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O Direito Penal e os limites do parcelamento segundo a nova Lei 10.684/03

5 de agosto de 2003

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Buscando ampliar (ou manter) a base da arrecadação e atenuar as condenações na esfera penal, foi lançada no mundo jurídico em 30 de maio de 2003, a Lei 10.684, dispondo sobre novo parce1arnento de débitos administrados pe1a Secretaria da Receita Federal, Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e pelo Instituto Nacional do Seguro Social. Para tanto, basta aos interessados formalizar o pedido até o último dia útil do segundo mês subseqüente ao da publicação (art. 4°, inc. 1).

Nos termos do apontado diploma, os débitos (constituídos ou não) vencidos ate 28 de fevereiro de 2003 podem ser parcelados em até 180 prestações mensais, ou seja, em 15 anos. Ab initio, convém observar que, se podem ser parcelados, com mais razão poderão ser quitados de uma só vez, desde que realizado o pagamento no prazo da opção.

No que pertinente ao Direito Penal, assegurou o legislador no artigo 9° seguinte: ”É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos artigos 1° e 2º da Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos artigos 168-A e 337-A do Decreta-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (código Penal) durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento. § 1 ° – A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva. § 2º – Extingui-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios”.

Como se depreende, além das já previstas no art. 107 do CP e legislação esparsa, criou-se mais uma causa extintiva da punibilidade. Contudo, diferentemente da lei 9964/00 (REFIS) – que restringiu o favor legal aos pedidos formulados “antes do recebimento da denúncia” _ não fixou o legislador qualquer termo quanto aos efeitos penais. Apenas deixou registrado: “é suspensa a pretensão punitiva do Estado”, durante o tempo em que a pessoa jurídica relacionada com o agente “estiver incluída no regime de parcelamento”.

Logo, realizada a opção pelo novo sistema, não há de se cogitar de inquérito policial ou oferecimento de peça acusatória (e menos ainda seu recebimento) não só por afastada temporariamente a exigibilidade do credito tributário nos termos do artigo 151 do CIN, mas, sobretudo por estar suspensa a pretensão punitiva Estatal. Efetivado a parcelamento no curso da instrução criminal, ou antes, do transito em julgado de eventual sentença condenatória, suspende-se a processo e a prescrição até o pagamento integral do débito. Cumprindo o acordo, extingui-se a punibilidade; caso contrário, prossegue-se com a a<;ao penal.

Segundo a lei de Introdução ao Código Civil (art. 5″) na aplicação da norma, a juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e as exigências do bem comum.

Tendo em conta a consagrado principio (inobstante respeitáveis entendimentos em sentido contrário) quer por motivos de política criminal, quer para moderar os rigores da lei penal, ou pelo claro propósito da norma estimular os devedores ao cumprimento das obrigações sociais e dar preservar a arrecadação, s.m.j termo que nada impede a outorga de tal beneficio ainda que já alcançada a fase de execução, relevando se inaplicável na espécie, a distinção processual entre pretensão punitiva e pretensão executória, isso tudo levando-se em consideração a mens legis.

Fosse outra a intenção, teria o legislador anotado “e suspensa a ação penal” e não “e suspensa a pretensão punitiva do Estado”. Afora isso, a nova legislação encontra-se em harmonia com o inciso XL do artigo 5° da Constituição Federal, bem assim com o disposto no parágrafo Único do artigo 2° do CP que reza: “A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado”. No mesmo sentido, veja-se o comando inscrito no art. 66, inc. I da LEP.

Com efeito, se está escrito que “é suspensa a pretensão punitiva do Estado” até o pagamento integral do debito, e não tendo a norma fixado termo para sua incidência, nada mais razoável do que se aplicar tal beneficio tanto na fase de conhecimento como na de execução da pena, isso porque o direito de punir – tornado na sua acepção ampla como expressão do Jus pumied estatal- a evidencia, não cessa com o transito em julgado da sentença condenatória, estendendo-se na verdade ate sua final execução. Alias, se é certo que a pretensão punitiva se inicia com o inquérito policial (ou com a denúncia e ação penal) não menos correto é que a mesma se revela com a redobrada intensidade quando há título executivo favorável. Ou será que podemos dizer que a pretensão punitiva Estatal se esgota com a condenação?

Assim, realizado o pagamento integral (de uma só vez) na fase de execução, não há de se falar em cumprimento da pena; efetivado o parcelamento, suspende-se o curso do processo de execução e a prescrição, ou seja, tanto o pagamento quanto o parcelamento realizados nesta fase operam ex nunc, vale dizer, não eliminam o crime, mas tem força para afastar o principal efeito da sentença.

Repetindo: o parcelamento antes da ação impedirá seu ajuizamento; durante a instrução suspendera o curso do processo e da prescrição e depois da condenação seu cumprimento. A pagamento integral (realizado no prazo de opção) enseja a extinção da punibilidade em qualquer fase processual, subsistindo eventual condenação apenas como fato jurídico. Consoante já salientado, cuidando-se de novatio legis in mellius, nos termos do parágrafo único do artigo 2º do CP, seus efeitos devem retroagir alcançando inquéritos, ações penais e execuções em curso, inclusive, acusados que estejam respondendo a processo penal apesar de quitado seus débitos após recebimento da denúncia.

Concluído o tema central que nos animou a escrever as presentes reflexões, importa a notar, ainda que rapidamente, algumas observações sobre outros pontos de interesse dos operadores do direito no que permite a Lei ora em analise, quais sejam: a) o novo Diploma só alcança débitos existentes na esfera federal; b) afasta apenas os crimes previstos nos arts. 1° e 2º da Lei 8137/90 e nos arts. 168-A e 337-A do código Penal; c) as contribuições previdenciárias descontadas dos empregados, as decorrentes de sub-rogação e as retidas das empresas prestadoras de serviços, não repassadas ao INSS, estão fora do Programa em razão do veto presidencial, por contrariar o disposto no art. 7° da recentíssima Lei 10.666 de 10.05.03; d) embora o art.9° se reporte as pessoas jurídicas, tais regras devem ser estendidas as pessoas físicas ex vi do inc. m do § 3° do art. 1 ° do novel Diploma; e) se o pagamento ou parcelamento passaram a produzir seus efeitos mesmo depois de recebida a denúncia, o art. 34 da Lei 9249/95 revela-se inaplicável frente as novas regras; f) para os que estão sendo penalmente processados, não obstante tenham ingressado no REFIS (Lei 9964/00) posteriormente a denúncia, esta legislação autoriza de forma expressa (art. 2″) a transferência do saldo devedor para o novo regime de parcelamento, dar a suspensão do processo e da prescrição o que, por certo, viabilizara a extinção da punibilidade após o parcelamento total do debito; g) qualquer parcelamento anterior, não integralmente quitado, ainda que cancelado por falta de pagamento, não impede a inclusão do saldo devedor neste sistema; h) nos termos da Lei, será vedada a concessão de qualquer outra modalidade de parcelamento, até o final de 2006, aos que dela forem excluídos por descumprimento das obrigações assumidas (art. 11).