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O erro Médico e as Seguradoras

5 de março de 2005

Presidente da Academia Amazonense de Medicina, Benemérito da Academia Nacional de Medicina

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A prática médica associada a resultados vem sendo cada vez mais discutida tanto nos Órgãos que fiscalizam o exercício da medicina quanto na esfera judicial.

A questão no nosso modesto entendimento de professor de medicina e protagonista de histórias médicas há seis lustros, deve ser analisada como um problema multidisciplinar e jamais poderá ser tratada como um assunto isolado ou muito menos como um questionamento a ser discutido exclusivamente na área de uma especialidade da advocacia que trata do “erro médico”.

Michel Foucault, o maior filósofo e pensador médico do século XX, com muita proficiência asseverou na sua clássica palestra “A crise é da medicina ou da antimedicina?”, proferida no Brasil, no ano de 1974 no Rio de Janeiro, que quando a medicina sofre crises, estas não são dela e sim do que ele denominou de antimedicina.

No enfoque desse sábio mestre, a antimedicina está relacionada com três fatores: medicalização indiscriminada (nenhum procedimento se aplica a tudo ou a todos); cientificidade e eficácia (os insumos colocados a serviço do trabalho médico precisam ser mais bem conhecidos) e economia política (pressão do mercado financeiro sobre as ciências da saúde).

No gancho da antimedicina denominada por Foucault podemos incluir desde médicos mal formados, devido à pulverização de faculdades de medicina – grande parte sem condições mínimas para funcionar – dadas como figurinhas de troca a políticos inescrupulosos, passando pela não obrigatoriedade do Exame de Ordem e pela não exigência de educação continuada, até, e principalmente, aos aspectos do mercado financeiro em implantar no Brasil o seguro médico para eventuais indenizações por erro em querelas no Judiciário, com o fito da lucratividade.

O erro médico, tacitamente, estaria configurado na culpa comprovada de forma inconteste no dano causado por negligência, imperícia ou imprudência, conforme preceitua o art. 951 do novo Código Civil Brasileiro no que concerne à responsabilidade civil dos médicos.

O médico na plenitude de suas faculdades mentais e se egresso de uma Escola Médica sem restrições, pressupõe-se ter no seu cabedal de conhecimentos além da proficiência nos assuntos científicos, princípios éticos fundamentais para o exercício de tão sublime missão, tais como: amar o próximo como a si mesmo, sedar a dor como obra divina e em primeiro lugar nunca causar mal.

Além do mais, nenhum médico ao se propor a ajudar àqueles que sofrem, jamais poderá se comprometer com o sucesso como resultado ou a restituir o bem-estar físico-mental e social dos que se submetem sob seus cuidados profissionais, e sim aplicar os conhecimentos científicos para buscar, quando possível, a cura.

A implantação do seguro contra erro médico no Brasil trará sem sombra de dúvidas maior ganho para as casas bancárias e contribuirá para onerar ainda mais a sociedade, pois os profissionais da medicina ao terem que incluir essas despesas nos seus orçamentos, com certeza transferirão esses custos para o consumidor que é quem paga a conta na parte final do sistema.

Países como os Estados Unidos que oficializaram o seguro contra erro médico mostram em suas estatísticas que os resultados da prática médica têm melhorado mais por conta dos avanços científicos do que por meio dessa obrigatoriedade aplicada de forma compulsória, a qual tem mostrado também que parcela expressiva da população desses países não tem tido acesso a procedimentos de tecnologia de ponta por serem os mesmos de alto preço, já que incluem nos seus centros de custos os valores relacionados com esses contratos de seguros.

Maus médicos devem ser incontestavelmente punidos na forma da lei, inclusive com a cassação do registro profissional e com as penalidades civis e penais previstas na legislação. Porém, casos isolados jamais poderão ser extrapolados para a comunidade médica em geral, a qual congrega, nos seus mais de duzentos mil profissionais, a grande maioria voltada para cuidar da saúde e prolongar a vida de forma ética e humanitária.

Fazendo-se um paradigma com o personagem de Anatole France – Monsieur Bergeret, que ao encontrar a esposa cometendo adultério no sofá resolveu a questão retirando o divã – entendemos que a implantação do seguro contra erro médico no Brasil apenas trará maior lucratividade para as seguradoras, onerando ainda mais a sofrida população brasileira exaurida de recursos financeiros por pagar uma das maiores cargas tributárias do planeta.

A sabedoria popular nos mostra que nada é de graça, tudo tem preço e alguém paga a conta. Tendo-se essa máxima como parâmetro, o preço da conta a ser paga pela sociedade com a implantação desse seguro no Brasil será muito alto e de pouco ou nenhum benefício, interessando apenas às companhias de seguro e à abertura do mercado para profissionais do Direito, também vítimas do mercado saturado pela proliferação excessiva das Faculdades de Direito, concedidas muitas vezes àqueles que fazem politicagem e ganham como mordomia esdrúxula a concessão para implantar Instituições de Ensino Superior, transformando-as em balcões de ensino.