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O exercício da democracia nº PLS no 236/12: o anteprojeto do novo Código Penal

14 de fevereiro de 2013

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A Constituição Federal estabelece no artigo 5º, XXXIV, o seguinte: “XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder.”

Com fundamento nesse preceito, qualquer cidadão possui o direito constitucional de reclamar, questionar e opinar em defesa de direitos, ilegalidade ou abuso de poder por parte do Estado em algo relevante e que influencie a um interesse próprio ou de toda coletividade.

O Projeto de Lei do Senado Federal nº 236/12 (também chamado de “Projeto Sarney”) tem por objetivo a reforma do Código Penal Brasileiro, datado do ano de 1940. Para a realização dos trabalhos, o Senado Federal instituiu uma comissão de nobres juristas com a finalidade de elaborar um Anteprojeto de Código Penal, dentre eles Luiz Flavio Gomes (Jurista), Min. Gilson Dipp (Ministro do Superior Tribunal de Justiça), Luiz Carlos Gonçalves (relator da Proposta) etc.

A priori, o próprio Senado Federal estabeleceu o prazo de 180 dias para término dos trabalhos. Ou seja, 6 meses para se constituir um novo instrumento normativo em matéria criminal que, atualmente, é tratado como o “salvador” de todos os problemas da sociedade brasileira, detentor de uma falsa sensação de segurança pública. No entanto, esquecemos ou fazemos questão de não lembrar que o Direito Penal é ultima ratio, derradeiro instrumento na resolução de conflitos.

Em que pese a preocupação do Exmo. Senador da República Pedro Taques em aposentar o Código atual, em muitos aspectos, já obsoleto, s.m.j., o prazo estabelecido para a reformulação de um novo Código Penal não pode ser feito em menos de um ano.

Não obstante a enorme capacidade jurídica dos membros da Comissão do Senado Federal, pontuais problemas começaram a ocorrer, visto a inclusão de equivocados elementos técnicos de ordem material. Diante disso, diversos órgãos e institutos de estudo do Direito Penal começaram a se manifestar, em sua maioria, contrários a proposta do Anteprojeto do novo Código Penal, haja vista a ocorrência de elementos desproporcionais, seja no tratamento de tipos penais já existentes ou na inserção de novas condutas punitivas.

Para fins de conhecimento, seguem abaixo algumas mudanças estabelecidas pela Comissão na Parte Especial:

• Omissão de socorro
Art. 132. Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo, ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:
Pena – prisão, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único. A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal grave, em qualquer grau, e triplicada, se resulta a morte.
Art. 393. Abandonar, em qualquer espaço público ou privado, animal doméstico, domesticado, silvestre ou em rota migratória, do qual se detém a propriedade, posse ou guarda, ou que está sob cuidado, vigilância ou autoridade:
Pena – prisão, de um a quatro anos.
• Explorar jogo de azar (extinção da contravenção penal)
Pena: 1 a 2 anos
• Criação do tipo penal “Organização Criminosa”
Pena: até 10 anos de prisão
• Criação do Tipo Penal de “Bullyng”
Pena: de 01 a 04 anos de prisão
• Criação da corrupção “privada” e a responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Podemos observar que a desproporcionalidade na aplicação das penas é um dos tópicos mais criticados pela comunidade jurídica, vez que estabelece maior punição para crimes cometidos em detrimento de animais que para omissão de socorro a crianças abandonadas.

Além disso, a proposta propõe a aplicação de elementos doutrinários na Parte Geral do Código Penal e a supressão do livramento condicional, este último, sistema existente em outras legislações mundo afora, característico da progressividade do sistema penitenciário.

O ex-Ministro da Justiça, Miguel Reale Jr., esteve à frente do “Ato em Defesa do Direito Penal: Criticas ao Projeto Sarney”, ocorrido em 24/9/12 no Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP, em São Paulo. O jurista criticou severamente a proposta apresentada e o modo que os trabalhos foram conduzidos, inclusive ao sugerir o ceifamento natural do Projeto, considerando-o “desastroso”. Deste encontro, nasceu um documento de repúdio a presente proposta, já enviado ao Senado Federal meses atrás.

No entanto, ele não estava só.

O ato recebeu o apoio de mais de 15 entidades representativas de classe, como a Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e do judiciário, como o Ministério Público e a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, além da Ordem dos Advogados do Brasil.
Ora Senadores, alguma coisa está errada!

A partir do momento em que várias instituições estão preocupadas com o seguimento e a consequente aprovação do novo Código Penal, a única “classe” prejudicada é a sociedade.

O Brasil, infelizmente, vive um momento de insegurança criminal muito grande, vez que a população, movida por alguns órgãos de imprensa sensacionalistas, aderiu a uma política de encarceramento natural, onde a Justiça, apesar de utópica neste contexto, faz-se a partir de instrumento prisional imediato.

Desta forma, toda e qualquer alteração legal que venha prejudicar e suprimir direitos e garantias constitucionais de suspeitos, investigados ou réus, desde que se faça a famigerada “JUSTIÇA”, será sempre bem vinda.

Cabe a nós, operadores do direito, não permitir esta atrocidade.

Não é possível que as pessoas não percebam que nosso sistema penitenciário não funciona? Realmente existe a possibilidade de ressocialização? Atualmente, não.

Diante disso, não há espaço para vaidades, alianças ou desavenças sobre o novo Código Penal apenas por receio de agradar a gregos e troianos.

É óbvio que erros existem, alguns até esdrúxulos. Porém, existem mudanças positivas e pontuais, necessárias ao bom desenvolvimento da política criminal em nosso ordenamento jurídico como, a meu ver, a reunião de todos os tipos penais em um só livro.

Apesar de ser um jovem advogado criminalista, ainda virgem na profissão e sonhador com um Direito Penal mais justo e solidário, garantidor de todos os direitos e garantias fundamentais existentes em qualquer Estado Democrático de Direito, uma observação há de ser feita: O Direito Penal acadêmico não condiz com o Direito Penal verdadeiro.

O Direito Penal tem o condão de movimentar toda a sociedade e suas opiniões, diferentemente do que ocorre com outros ramos do Direito, como Direito Civil, Tributário, Trabalhista etc. Isto ocorre, pois a sociedade brasileira utiliza o Código Penal como o principal instrumento de controle à criminalidade.

A parcial modernização do Código Penal é iminente, essencial ao regular desenvolvimento do País. No entanto, a matéria penal é delicada, vez que lida com a liberdade do individuo e para tanto, é indispensável que haja um impecável conhecimento técnico, onde os erros sejam minimizados ao seu máximo.

Ainda há muito o que fazer, porém não podemos negar os progressos alcançados em nosso País no que diz respeito ao regular desenvolvimento da Justiça criminal.

O momento é de reflexão, novas ideias e transformações. Porém, sempre condizente com princípios basilares do Direito Penal, sem espaço para entraves políticos de ambos os lados, seja aos que apoiam ou rejeitam o novo Código Penal.

Ocorre que, até o presente momento, presenciamos ataques diários entre os dois lados, em um verdadeiro cabo de guerra jurídico, onde a corda deverá estourar em algum momento.

Apenas uma indagação: Adivinhe quem está no meio desta disputa? A sociedade. Isto não pode prosperar; vivemos em uma democracia!

A reforma do Código Penal não atinge apenas a comunidade jurídica. A norma penal interessa a todos, pois a liberdade não se discute, se proclama.

Cesare Beccaria, principal aplicador da filosofia francesa à Legislação Penal, autor da obra Dos delitos e das Penas, asseverou o seguinte:

Lei sábia e cujos efeitos são sempre felizes é a que prescreve que cada um seja julgado por seus iguais; porque, quando se trata da fortuna e da liberdade de um cidadão, todos os sentimentos inspirados pela desigualdade devem silenciar1.

Não obstante todas as ideias já ventiladas e discutidas para o crescimento e desenvolvimento gradual do novo Código Penal, plausível seria, data vênia, as seguintes providências:

• A criação de uma Comissão revisora para discussão e votação do Anteprojeto do novo Código Penal, com o fim de auxiliar nos trabalhos já realizados na elaboração da proposta;

• A divulgação incessante nos órgãos de comunicação nacional, como jornais de grande circulação, revistas, órgãos de classe, televisão e Internet, a fim de promover audiências públicas em todos os Estados da Federação e a consulta à Nação brasileira;

• A realização de encontros quinzenais entre a Comissão oficial do Senado Federal e os representantes das seguintes instituições: Defensoria Pública dos Estados e da União, Ministério Público Estadual e Federal, Magistratura Estadual e Federal, Ordem dos Advogados do Brasil, Forças de Segurança Pública, membros do Poder Executivo e Legislativo, entidades de classe como IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) e IDDD (Instituto do Direito de Defesa), professores universitários, com o único fim de acompanhar, sugerir e opinar sobre as mudanças estabelecidas no novo Código Penal;

• A imediata suspensão dos trabalhos para aprovação do Projeto de reforma do novo Código Penal;

• A expedição de nota pública explicativa a toda sociedade e comunidade jurídica nacional, expondo os motivos da ausência de uma Comissão revisora, bem como as implicações jurídicas que eventuais mudanças na legislação criminal poderão implicar;

• A ampliação do prazo para apresentação de Emendas ao presente projeto.

É necessário, sim, discutir a questão, ao menos tentar. O Código Penal é o último instrumento a ser adotado em uma ordem institucional organizada e livre, onde se deve, em tese, atuar de forma limitada, seja pela dispensabilidade ou ausência de fatos que corroborem à sua aplicação. Quando buscamos tapar buracos ao invés de construir novas estradas fomentamos a aplicação de um Direito Penal do autor, verdadeiro instrumento violador da maior conquista democrática do nosso País: a Constituição Federal de 1988.

Notas ____________________________________________________________________________________

1 BECCARIA, Cesare: Dos Delitos e das Penas. Tradução de Paulo M. Oliveira; prefácio de Evaristo de Moraes. Bauru, SP: Edipro, 2º Ed., 2º tir. 2011. – Série Clássicos EDIPRO.