decorrentes da relação de trabalho. O mundo do trabalho mudou. Há 20 anos, não se ouvia falar em uberização, em plataformização ou em trabalho em que uma das partes seria um algoritmo. A contribuição do Direito do Trabalho é indispensável para o desenvolvimento dessas novas atividades. 

JC – O senhor pretende fortalecer o diálogo com outros poderes e instituições para garantir que a Justiça do Trabalho seja cada vez mais eficiente e alinhada às necessidades do país?
MACV –
Sem dúvida nenhuma. A cooperação institucional e interinstitucional é um dever, como consagra o artigo 67 do Código de Processo Civil. O TST estabeleceu diálogo amplo com o Ministério Público do Trabalho e com o governo federal, pela instituição de atos de cooperação em que entes públicos cocriam suas estratégias para alcançar objetivos comuns, com inegável êxito.